Romper bolha e preconceitos é desafio para representatividade de mulheres, dizem leitoras

Grupo conversou com a colunista da Folha Mariliz Pereira Jorge também sobre ataques a jornalistas

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Americana (SP)

Os desafios das mulheres para romper preconceitos na sociedade e na cobertura jornalística foram alguns dos temas discutidos por sete leitoras da Folha em um bate-papo com a colunista Mariliz Pereira Jorge, 49. A iniciativa, promovida pela editoria de Interação, faz parte dos esforços de aproximação do jornal com seu leitorado.

O grupo também conversou sobre os ataques sofridos por jornalistas no exercício da profissão, e que atingem principalmente as mulheres, na última segunda-feira (8).

A internacionalista Juliana Trad Veríssimo, 33, de São Paulo (SP), quis abordar a polêmica do último fim de semana em torno do texto do historiador Gustavo Alonso, na Folha, sobre a cantora Marília Mendonça. A coluna foi acusada por leitores e internautas de machismo e gordofobia e abordada por artigo da própria Mariliz intitulado "Mulheres são julgadas pela aparência até quando morrem".

Fotografia colorida com reprodução de teleconferência via aplicativo Zoom; no centro uma imagem maior de uma mulher branca, de cabelos loiros e compridos e olhos azuis, óculos de aros grossos e camisa azul
A colunista da Folha Mariliz Pereira Jorge participa de bate-papo virtual com leitoras - Reprodução

Juliana questionou se não seria apropriado que determinadas pautas fossem preferencialmente realizadas por mulheres. "Talvez nas mãos de uma mulher esses temas sejam tratados de forma diferente –não que não existam mulheres machistas."

Mariliz discordou, lembrando texto do colunista Tony Goes em que ele avaliou a gordofobia como um problema estrutural.

"Não acho mesmo que mulheres tenham que escrever sobre temas relacionados às mulheres ou sobre artistas mulheres", respondeu Mariliz. "Há muitas mulheres inclusive que não têm a visão progressista que nós temos, tanto que a gente vê um Congresso muitas vezes mal representado, com mulheres antifeministas e que usam o feminismo para distorcer as pautas pelas quais a gente luta."

Para a advogada Shirley Lima, 45, de São Paulo, o que incomoda é o fato de o corpo e a aparência ainda serem fonte de comentário, quando são irrelevantes nas questões tratadas.

"A gente tem que aprender a olhar as pessoas fora do estereótipo do corpo. A gente fica nesse 'loop' eterno de estar dentro de um padrão, e isso força principalmente as mulheres a tentarem se encaixar num padrão físico, quando, na verdade, não é o que importa."

Para Mariliz, o texto de Alonso acabou suscitando uma discussão muito positiva. "Essa nova onda do feminismo, que já tem uns dez anos, não é uma onda, ela veio para ficar. A gente vai falar sobre machismo, sobre questões raciais, sobre gordofobia, até que a gente veja um impacto disso na sociedade como um todo", avaliou.

A gente tem que aprender a olhar as pessoas fora do estereótipo do corpo. A gente fica nesse loop eterno de estar dentro de um padrão, quando, na verdade, não é o que importa

Shirley Lima

advogada

Ao lembrar que as profissionais de imprensa de gênero feminino sofrem muito mais ataques que homens na mesma função, a colunista citou ranking da Repórteres sem Fronteiras dos cinco jornalistas mais atacados nos últimos três meses no Brasil.

"Esse é o tipo de lista que a gente nunca quer estar. E eu, infelizmente, era a primeira. Havia mais duas mulheres depois de mim [Maju Coutinho, da TV Globo, e Daniela Lima, da CNN Brasil] e só depois vinham dois homens [Pedro Duran, da CNN Brasil, e Rodrigo Menegat, da DW News]."

Fotografia colorida de tela de teleconferência via aplicativo Zoom; no centro uma imagem maior de uma mulher branca, de cabelos loiros e compridos e olhos azuis, e camisa azul; acima, seis pequenos quadrados com imagens dos demais participantes
A colunista da Folha Mariliz Pereira Jorge participa de bate-papo virtual com leitoras - Reprodução

Levantamento da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e do ITS-Rio indica quantidade 13 vezes maior de ataques contra jornalistas mulheres em relação a homens. Mas, para a colunista, isso reflete também um aumento da participação feminina em várias esferas.

