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Congresso pode ajudar a evitar novas enchentes

Agência Nacional de Águas é vital para o efetivo gerenciamento de recursos hídricos

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Jerson Kelman

Engenheiro e colunista da Folha, foi professor da Coppe-UFRJ e dirigente da ANA, Aneel, Light, Enersul e Sabesp

A inundação do Rio Grande do Sul mostrou na prática que não é possível tratar de uma catástrofe dessa magnitude apenas na escala municipal. É preciso alargar o olhar para abranger toda a bacia hidrográfica.

Como se viu, o nível da água em Porto Alegre em dia de céu azul pode subir devido à chegada da água precipitada horas ou dias antes em municípios localizados rio acima. O Guaíba demorou a baixar em 1941, e demora agora em 2024, devido ao represamento causado pela Lagoa dos Patos, águas abaixo de Porto Alegre. Por sua vez, a Lagoa dos Patos demora a esvaziar por efeito dos ventos, das marés e da condição hidráulica do estreito canal que a conecta com o mar.

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Carros no pátio do Detran de Porto Alegre cobertos pelas águas da inundação do Guaíba - Bruno Santos/Folhapress - Folhapress

Na atual emergência, tem sido fundamental contar com as previsões sobre o nível da água produzidas por modelos matemáticos que dependem das informações disponibilizadas pela Agência Nacional de Águas.

A ANA também mantém uma "sala da situação", em articulação com instituições do setor elétrico, para operar as usinas hidroelétricas. Cuida-se de evitar o colapso de barragens, tendo em vista que já ocorreram vazões afluentes superiores à capacidade dos vertedores, projetados para a recorrência de 10 mil anos.

O alargamento do olhar para abranger toda a bacia é princípio basilar do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), gerido pela ANA. O Singreh adota a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão e descentraliza o processo decisório por meio dos comitês de bacia.

Cada comitê é responsável pela formulação do plano para a respectiva bacia. Muitos planos não têm claras instruções sobre o que precisa ser feito, e por quem, para manter operacionais as estruturas hidráulicas construídas nos cursos de água. Isso precisa mudar. Não é mais possível dar muita atenção à inauguração de obras públicas e pouca, ou nenhuma, à correspondente manutenção.

No caso específico de Porto Alegre —não das demais cidades gaúchas, que também sofreram o flagelo—, há razões para acreditar que a inundação poderia ter sido evitada, ou ao menos mitigada, se a estrutura de proteção à cidade construída nos anos 1970, formada por 68 km de diques, 14 comportas e 23 casas de bomba, tivesse funcionado conforme projetada.

Não funcionou porque perdeu-se ao longo do tempo a percepção de quão importante seria manter o sistema perfeitamente operacional. Sem a ocorrência de significativos transbordamentos em décadas, as verbas e equipes técnicas foram sendo ceifadas por sucessivas administrações.

Há muitos outros casos no Brasil de definhamento institucional que resultam em riscos como o de Porto Alegre. Talvez a atual tragédia possa causar uma inflexão no desprezo por parte de quase toda a administração pública pela manutenção de infraestruturas. O Congresso pode e deve atuar para que, no caso de obras hidráulicas, o Singreh seja o indutor dessa inflexão. Para começar, deve rejeitar o projeto de lei 2.918/2021 que, ao praticamente zerar o orçamento da ANA, manieta o funcionamento do Singreh.

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