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Leticia de Oliveira, Fernanda Stanisçuaski e Patrícia Valim

A quem a maternidade atrapalha?

Ações afirmativas, inclusive na ciência, são fundamentais para corrigir desigualdades

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Leticia de Oliveira

Professora da Universidade Federal Fluminense; Parent in Science

Fernanda Stanisçuaski

Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Parent in Science

Patrícia Valim

Professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Rede Brasileira de Mulheres Cientistas

Nesta semana, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão, afirmou em um evento que o movimento Parent In Science "atrapalha muito". O professor declarou que o movimento atrapalha porque, supostamente, teria sugerido que as bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq sejam avaliadas de maneira separada para homens e mulheres. Em nota divulgada nas nossas redes sociais, esclarecemos que nunca fizemos tal sugestão ao CNPq.

O Parent in Science, uma organização internacionalmente reconhecida e premiada, tem como objetivo principal destacar e abordar os desafios enfrentados por mães na comunidade acadêmica.

Relembrando a polêmica recente envolvendo o CNPq, é curioso e emblemático que Galvão tenha usado a mesma palavra que o parecerista do conselho usou para responder ao pedido da bolsa de produtividade da pesquisadora Maria Carlotto, da Universidade Federal do ABC, dizendo que suas gestações "atrapalharam" sua carreira científica.

Mas a quem a maternidade atrapalha, de fato?

O movimento Parent in Science tem mostrado com dados que a parentalidade impacta a carreira especialmente de mulheres. Entretanto, o que de fato atrapalha é a falta de políticas públicas que apoiem as mães na academia e fora dela. Precisamos de creches, salas de acolhimento e amamentação, divisão igualitária nos cuidados com crianças e idosos e tarefas domésticas. E, não menos importante, urge diminuir a discriminação e o preconceito contra mães nos ambientes acadêmicos.

O professor fala ainda que as mulheres não precisam de ações "paternalistas", uma vez que estas impediriam o reconhecimento de seus méritos como cientistas. As ações paternalistas as quais o professor se refere são ações afirmativas, importantíssimas para corrigir desigualdades históricas e sociais. Às mulheres são atribuídas as principais funções do cuidado com crianças e idosos. Esta é uma questão central que gera a necessidade de políticas de compensação, tais como editais específicos para cientistas mulheres. Portanto, embora não tenhamos sugerido formalmente ao CNPq, entendemos que linhas específicas de financiamento para mulheres e grupos sub-representados são essenciais.

O físico Ricardo Galvão, presidente do CNPq - Waldemir BarretoAgência Senado - Waldemir Barreto/Agência Senado

O próprio CNPq tem editais importantes para mulheres negras, por exemplo. Esse edital seria paternalista? As mulheres negras teriam menos mérito? Sabemos que não, muito pelo contrário. É uma reparação mínima referente a uma injustiça histórica. No caso das bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq, é preciso que um grupo dedicado de pessoas avalie as desigualdades de gênero, raça, áreas do conhecimento e distribuição geográfica para propor soluções. Não há solução fácil. Mas há a necessidade inquestionável de mudança.

Reiteramos nosso desejo de contribuir para a construção de um ambiente acadêmico mais inclusivo, justo e diverso. Um ambiente que não atrapalhe mais a maternidade de ninguém.

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