"Não consigo ficar alheia, como mulher", disse Bianca Arruda, 42, bancária, de Brasília (DF), sobre esses ataques. "Sou gerente, então eu sei o que é a luta para você se impor em uma equipe, para ser levada a sério. Se você é homem, é assertivo; se é mulher, é maluca."

Essa nova onda do feminismo veio para ficar. A gente vai falar sobre machismo, sobre questões raciais, sobre gordofobia, até que a gente veja um impacto disso na sociedade como um todo

Mariliz Pereira Jorge

colunista da Folha

Erica Farias, 39, economista de São Paulo que trabalha com estatística, opinou que o jornalismo ainda é muito dominado por homens e ponderou que o trabalho das mulheres deve ser ainda mais amparado por dados, "até por mecanismo de defesa".

"A gente já é questionada quando traz dados, agora imagina se nem dados a gente traz? A gente tem que se munir porque já parte do pressuposto de que vai ter que se explicar", afirmou.

Juliana, que estuda jornalismo, disse se preocupar pela própria segurança e a dos dois filhos no exercício da profissão no cenário atual e perguntou como a colunista lida com o medo.

"Se eu falar que nunca tive medo, vou estar mentindo", respondeu Mariliz. "Já fiquei três dias tomando ansiolítico, sem entrar em redes sociais, com tudo fechado, por conta de uma dessas primeiras vezes, em que eu recebi ameaças horríveis, de morte, de estupro."

Em março deste ano, Mariliz foi alvo de uma onda de ataques nas redes após a publicação de uma coluna na Folha crítica a Bolsonaro. "Tive que sair do Rio, da minha casa, e tomar providências como nem fazer compras no meu CPF, porque algumas pessoas tinham dados meus, do meu marido, dos meus pais, dos meus gatos. Foi uma coisa bem assustadora."

Ela lembrou que os ataques dos últimos anos são mais organizados e não são orgânicos: partem de cima e crescem muito rapidamente. "Tomo alguns cuidados, não fico na rua à noite sozinha, estou sempre falando onde eu estou. Talvez sejam cuidados que vocês, como mulheres, tomem por outras razões."

O Brasil ocupa a 111ª colocação no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2021 da RSF tendo entrado para a zona vermelha do índice pela primeira vez. Em 2 de julho de 2021, a RSF incluiu Jair Bolsonaro em sua lista global de predadores da liberdade de imprensa.

"Eu era jovem na época da ditadura anterior. Fui recentemente assistir ao filme do Marighella, que eu recomendo muito fortemente até para a gente se dar conta da gravidade que é a imprensa calada", afirmou a professora aposentada Luiza Faustinoni, 68. "Muito do que a minha geração viveu e que agora está se repetindo é fruto do que esse governo atual tenta fazer também, de domínio dos meios de comunicação."

"Temos que continuar batendo nessas teclas e não deixar que esses preconceitos, esses ataques, essa violência se normalizem", acrescentou.

"Eu era jovem na época da ditadura anterior. Muito do que a minha geração viveu e que agora está se repetindo é fruto do que esse governo atual tenta fazer também, de domínio dos meios de comunicação. Temos que continuar batendo nessas teclas e não deixar que esses esses ataques, essa violência se normalizem"

Luiza Faustinoni

professora aposentada

A estudante de jornalismo Ana Carolina Cury, 18, do Rio de Janeiro, manifestou angústia por sua geração, que na opinião dela não sabe o que quer, mas exige de maneira agressiva que os demais se posicionem, recorrendo muitas vezes ao "cancelamento".

"É desmotivador, porque o jornalismo tem como função justamente incomodar, 'catucar' as pessoas, buscar impacto", disse. "A maioria das pessoas com quem estudo consome o que conforta, o que é parecido com seu pensamento. No momento que é um pouco diferente, já começa a bater."

Até quanto o jornalista deve entregar aquilo que o público quer, questionou?

Para Mariliz, a geração mais nova é muito aberta à diversidade e a levantar bandeiras, mas é também intolerante, porque exige mudanças radicais, agora e sem deslizes.

"As coisas têm vários vieses, né? Como colunista, devo estar aberta para trazer o ponto de vista que não seja exatamente o que todo mundo está pensando, o que todo mundo quer ler", afirmou.

"Acho uma armadilha muito perigosa a gente começar a se informar só com informação que confirma suas convicções, sua visão de mundo."

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