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Ivanildo Terceiro

A democracia liberal brasileira por um fio

Processo de erosão está em curso e avança por culpa de atores do Judiciário

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Ivanildo Terceiro

Especialista em comunicação política pela International Academy for Leadership, em Gummersbach (Alemanha), é diretor-assistente de marketing no Students For Liberty

Quando decretou o AI-5, Costa e Silva e seus signatários consideravam o ato necessário para que fosse assegurado ao Brasil uma "autêntica ordem democrática, baseada na liberdade". Na sua posse, Médici clamou pelo apoio de todos que "acreditam na compatibilidade da democracia com a luta pelo desenvolvimento".

A verborragia em defesa da democracia não é exclusividade dos ditadores brasileiros. Apesar de tratar liberdades e garantias constitucionais como um privilégio burguês, o regime da Alemanha Oriental se chamava democrático e batizou o muro que prendia sua população de "barreira antifascista". Até hoje os ditadores norte-coreanos se dizem democráticos.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal - Gabriela Biló/Folhapress - Folhapress

O fato é que escrever palavras bonitas em defesa da democracia liberal é fácil. Difícil, "demasiadamente difícil", como Ortega y Gasset apontou, é ter a disciplina de praticá-la.

O pacto democrático sempre é frágil. Nas palavras do autor espanhol, é o direito que a maioria concede à minoria e, justamente por isso, tão difícil de criar raízes na Terra.

É tentador abusar de uma maioria momentânea. A democracia liberal responde a esse desafio criando instituições de Estado, que não obedecerão ao governo de plantão, mas às regras que toda a sociedade aceitou como justas. Assim, maioria e minoria têm incentivos para se manterem fiéis ao sistema.

Esse frágil pacto depende não apenas da existência dessas instituições imparciais, mas da percepção que o povo de um país tem ao seu respeito. Algo que vai muito mal no Brasil.

Uma pesquisa da Atlas Intel realizada neste ano revelou que 47,3% dos brasileiros acreditam que vivemos em uma ditadura do Judiciário, e 16,7% ainda afirmam que "muitos juízes cometem abusos e ultrapassam suas atribuições". Somados, 64% dos brasileiros acham que, de uma forma ou de outra, o Poder imparcial é parcial.

É difícil dizer por quanto tempo a maioria dos brasileiros manterá seu espírito democrático, mas o processo de erosão está em curso e vem se acelerando por culpa de atores do Judiciário. Em nome da democracia, o Supremo Tribunal Federal se arvorou no poder de ignorar todas as regras legais que a mantêm de pé.

Ignora o "princípio do juiz natural" ao determinar que todos os envolvidos no 8 de janeiro, com foro privilegiado ou não, sejam julgados pela corte. Diante da impossibilidade prática de se julgar uma multidão de pessoas, seus ministros resolvem, então, suspender as sustentações orais dos seus advogados.

Uma discussão na fila de uma sala VIP num aeroporto em outro país se transformou num inquérito que corre no STF, apesar de nenhum dos possíveis réus ter foro privilegiado. E, em mais uma inovação, o ministro Alexandre de Moraes foi aceito como assistente de acusação, ainda na fase de inquérito, enquanto à defesa é negada até mesmo a cópia da gravação do que ocorreu no aeroporto e o sigilo de comunicações entre advogado e cliente é quebrado pela Polícia Federal.

O mesmo tribunal que chamou de "tortura" delações feitas por bilionários, e negociadas em hotéis de luxo, aceitou de bom grado a delação de um militar que há meses permanecia preso sem nenhum tipo de denúncia formal.

O inquérito que há cinco anos nasceu com objeto específico de defesa da "honra" dos ministros, seus familiares e do próprio STF, não apenas nunca foi concluído como não tem previsão de conclusão, mantém todos os afetados por medidas cautelares num limbo jurídico —sem poder apresentar defesa ou ter uma pena definida—, cobra obediência absoluta às suas decisões sigilosas e hoje investiga até mesmo o Elon Musk. Tal inquérito também foi utilizado por Moraes para pautar o debate público brasileiro, ordenando de ofício que o Telegram retratasse sua opinião a respeito de um projeto de lei.

Entrevistas e posicionamentos claramente políticos de membros do tribunal nem nos espantam mais. Não é difícil entender o que leva brasileiros a acreditarem que o Judiciário brasileiro tem lado. Difícil é entender por que os efeitos dessas decisões continuam ignorados no debate público nacional.

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