Descrição de chapéu Gal Costa

'Agradeço por ter nascido no país de Gal', diz leitora; veja depoimentos

Cantora morta nesta quarta (9) interpretou trilhas que embalam a vida de inúmeros brasileiros

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Belo Horizonte

Morreu na manhã desta quarta-feira (9) uma das maiores vozes da música brasileira.

Apelidada carinhosamente de Gaúcha pelos amigos do Doces Bárbaros, grupo formado junto a Maria Bethânia, Gilberto Gil e Caetano Veloso, a soteropolitana Gal Costa deixou músicas que embalaram gerações, apresentações que sempre marcaram pela irreverência e pela ousadia, e uma legião de fãs órfãos e órfãs da sua presença.

"Gal, a voz de cristal, sempre inesquecível e presente em nossa música, nossas vidas, nosso Brasil", escreveu o advogado João Vitor Jabur Fogaça, 27. Ele, que é de São Paulo, conta que viu Gal em praticamente todas as turnês que realizou por lá.

"Um acontecimento muito bonito foi durante o show Recanto, em que estava na primeira fileira", diz. "Houve um momento –já mais para o final do show, com a plateia em pé– em que nossos olhares se conectaram e ela estendeu a mão para mim, com aquele lindo sorriso que só a Gal poderia dar. O momento foi tão especial que algumas pessoas registraram e ela postou a foto no Instagram oficial dela".

reprodução de tela do Instagram, onde se vê uma foto em preto e branco de Gal Costa dando um toque com as mãos de uma pessoa que não está em quadro. a legenda abaixo explica: foto de @baalmeida Sesc Pinheiros
A cantora chegou a compartilhar o registro de um encontro especial com um fã em seu perfil no Instagram - Reprodução/Instagram

O disco "Recanto" (2011) foi, inclusive, o que fez com que o consultor Giovanni Soares Ronzino, 30, se apaixonasse pela cantora.

"Me apaixonei pela voz", ele escreve à Folha. "Me excitava com aquele lance de ‘roçar a voz no cabelo’, aqueles sons estranhos, ásperos, direto e reto. Com a tensão entre ela, Caetano e João Gilberto, trisal mais cool da MPB. Assisti a todas as turnês desde então, até seu melhor show (na minha opinião), que foi o último, no Coala [Festival]. Chorei quando tocou 'Hotel das Estrelas', assim como choro agora".

Gal Costa está em cima do palco, usando um vestido preto. o palco é iluminado por uma cor azul
Gal Costa em foto de leitor - Giovanni Soares Ronzino

O empresário Matheus Delduca, 26, também compartilhou um breve registro da cantora durante um show do Breve Festival, em Belo Horizonte. "Que mulher, que energia, que sensação incrível."

Intérprete de clássicos como "Baby" (1969), o primeiro grande sucesso da cantora, "Divino Maravilhoso" (1969) e "Vaca Profana" (1984), composta por Caetano Veloso especialmente para ela, Gal embalou a trilha de vida de diversas pessoas.

"As músicas que mais me marcaram na voz da Gal foram ‘Força Estranha’, de Caetano Veloso e ‘Um Gosto de Sol’, de Lô Borges e Milton Nascimento", compartilha o professor de Belo Horizonte. Já a advogada Flávia Saad Guirra, 50, destaca ‘Azul’, "especial pra mim", e ‘O Amor’, "a que me faz chorar".

Saad Guirra conta que a vontade de ver Gal ao vivo partiu de um pedido da filha no começo do ano, que queria assistir ao quarteto de ouro da MPB pessoalmente. "Uns meses depois, Gal se apresentou em Goiânia, e nós viajamos para ver esse show. Em agosto, vimos o Caetano. E eu prometi que a levaria para ver todos, então ainda vamos ver Bethânia e Gil".

duas mulheres posam juntas em frente a um painel com o rosto de gal costa. uma delas é mais velha, com os cabelos grisalhos, e usa um xale branco sobre o corpo. a outra, mais jovem, tem cabelos pretos com algumas mechas rosas. ambas usam máscaras faciais
Flávia Saad Guirra e sua filha em show de Gal Costa - Leitora

"Baby" é a música do professor Tiago Camillo, 40, de Vitória. "Não foi a primeira música que ouvi, mas a primeira que me tocou profundamente, quando eu tinha 18 anos. Essa música me fazia ficar pensando no meu futuro, em alguém que eu iria amar, nos meus futuros filhos", ele escreve.

Essa música [Baby] me fazia ficar pensando no meu futuro, em alguém que eu iria amar, nos meus futuros filhos

Tiago Camillo, 40

De Vitória (ES)

"Até hoje quando escuto lembro da minha companheira e de tudo do nosso cotidiano. E meu comentário sempre é o seguinte: essa mulher é linda. Eu sempre fui apaixonado pela voz e pela beleza dela, que é única. Não existe nada semelhante à beleza de Gal Costa."

