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Jurandy Wellington Pacífico, Sarah Fogaça e Selma Dealdina Mbaye

Mortes violentas de mulheres quilombolas: até quando?

Cabe ao Estado proteger defensoras dos direitos humanos que continuam perdendo a vida nos territórios

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Jurandy Wellington Pacífico

Fiilho de Mãe Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia, é professor e coordenador-geral do Instituto Brasileiro dos Defensores dos Direitos Humanos (Ibraddh)

Sarah Fogaça

Advogada, é assessora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq)

Selma Dealdina Mbaye

Quilombola e ativista, é articuladora política da Conaq

No último dia 17 de agosto completou-se um ano da trágica morte de Maria Bernadete Pacífico, 72, conhecida como Mãe Bernadete, defensora dos direitos humanos e uma das principais lideranças do movimento quilombola nacional. Passado esse tempo, uma conclusão é inevitável: mulheres quilombolas continuam sendo assassinadas no Brasil de forma brutal.

Seus corpos são violentados e, na maioria das vezes, seus próprios familiares são testemunhas do crime e da barbárie praticada contra elas. Mãe Bernadete foi executada no sofá da sala com 25 disparos. Destes, 12 foram no rosto, o alvo mais atingido. Enquanto o crime era praticado, alguns de seus netos estavam presos no quarto ao lado, ouvindo os assassinos ceifarem a vida da própria avó. Desde sua morte, cinco outras mulheres quilombolas foram assassinadas no país.

Bernadete Pacífico era líder quilombola na Bahia e coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) - Conaq/Divulgação - Conaq

O homicídio de Mãe Bernadete ganhou grande repercussão. A midiatização de um crime tão brutal contra uma pessoa que inspirava e representava tantas mulheres levou o caso a ser tratado com uma celeridade processual que não é comum nos delitos praticados contra quilombolas. Recentemente, mais dois suspeitos de participarem do assassinato foram encontrados pela polícia e presos.

Os processos judiciais nos assassinatos de quilombolas ainda não ganham a devida relevância no Brasil. Triste exemplo é o caso do assassinato de Flávio Gabriel Pacífico, o Binho, filho de dona Bernadete. Passados mais de seis anos em que a própria família cuidou de conduzir investigações e diligências para elucidar o caso, suspeitos da morte de Binho só foram presos em Salvador no mês passado.

A situação é mais grave quando se trata de mortes violentas de mulheres quilombolas. Essas mulheres são mortas em frente aos familiares, juntamente dos filhos. Vários tiros têm como alvo seus rostos e/ou genitálias e, em alguns casos, os corpos são sexualmente violados e abandonados em lugares remotos. O direito dos familiares a uma investigação célere e eficaz e a um processo judicial conduzido com devida diligência não é respeitado. Em agosto recebemos a notícia do adiamento das audiências do Tribunal do Júri que vai julgar o responsável pelo feminicídio de Elitânia de Souza da Hora, jovem quilombola de 25 anos assassinada a tiros em 2019 pelo ex-companheiro enquanto voltava da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Dona Bernadete e Elitânia eram mulheres quilombolas defensoras de direitos humanos. Com suas mortes, morre também a defesa de um país democrático e justo para as mulheres e com dignidade para a população quilombola. É, portanto, dever do Estado brasileiro resgatar a nossa confiança de mais de 1 milhão de quilombolas e milhares de mulheres negras fazendo justiça, zelando pelo seu legado de defesa de direitos, garantindo os direitos dos seus familiares e protegendo aqueles e aquelas que continuam ameaçadas, perdendo a vida nos territórios.

Em maio, as lideranças mulheres do movimento quilombola foram pela primeira vez até Genebra, na Suíça, participar da revisão de especialistas sobre como o Estado brasileiro tem cumprido a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres.

A jovem Elitânia de Souza da Hora
A jovem Elitânia de Souza da Hora - Reprodução/Facebook

O comitê de especialistas da ONU demonstrou profunda preocupação com as ameaças e ataques contra mulheres indígenas, quilombolas e afrodescendentes no contexto da demarcação e titulação de terras.

Esse comitê recomendou expressamente que o Estado brasileiro proteja todas as mulheres defensoras de direitos humanos e que os casos sejam investigados e julgados adequadamente. Reforçou ainda que o programa de proteção de defensores de direitos humanos precisa garantir que as mulheres defensoras estejam vivas para reivindicarem livremente seus direitos.

Por isso, perguntamos ao Estado brasileiro: quantas Marias Bernadetes ainda precisam morrer até termos nossos direitos garantidos?

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