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Nova lei de falências cria mais embaraços que soluções

Se o Senado não agir, processo se tornará ainda mais litigioso, custoso e moroso

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Fabiana Solano

Advogada de Felsberg Advogados, é especialista em leis de falências

Em uma importante iniciativa, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei 3/24, que propõe mudanças no instituto da falência, dentre outros pontos relevantes da recuperação judicial. O objetivo é imprimir celeridade ao processo, eliminando ineficiências e burocracias do sistema atual.

Infelizmente, o texto original foi analisado em regime de urgência pela Câmara e sofreu profundas alterações. Com isso, impediu-se o amplo debate sobre as medidas —e muitas delas terminaram criando mais embaraços que soluções.

Um exemplo é a criação do "gestor fiduciário", que substituiria o administrador judicial no papel de condutor de todo o processo de falência, que inclui o recolhimento dos ativos da empresa; a apresentação de um plano de venda desses ativos; e o pagamento dos credores. Pela proposta em tramitação, essas etapas do processo passam a ter maior flexibilidade e liberdade negocial.

Plenário da Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira - 5.fev.2024/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress

Na verdade, a grande mudança trazida pelo projeto é a definição de que esse gestor fiduciário não será nomeado pelo juiz, como acontece com o administrador judicial, e sim pelos credores, em assembleia.

Pensando em princípios, faz sentido que os credores tenham o direito de deliberar sobre o futuro da empresa falida e a destinação dos ativos remanescentes. Afinal, o negócio já fracassou; cabem aos credores opinar sobre como minimizar suas perdas.

O diagnóstico pode estar correto, mas é preciso calibrar a dose do remédio. Da forma como foi proposta, a medida foi um "tapa sem luva de pelica" nos administradores judiciais e no Judiciário, que saíram com a pecha de incompetentes. A realidade não é essa. Existem gargalos na lei atual que colaboram para a ineficiência da falência, como exemplos a necessidade de avaliação de todos os bens do falido antes da venda e de solução de todas as contestações de credores antes de se começarem os pagamentos.

Assim, não seria necessário criar uma figura nova; bastaria estabelecer que o administrador judicial seria nomeado pelos credores, em vez do juiz. Outro grande problema do PL é que ele engessa a escolha do "gestor fiduciário" ao prever que essa figura será escolhida por maioria simples de credores presentes em assembleia, computados os votos tanto por valor de créditos quanto por número de credores presentes em cada classe de credores.

Não havendo aprovação pela maioria simples dos credores presentes em cada uma das classes, haverá no mesmo ato um segundo turno para a resolução da eleição entre os dois mais votados na rodada anterior. No entanto, a regra da maioria por créditos e por credores presentes em cada uma das classes permanece até mesmo na segunda rodada. Ou seja, na prática, será dificílimo conseguir um alinhamento mínimo entre credores seguindo esses critérios. Sem acordo, o administrador judicial nomeado pelo juiz permanecerá com suas funções atuais.

O mais adequado seria que a escolha do gestor fiduciário se desse por maioria simples de créditos totais presentes à assembleia. Essa foi, inclusive, a proposta original do projeto. E como assegurar que o gestor fiduciário escolhido por credores com maiores créditos e poder de barganha atue no interesse de todos os outros credores, inclusive aqueles que o sistema considera merecedores de proteção especial? Seguir o sistema hoje em vigor parece ser o melhor caminho: na falência já existe uma ordem de prioridades de pagamento, que é absoluta e não comporta exceções. Ministério Público e juiz devem também exercer seu poder de controle de legalidade.

O PL 3/24, tal qual aprovado pela Câmara dos Deputados, deixou de ser uma excelente oportunidade de pôr em prática algo há muito desejado pelos credores: poder de decisão para trazer maior celeridade e eficiência ao processo de falência. Esperamos que durante os debates no Senado alguns pontos do texto atual sejam revistos, garantindo a contribuição pública ao debate. Da forma como está, o processo que já é lento se tornará ainda mais litigioso, custoso e moroso.

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