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Maria Alice Setubal (Neca)

Lideranças brancas têm responsabilidade na busca pela equidade racial

É preciso estabelecer metas para garantir, também, permanência e ascensão

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Maria Alice Setubal (Neca)

Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), socióloga e presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal

O Censo 2022 revelou um dado de extrema relevância histórica e simbólica: o total de brasileiros que se autodeclaram pretos cresceu 42,3% na comparação com a edição de 2010. Entretanto, quando avançamos no que tange ao autorreconhecimento da população não branca, a representatividade negra nos espaços de decisão e poder (sejam eles públicos ou privados) ainda se apresenta como um grande desafio multissetorial.

Segundo o Observatório da Presença Negra no Serviço Público, as servidoras e os servidores públicos negros correspondem a 33% dos cargos de nível superior no Executivo federal e a 15% dos magistrados no Judiciário. De acordo com o Ipea, apenas 11,6% dos auditores da Receita Federal são homens negros, e 2,9%, mulheres negras. Na carreira diplomática, a desigualdade é ainda maior: somente 9,2% são homens negros, e 2,9%, mulheres negras.

Tais disparidades foram agravadas pelos anos de políticas conservadoras e que caminharam na contramão da representatividade, tão importante em um país diverso com o Brasil. São louváveis, porém, os instrumentos legais que resistem e atestam o esforço de certos atores por uma mudança intencional no cenário. Exemplo disso é a Lei de Cotas, em vigor desde 2014, que reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para pessoas que se declaram pretas ou pardas. A lei precisa ser renovada até 6 de junho, quando completa dez anos, e a proposta que tramita no Congresso prevê aumento desse percentual para 30%, além de reserva de vagas para mulheres negras e indígenas.

O cenário de desigualdade racial, que é majoritário na sociedade brasileira, se expressa também no setor privado e nas organizações da sociedade civil. Segundo o Instituto Ethos, em 2020 apenas 6,3% dos cargos de alta liderança nas 500 maiores empresas do Brasil eram ocupados por pessoas negras. Nos institutos e fundações empresariais, o censo Gife 2023 apurou que 92% dos conselheiros são brancos.

A sociedade está atenta e vem intensificando esforços na busca por soluções e caminhos alinhados às políticas afirmativas. Exemplos de iniciativas nessa direção no campo do Investimento Social Privado são a Plataforma Alas, da Fundação Tide Setubal, e a Plataforma Equidade Racial, do Gife. Além de articulações protagonizadas pelo setor empresarial nos últimos anos, como o Pacto de Promoção da Equidade Racial no Brasil e o Mover – Movimento pela Equidade Racial. São propostas de atuação coletiva e multissetorial, com o objetivo de acelerar a busca pela equidade racial nas posições de decisão.

Além de políticas públicas e da forte atuação da sociedade civil, a efetiva transformação do cenário de representatividade depende da coragem e da responsabilidade de lideranças brancas em cargos de decisão para se posicionar, afirmando publicamente a prioridade da pauta de equidade racial e de gênero. Não há dúvidas do impacto desse processo na trajetória rumo a uma sociedade mais justa, menos desigual e, portanto, mais próspera. Mas é preciso mais do que reconhecer, é imperativo atuarmos pragmaticamente como aliados nessa luta.

A permanência e, sobretudo, a promoção desses profissionais a cargos que efetivamente impactam e direcionam os caminhos econômicos, políticos e sociais dependem de decisões deliberadas, pragmáticas e institucionalizadas. É preciso estabelecer metas (atreladas a estratégias e bônus de resultados) para além das ações afirmativas, criar e manter investimentos em programas de equidade e mecanismos comprovadamente eficazes, como comitês de diversidades e grupos de afinidades.

Nesse processo, a promoção de um ambiente acolhedor e que considere as diversidades de trajetória e formação é fundamental para garantir a permanência e a ascensão de profissionais negros no mercado de trabalho.

Como nos lembra a psicóloga e artista Grada Kilomba, a reparação histórica efetiva só será possível com o desenvolvimento de novas configurações de poder, de novas agendas, o que demanda a entrada de novos atores em todas as etapas do processo.

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