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Rodrigo Luna

O bom senso que o Censo pede

Adensar com inteligência é o caminho para abrigar a população com dignidade

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Rodrigo Luna

Presidente do Secovi-SP (sindicato das construtoras de São Paulo) e reitor da Universidade Corporativa Secovi-SP

O "Censo 2022: Características dos Domicílios - Resultados do Universo" trouxe relevantes dados para orientar o desenvolvimento urbano das cidades e recomenda reflexões sobre como as legislações que definem a ocupação de territórios são determinantes para a qualidade de vida.

Conforme o levantamento, 84,8% da população brasileira residia em casas —171,3 milhões de cidadãos, mas houve crescimento na proporção de pessoas vivendo em apartamentos: 12,5% dos habitantes nesse tipo de domicílio, contra 8,5% em 2020. Um aumento expressivo, detectado em âmbito nacional, principalmente nos municípios maiores.

Na região do Brás, prédios residenciais começam a mudar a paisagem, antes ocupada quase totalmente por galpões industriais - Eduardo Knapp - 24.ago.2023/Folhapress - Folhapress

Das 319 cidades com pelo menos 100 mil habitantes, 171 possuem 10% ou mais dos seus moradores vivendo em apartamentos. Em 14 delas, o percentual supera um terço da população. São Caetano do Sul (SP), que está em primeiro lugar na lista dos municípios brasileiros no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU, e que também se sobressai nos rankings de sustentabilidade, tem 50,8% de sua população em edifícios.

Em geral, os municípios mais verticalizados estão em importantes regiões metropolitanas, como é o caso da capital paulista, uma das únicas três cidades do país que rompem a marca de metade dos cidadãos morando em prédios, ao lado de Balneário Camboriú (57,2%, SC) e Santos (63,5%, SP).

Essa verticalização ocorreu em áreas dotadas de infraestrutura urbana, próximas a eixos de transporte público e rodovias, evidenciando que mobilidade é vetor de adensamento. Adensamento que responde à demanda das pessoas na vida moderna, aos novos arranjos familiares, à busca por acesso mais fácil a serviços, menor desperdício de tempo com deslocamentos —em especial casa-trabalho—, maior segurança; enfim, mais bem-estar.

Bairro Cerâmica, em São Caetano do Sul (SP); cidade é uma das três do país com mais de 50% dos moradores vivendo em apartamento - Eduardo Knapp/Folhapress - Folhapress

Espalhar as pessoas nas grandes metrópoles definitivamente produz dificuldades e má qualidade de vida à população. A única forma de atender essa demanda é por meio da verticalização e do adensamento inteligentes. Até porque os espaços que oferecem tais recursos estão cada vez mais valorizados. E a única forma de diluir o alto custo dos terrenos é distribuí-lo por grandes números de unidades produzidas.

É com essa visão de escala que o Minha Casa, Minha Vida, um dos maiores programas habitacionais do planeta, está impulsionando a verticalização e ampliando o acesso das famílias de baixa renda a um lar, notadamente nos grandes centros urbanos.

A história mostra que leis elitistas terminaram por originar o grande número de ocupações irregulares nas cidades. Em São Paulo, observamos a invasão irreversível das Áreas de Preservação Permanente (APP), caso dos entornos das represas Billings e Guarapiranga, onde estão cerca de 100 mil famílias. E o impacto ambiental produzido pela população às margens desses reservatórios é intenso e contínuo.

Os limites impostos à produção de habitações pelo mercado formal geraram grilagem, clandestinidade e venda de lotes pelo crime organizado. Geraram pessoas vivendo sem a titularidade de seu bem e complexidade adicional aos planos de tentativa de regularização fundiária em andamento no país.

Sempre que as leis ignoram a realidade, a realidade engole as leis. As pessoas precisam morar. Quando não conseguem fazer isso legalmente, e com o apoio de programas governamentais que as subsidiem na aquisição de suas moradias, não há saída. E não se pode pensar em julgá-las ou condená-las. É questão de sobrevivência.

O único meio de enfrentar esse martírio é ter legislações que destravem e intensifiquem a produção de habitações de interesse social mais centrais e perto de onde estão trabalho, lazer e serviços. E só há um caminho para acomodar tantas vidas com dignidade: adensar e verticalizar com inteligência, por meio de legislações urbanísticas que possibilitem melhor aproveitamento de territórios com infraestrutura e que impulsionem a oferta de moradias formais para a baixa renda. Este é o bom senso que o Censo pede.

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