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Júlia Barbon

Folha e a 'cota' para pessoas com deficiência

É louvável a iniciativa do jornal de anunciar vagas para o nosso grupo, ainda que tardia

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Júlia Barbon
Júlia Barbon

É correspondente da Folha para a América Latina, com base em Buenos Aires

Buenos Aires

É louvável a iniciativa da Folha de anunciar vagas para pessoas com deficiência em seu trainee de economia. Tardia? Sim, mas ainda assim louvável. A maioria dos que me leem não sabem, mas sou uma das raras pessoas na redação que se enquadra nesse grupo —alô Jairo Marques, que chegou quando tudo isso aqui era mato.

Então te conto: não tenho a mão direita, ainda que meus privilégios frequentemente me façam esquecer disso. "Nasci sem", respondo quando uma criança me pergunta, sempre acrescido de um "mas amarro meu próprio cadarço, toco violão e faço tudinho o que você faz". Às vezes conto que por anos também pratiquei volteio, um esporte que inclui dar piruetas em cima de um cavalo.

Jovem se inclina para conversar com duas meninas de cerca de 4 anos com roupa de balé, em quadra esportiva
Crianças me perguntam "o que aconteceu com a sua mão?" durante reportagem no Complexo do Alemão, no Rio, em 2019 - Arquivo pessoal

Pois bem. Há exatos quatro anos, "saí do armário" e escrevi à minha rede virtual de amigos: "Finalmente entendi que faço parte da caixinha de 'pessoas com deficiência', depois de muito rejeitar esse rótulo internamente pela carga que ele traz". E aí, com certa raiva, me dei conta de como nosso grupo não está embutido na banalizada palavra "diversidade".

Naquela madrugada de pandemia, lembro de ter refletido sobre como mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ começavam finalmente a despontar na mídia, sem que o mesmo acontecesse ainda com a nossa minoria. Fiz um apelo aos colegas jornalistas, publicitários e empregadores de qualquer natureza para que nos notassem para além do selo de "superadores".

As pessoas com deficiência no Brasil (cerca de 9%) ainda trabalham muito menos e muito pior. Só 27% delas estão ocupadas, contra 61% das pessoas sem deficiência; 55% atuam na informalidade, contra 39% do resto da sociedade; e até entre quem tem ensino superior, só 55% estão no mercado, contra 84%, mostram os últimos dados do IBGE.

E se, dez anos atrás, quando entrei no jornal, a "cota" já existisse? Provavelmente, hoje eu não seria uma das únicas entre meus colegas. Provavelmente, outros também poderiam ter o privilégio de esquecer. Será que finalmente devo começar a comemorar? Me parece cedo.

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