O tempo também volta para o administrador Robson dos Santos Caetano, 59. Carioca, ele se lembra de uma vez que foi no Dancing Days, no Morro da Urca, "em algum dia de 1979".

"Quando começou a amanhecer, o sol já despontando, o céu azul forte, o DJ tocou nesse exato momento ‘É de manhã, vem sol/Mas os pingos da chuva/Que ontem caiu/Ainda estão a brilhar/Ainda estão a dançar/Ao vento alegre/Que me traz esta canção’. ‘Estrada do Sol’, na voz da Gal ‘Tropical’. Gal me marcou. Para sempre. Nunca vou me esquecer desse amanhecer."

no horizonte, o show desponta por trás dos morros que formam a baía do Rio de Janeiro, onde diversos barcos estão atracados no mar
Amanhecer no Morro da Urca, em foto enviada por leitor - Robson dos Cantos Caetano

A estudante Victoria Nogueira Rosa, 22, destaca "A Coisa Mais Linda Que Existe" e "Flor do Cerrado" entre as músicas da cantora que marcaram sua vida. Entretanto, conta que nunca a viu pessoalmente.

"A nossa relação se deu de outras formas, e eu diria que extremamente aos moldes do século 21: virtualmente", ela explica. "Escrevo este relato aos 22 anos. Eu e Gal, portanto, somos separadas por outros 55. Independentemente, olho para o céu neste dia, 9 de novembro, e agradeço por ter nascido no mesmo país que Gal Costa. No fim das contas, o tempo separou e juntou as nossas histórias".

Escrevo este relato aos 22 anos. Eu e Gal, portanto, somos separadas por outros 55. Independentemente, olho para o céu neste dia, 9 de novembro, e agradeço por ter nascido no mesmo país que Gal Costa. No fim das contas, o tempo separou e juntou as nossas histórias

Victoria Nogueira Rosa, 22

Estudante

O jornalista Osair José Vasconcelos de Medeiros, 68, compartilha os bastidores de uma entrevista que fez com a cantora em 1977. Em tom de crônica, o texto tem até título: "Gal, que vergonha...!". Leia abaixo.

Em 1977, Gal Costa veio fazer um show em Natal, no Palácio dos Esportes.

Eu era repórter do Diário de Natal e Aírton Bulhões da Tribuna do Norte. Gal ficou hospedada no Hotel Samburá e deu uma coletiva na saleta da suíte. Os repórteres de rádio gravaram algumas perguntas e se foram. Ficamos eu e Bulhões.

À época eu estava brigado com os tropicalistas, apesar do meu amor particular por Gil e uma admiração imensa por Caetano e Gal. Os três tinham entrado numa de "odara, deixa eu dançar" etc... Eram tempos difíceis, e eu fiquei com "o pessoal do Ceará" na luta contra ditadura: Belchior, Ednardo e Fagner (pois é... Fagner!).

Bom, na entrevista, cutuquei Gal sobre o assunto e ela mostrou irritação: artista não tem quer ser engajado, e por aí... Senti-me valente lugar-tenente e mandei brasa: — Então, por que em "Meu nome é Gal" você cita Lênin? Como era do meu amplo conhecimento, nessa música, Gal canta: Admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo, Macalé, Paulinho da Viola, Lênin...

Foi aí que ela arregalou os olhos negros com um toque de raiva, pingos de humor e braçadas de desforra e me corrigiu com uma força tropicalista que, até então, eu nunca tinha visto de perto: — Lanny, meu filho! Lanny!

Puxei o rabo, botei entre as pernas e olhei para Bulhões, que me confirmou, contendo o sorriso: — Lanny, cara... É Lanny!

Da minha parte, dei a entrevista por encerrada e como Bulhões nada mais tinha a perguntar, levantamos e deixamos a musa. Descemos as escadas, eu quase correndo, e ao pisar o último degrau, Bulhões inundou o hall com a gargalhada incontida que trazia desde o carão de Gal. Riu por uns 25 minutos, enquanto eu ainda hoje carrego a vergonha da minha ignorância.

Naquela noite, não fui ao Palácio dos Esportes. Fui ver Gal nos anos 80, no Alberto Maranhão, naquele show em que ela abre a blusa, e alguns anos depois, no Rio.

Que vergonha, Gal, eu tenho de mim.

RIP, Gal, com a glória que você merece. Seu dueto com Robertinho do Recife, os dois gritando "meu nome é Gal", é um dos momentos máximos da música popular universal.

PS: Se tiver interesse em saber quem era Lanny, e a importância que ele teve para Gal, procure por Lanny Gordin na Wikipedia.

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