Os caminhos da biomedicina não cessam de surpreender. Quem diria, décadas atrás, que partes dos animais mais identificados com sujidades viriam a salvar milhares de pessoas? Pois começou a era dos transplantes com órgãos de porcos, com notável avanço anunciado na quinta-feira (21).
O Hospital Geral de Massachusetts em Boston divulgou operação bem-sucedida, comandada por um médico brasileiro, em que um homem de 62 anos com insuficiência renal grave recebeu um rim suíno geneticamente modificado. O paciente se recuperava bem.
Dá-se o nome de xenotransplante ao procedimento em que o doente recebe órgão de outra espécie, para contornar a escassez de doações humanas. A fila de brasileiros à espera de um rim, por exemplo, conta cerca de 39 mil pessoas.
Embora pouco se pareçam com humanos, suínos têm a parte central do corpo e os órgãos vitais nela contidos de tamanhos comparáveis. A desvantagem está no potencial aumentado para rejeição, dado o parentesco distante com a espécie Sus scrofa domesticus.
Recorreu-se a dezenas de manipulações de DNA para diminuir a rejeição, com a retirada de genes porcinos e inserção de genes humanos. Também foram inativadas sequências genéticas correspondentes a vírus adormecidos, por assim dizer, no genoma de porcos.
A modificação genética empregou a técnica batizada Crispr, que deu a Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna o Prêmio Nobel de Química em 2020. Ela confere maiores precisão e eficiência na edição de DNA de seres vivos do que processos anteriores.
A façanha poderá causar desconforto moral em algumas pessoas sensíveis à sem-cerimônia com que a biotecnologia cruza fronteiras antes vistas como imutáveis. Foi assim, nos anos 1970, com os primeiros transplantes de coração entre humanos e os pioneiros bebês de proveta —hoje corriqueiros.
Vida longa aos xenostransplantes. De uma perspectiva pragmática, é finalidade nobre destinar corpos de animais para salvar pessoas condenadas pela relutância de parentes, esta sim injustificável, a doar órgãos de entes queridos.
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