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Maria Luísa Magalhães Nogueira

A invisibilidade dentro do autismo e os avanços na educação inclusiva

Há metodologias, recursos e estratégias que foram pensados a partir das especificidades que o cérebro neurodivergente apresenta

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Maria Luísa Magalhães Nogueira

Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG; psicóloga é mestre e doutora (UFMG)

Provavelmente o diagnóstico mais instável na história da medicina seja o de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). O autismo é hoje compreendido como um espectro, no qual existe um mesmo núcleo de características, mas com uma variabilidade grande entre eles, englobando desde o que é chamado hoje de autista nível 1 até o nível 3 — níveis que se referem à quantidade de suporte demandada. É muito interessante caracterizar o quadro a partir do suporte pois, certamente, o autismo de nível 1 não é uma vivência "leve" (como já foi chamado). Essa população é mais vulnerável à ansiedade e à depressão.

Autistas de nível 2 e 3 vão precisar de mais suportes na vida cotidiana. Na escola, incluir um aluno nível 2 ou 3 pode ser bastante desafiador, principalmente porque educadores não estudaram quase nada de TEA em suas formações, e o que se estuda de psicologia não contribui muito para o acolhimento desses estudantes, que podem apresentar quadros disruptivos mais frequentes e intensos.

Um grupo transdisciplinar formado por pesquisadores do campo do TEA e autistas elaborou um parecer para o Conselho Nacional de Educação orientando sobre a escolarização de crianças com TEA, texto que está na mesa do ministro para ser homologado.

Meu filho, Francisco, 12, é autista nível 3, não oralizado, alfabetizado, matriculado na escola regular —na escola comum, de todos. Um menino muito afetivo e que gosta de estudar (o que é do seu interesse). Já teve crises na escola, já se machucou, mordeu a mediadora, quebrou vidraça, já partiu nossos corações em momentos em que não sabíamos como ajudá-lo. Ele ama a escola onde estuda atualmente. Eu também. Uma escola comum, mas que, de modo incomum, busca aplicar o que há de mais atualizado no entendimento do TEA, estratégias que funcionam melhor para o processo de ensino-aprendizagem dessas crianças atípicas.

O autismo não é em si uma barreira para o ensino, pois autistas podem aprender. Eles podem mergulhar profundamente no conhecimento de seus hiperfocos (interesses muito intensos que dominam a atenção deles) e se tornam especialistas em filmes, dinossauros, mapas etc. Mesmo não sendo um problema de aprendizagem, vemos autistas níveis 2 e 3 circulando à deriva nas escolas, sem acesso ao direito efetivo à educação, sem aprender a ler e sem tocar nos conteúdos pedagógicos.

Existem metodologias, recursos e estratégias que foram pensados a partir das especificidades que esse cérebro neurodivergente apresenta, um cérebro com uma conectividade diferente da do cérebro típico. No autismo há menos "circuitaria" entre as áreas, porém uma maior intensidade em cada área. Talvez isso explique os hiperfocos, a rigidez, as maiores habilidades para busca de padrões do que para a sociabilidade. Fato é que estamos falando de um cérebro que organiza as experiências de modo distinto do cérebro típico. Só que raramente vemos o uso dessas metodologias pensadas a partir e para os autistas no cotidiano escolar.

Quem é contra a a implementação desses recursos que funcionam diz que vão transformar a escola em clínica —o que é curioso, pois a psicologia já está presente na formação da pedagogia. Além disso, são práticas transdisciplinares e que poderão ser implementadas para favorecer a aprendizagem, como recursos visuais e a comunicação alternativa e aumentativa.

Talvez estejamos a ver, novamente, uma invisibilização desse público, autistas níveis 2 e 3, historicamente considerados como cidadãos de segunda classe.

O Brasil é um país avançado no campo da educação inclusiva: não segregamos mais as crianças com deficiência em escolas ou salas separadas. Elas estão na escola comum, juntas com seus pares de idade, que aprendem que a diferença é parte do que nos torna humanos. Falta levarmos a essas escolas, onde todas crianças já estão, inclusive as autistas, também o que essas últimas precisam de maneira específica —e que já existe. Práticas que abrem cotidianos escolares de serenidade, alegria, descobertas. É isso que o parecer 50 do Conselho Nacional de Educação buscou fundamentar.

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