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Ricardo Lewandowski e Lílian Cintra de Melo

Inteligência artificial, a via brasileira

Esforços deverão resultar em uma visão estratégica de soberania digital

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Ricardo Lewandowski

Ministro da Justiça e Segurança Pública, é professor sênior da USP e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal

Lílian Cintra de Melo

Doutora em direito (USP), é secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública

A criatividade humana aplicada ao desenvolvimento de tecnologias fascina e assombra a humanidade desde a Antiguidade. Na mitologia helênica, Prometeu presenteia a humanidade com a dádiva do fogo. Como punição, Zeus, senhor do Olimpo, pediu a Atena e Hefesto que criassem Pandora, mulher belíssima e prendada, entregando-a como esposa a Epimeteu, irmão de Prometeu.

Pandora trazia consigo uma caixa que continha todos os males do mundo. Vencida pela curiosidade, abriu-a, deixando-os escapar. Assustada, fechou-a logo em seguida, impedindo que a esperança também nela encerrada pudesse sair. A propósito, em grego antigo, Prometeu significa antevisão, enquanto Epimeteu remete à incapacidade de ver o futuro.

Ilustração criada por combinação de várias ferramentas de imagem generativa
Ilustração criada por combinação de várias ferramentas de imagem generativa - André Graciotti/Reprodução - Reprodução

Essa conhecida alegoria, longe de sugerir uma renúncia aos avanços tecnológicos, como é o caso da inteligência artificial (IA), serve de alerta à assunção imponderada de riscos. É certo que a IA, superando visões distópicas, já está presente no cotidiano dos brasileiros, integrada a diversos bens e serviços públicos e privados.

Essa tecnologia é designada inteligente porque processa imensos volumes de dados, sendo capaz de aprender e realizar tarefas cognitivas com variada autonomia. Propicia avanços relevantes no campo da ciência e da técnica, podendo contribuir para incrementar a proteção do meio ambiente e o avanço da própria democracia, desde que cercada dos devidos cuidados.

A forma como o Brasil estabelecerá os padrões tecnológicos, regulatórios e de governança da inteligência artificial definirá a futura distribuição de seus riscos e benefícios. O uso ético e responsável dessa nova ferramenta deverá atentar para os cuidados já desenvolvidos em outros países e às necessidades que nos são próprias.

Inúmeras estratégias regulatórias estão sendo discutidas ao redor do planeta, amparadas em diferentes abordagens, que resultaram em marcos legais específicos para o controle e o fomento dessa nova tecnologia. Um estudo produzido por estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo demonstra que 178 países apresentam iniciativas regulatórias relacionadas à IA. Há, portanto, várias vias para o tratamento dessa questão, conforme demonstram as experiências internacionais.

O Parlamento Europeu aprovou o AI Act, inserido numa ampla estratégia digital, que contempla temas como o acesso a dados, direitos dos usuários e defesa da concorrência. Com o objetivo de impulsionar a liderança europeia, ela inclui também os seguintes atos: Data Governance Act, Data Act, Digital Services Act e Digital Markets Act.

Os Estados Unidos, por sua vez, têm optado por uma regulação fragmentada por distintas autoridades. Sua principal iniciativa, todavia, é a Executive Order 14110, voltada à articulação de um plano comum de IA em todo o país. Já a China editou sucessivos atos normativos para incentivar a criação da IA generativa e assegurar a proteção de direitos, sem abrir mão da hegemonia governamental.

O Brasil também tem envidado esforços nesse sentido: debate o tema no Congresso Nacional e elabora, no âmbito do Executivo, um plano para o emprego racional da IA. Desses esforços deverá resultar uma visão estratégica de soberania digital, que estimule o desenvolvimento científico e tecnológico do país, contemplando, ao mesmo tempo, a promoção da justiça social e o enfrentamento das desigualdades estruturais.

Será preciso prosseguir na senda aberta por Prometeu, compensando os males que escaparam da caixa de Pandora com a esperança que nela ficou retida.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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