Livrarias são refúgio para enfrentar ansiedade, conta leitor da Folha

Locais costumam despertar sensação de conforto, descanso e lazer, contam leitores da Folha

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São Paulo

Após a Livraria Cultura ter a falência decretada na última quinta-feira (9), leitores da Folha refletiram sobre como as grandes ou pequenas lojas de livros impactaram suas vidas. A assistente social Ana Ferreira, 34, do Rio de Janeiro (RJ), diz que sua admiração pelos locais vem desde criança, quando os recursos financeiros eram limitados.

Ela lembra que as primeiras visitas a livrarias foram marcantes. "Tinha a sensação de que estava absorvendo o conhecimento na minha pele."

Ela economizava cada centavo para obter um livro e, quando concretizava a compra, demorava para abrir a embalagem, "porque não queria que perdesse aquele cheiro de livraria e aquela sensação que me trazia".

O cheiro também é algo citado pela estudante Thais Amorim, 21, de Diamantina (MG). "Cheiro de lar, conforto e paz."

Loja na avenida Paulista da Livraria Cultura tem prateleiras esvaziadas após empresa ter falência decretada pela Justiça - Zanone Fraissat/Folhapress

Para a estudante de 18 anos Letícia Barbosa, o fechamento de grandes redes não emociona tanto porque seu envolvimento é com os negócios locais e familiares, bem como sebos e feiras de livros. "Soa como casa", diz. Além disso, a alta tributação dos livros fez com que ela reduzisse a compra de exemplares físicos.

"A venda digital costuma ser mais vantajosa financeiramente, mas me entristece saber que aquela experiência de contato físico esteja se perdendo."

Qualquer lugar que tenha livros em excesso é um santuário para os amantes de literatura, define Maria Júlia Berriel Soares Ruiz, 50, de Foz do Iguaçu (PR). Ela conta que o ambiente da Livraria Cultura era bastante acolhedor. A leitora visitava a loja para admirar o dragão de madeira que pendia do teto e sentava no chão quando não conseguia garantir uma das poucas e disputadas poltronas.

"Minhas melhores memórias nem foram sobre o que eu comprei, mas sobre a própria experiência de estar em uma livraria, já que sempre saía muito melhor do que entrava."

A experiência para além dos livros é ressaltada também pelo engenheiro Wilson Bolognesi, 63, de São Caetano do Sul (SP), que tirava os finais de semana para ver as filhas brincando, descansar nos pufes enquanto apreciava uma obra e depois tomar um café e comer um pedaço de torta na cafeteria do local.

Alguns assinantes também destacam a importância dos funcionários das lojas, que fazem boas indicações. "As livrarias foram para mim um local de pesquisa ou de descobrimento", afirma Adriano Pereira de Almeida, 44. No caso dele, nem sempre as recomendações o agradaram, mas "a possibilidade de descobrir obras literárias sem uma resenha de um jornal ou indicação de um amigo me instigou a visitá-las mais".

"O Apanhador no Campo de Centeio", de J. D. Salinger, foi lido em uma tacada só por Ricardo de Oliveira Ventura, 67, em uma visita a Entrelivros, no Rio de Janeiro, quando ainda era estudante, na década de 1970. "Ainda hoje eu releio esta obra. Tais descobertas só acontecem quando a gente manuseia, pega, cheira o livro."

Foi numa livraria Saraiva que Dora Alice Lins de Souza, 44, de Praia Grande (SP), se sentiu adulta pela primeira vez. Lá, ela comprou seu primeiro Código Penal e, mesmo que tenha se desiludido com o direito e virado confeiteira, a lembrança continua positiva. "Pensar naquela livraria, naquele dia, fez retornar algo muito bom."

"Quando a pandemia amansou, o dia em que pude ir à livraria me encheu de uma felicidade indescritível!", diz a escritora Lilian Fontes Moreira, 64, do Rio de Janeiro.

Quando a pandemia amansou, o dia em que pude ir à livraria me encheu de uma felicidade indescritível!

Lilian Fontes Moreira, 64

Rio de Janeiro (RJ)

Os espaços têm até efeito terapêutico. Francisco Jose Cysne Aderaldo, 62, conta que sempre que passa por momentos de preocupação ou tensão, se refugia em uma livraria por pelo menos uma hora. "Folheando os livros, andando entre eles, esqueço do mundo, me acalmo e só depois retorno para as lutas."

O professor Jaime Souza, 30, de Recife (PE), vivenciou uma situação inusitada com esses estabelecimentos. Em 2015, estava a caminho de uma loja para comprar um box de obras da Martha Medeiros quando foi assaltado. Mesmo assim, foi ao local e os vendedores comunicaram que estavam sem estoque.

No dia seguinte, enquanto trocava emails com a gerente de uma outra rede, ele comentou a situação e, para sua surpresa, ela se ofereceu a pagar pelo produto. "Tive confirmada ali uma conexão ancorada ainda na infância: livrarias eram mesmo os meus templos e a minha religião."

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