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Flávia Pellegrino

Uma vacina para a pandemia antidemocrática

Sociedade segue comprometida em revigorar a saúde da nossa resiliente democracia

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Flávia Pellegrino

Jornalista, é mestre em ciência política e coordenadora-executiva do Pacto pela Democracia

Há um ano o Brasil assistia estarrecido ao ápice do processo de ataques a seu regime democrático que perdurou pelos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Assistir ao vivo a uma intentona golpista, em 8 de janeiro de 2023, foi motivo de choque, porém não de surpresa. Isso porque uma insurreição bolsonarista contra a alternância de poder era uma tragédia literalmente anunciada.

O ex-presidente não poupou saliva para declarar reiteradas vezes que não aceitaria o resultado das eleições caso não saísse vencedor. Também não é possível dizer que tal levante era imprevisível, já que Bolsonaro explicitamente mimetizava seu par autocrata norte-americano e, assim, dois anos e dois dias depois, a invasão ao Capitólio ganhou sua versão brasileira.

As cenas dos atos golpistas em Brasília são tão inacreditáveis que poderiam ser produto do roteirista de ficção que parece ter assumido o comando da história brasileira nos últimos tempos. Bolsonaristas golpistas não apenas tentaram, mas, de fato, tiveram sucesso em invadir a sede não somente de um, mas dos três Poderes da República. O grau de violência física e simbólica que caracteriza a extrema direita e os atentados antidemocráticos deixou marcas profundas na democracia e, por essa razão, passou a ser imperativa e urgente a construção de mecanismos capazes de ampliar a proteção ao Estado democrático de Direito no país.

Imediatamente após o 8J, o recém-empossado governo federal anunciou a criação de um dito "pacote da democracia" que teria justamente esse fim. Entre idas, vindas e especulações, a proposta terminou por não avançar e as prioridades do governo Lula foram sendo tomadas por outras tantas pautas. Para a sociedade civil organizada, todavia, robustecer as estruturas do regime democrático brasileiro jamais saiu da ordem do dia.

Após anos de pandemia e pandemônio, aprendemos que o vírus pode seguir presente em nosso sistema mesmo quando os sintomas mais agudos se vão e que, portanto, garantir a produção de anticorpos é crucial para que a doença não venha a nos derrubar novamente. Uma vacina democrática é o que o sistema brasileiro requer a partir de agora, em que a crise passou, mas suas causas seguem presentes.

A intentona do 8J não foi um acontecimento isolado, mas o clímax de um processo autocrático que se desenrolou durante anos e evidenciou inúmeras vulnerabilidades do regime democrático no Brasil. Já que a democracia resistiu, o legado desses eventos deve ser catalisador para a construção de uma agenda consistente de promoção de mecanismos institucionais, sociais, legais e infralegais que denotem um esforço coletivo para evitar a repetição dos ataques à democracia que vivemos recentemente. As fragilidades expostas pela era bolsonarista passam a ser oportunidade para a implementação de medidas que aprimorem nossa estrutura democrática e apontem para uma democracia mais sólida e duradoura.

O Pacto pela Democracia, coalizão composta por mais de 200 organizações, dá início hoje à construção de uma agenda com essas características. Faça a Democracia Forte é fruto do relevante processo de incidência realizado durante a CPMI que investigou os atos golpistas no Congresso Nacional e que, a partir de 2024, ganha uma nova e importante etapa. A partir de pilares considerados estratégicos para a proteção da democracia, trabalharemos para promover debates e gerar transformações substantivas para a solidez dos pilares do Estado de Direito.

Hoje, a agenda centra-se em seis eixos que respondem a desafios prementes: responsabilização e memória dos crimes contra a democracia; despolitização e democratização das forças de segurança; defesa e fortalecimento do sistema eleitoral; qualificação e promoção do debate público; participação da sociedade civil nos Poderes federativos; educação cidadã.

Não há saída para a pandemia antidemocrática se os anticorpos certos não forem produzidos. A sociedade civil segue comprometida em revigorar a saúde da combalida porém resiliente democracia brasileira.

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