Nomes históricos do PT dizem que Lula reduziu o partido
Fundadores ou apoiadores do PT no início dos anos 80 ouvidos ontem pela Folha avaliam que o episódio de anteontem no Senado --quando a bancada partidária, por orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ajudou a arquivar denúncias contra José Sarney (PMDB-AP) no Conselho de Ética-- reforçam a noção de que o presidente "reduziu" o PT.
Alguns do entrevistados, após desacordos com a direção do PT ou com Lula, deixaram a sigla entre os anos 80 e 90. O filósofo da USP Wolfgang Leo Maar, que segue apoiando Lula, foi a voz dissonante, ao dizer que o PT "incomoda".
AIRTON SOARES, advogado e ex-deputado federal, deixou a liderança e a sigla em 1984 por querer votar no Colégio Eleitoral em favor de Tancredo Neves (do qual Sarney era vice), contra a candidatura de Paulo Maluf: "O partido não precisava ter chegado a esse ponto em nome da governabilidade. Mas o equívoco não está aí. Está em existir um governo de coalizão sem um programa. O que existe é um emaranhado de partidos que, à custa não se sabe do quê, decide apoiar projetos do governo. (...) Hoje o partido se confunde com o exercício da Presidência pelo Lula. A popularidade e o prestígio de Lula fazem com que ele seja maior que o partido e, sendo maior que o partido, as confusões se estabelecem".
FRANCISCO DE OLIVEIRA, sociólogo e fundador do PT: "A relação da crise atual com as anteriores é a mesma: o Lula tornou-se maior que o partido e o partido vive a reboque do presidente. Impõe o estilo autoritário que é próprio do Lula e foi escondido devido ao fato de que era um prestigioso líder sindical em oposição à ditadura. Lula é muito autoritário, arrasou o PT, fez do partido trampolim para suas alianças políticas espúrias. [A tese da governabilidade] é um velho argumento conservador. Todos no Brasil que preferem manter o status quo usam o argumento da governabilidade".
CESAR BENJAMIN, editor da editora "Contraponto" e ex-candidato a vice-presidente em 2006 pelo PSOL, do qual já se desfiliou, saiu do PT em 1995: "O fato mais significativo da política brasileira no último período foi a absorção do PT pelo establishment político. (...) O que nós percebemos nesses últimos anos é que o PT e o Lula não lutavam para mudar o Brasil, lutavam para entrar no condomínio de poder. (...) Os militares fecharam o Congresso fisicamente. Lula fechou o Congresso de outra maneira, de um lado, inundando o Congresso com medidas provisórias que trancam a pauta e, de outro lado, generalizando o fisiologismo de uma forma que o Congresso deixou de existir como tal. (...) Minha maior crítica ao presidente Lula não é nem à política econômica, mas é seu papel profundamente deseducativo e desmobilizador. É equívoco dizer que Lula é obrigado a fazer concessões. Quando ele entrega o sistema elétrico a Sarney --hoje uma capitania de Sarney--, ele não se sente fazendo concessão, ele se sente fazendo política".
PAULO DE TARSO VENCESLAU, economista e fundador do PT, deixou-o em 1998 após fazer denúncias sobre irregularidades na contratação da empresa CPEM, que envolveu o compadre de Lula, Roberto Teixeira: "O grande conflito no PT vai se dar no momento em que Lula perder a caneta. (...) Quem serão os sucessores de Lula? Se é que isso existe, pois o Lula não admite nenhuma sombra. [Em 2011] o mundo petista vai acordar e o Lula não terá o poder que tem hoje. E se entrar alguém no PT querendo fazer algum acerto histórico nos seus valores, nos princípios, pelos quais foi criado, aí o Lula perderá o espaço dele. Já tem um monte de militantes do MST chamando Lula de "traidor'".
MARIA RITA KEHL, psicanalista e simpatizante do partido: "Eu brincava, em 2006, que o Lula devia ser candidato à reeleição, mas pelo PMDB. Eu votaria nele, mas o campo ficaria mais claro. Hoje o PT está destruído, não tem nem candidato próprio em São Paulo, cidade em que surgiu, e o Lula é um presidente pelo PMDB".
WOLFGANG LEO MAAR, filósofo, professor da USP ligado ao PT: "Para além da discussão da governabilidade ou das candidaturas, o que está ficando claro é que o alvo é o PT como tal. Porque há uma crise que é da política brasileira institucionalizada e o PT representa ainda até hoje --e é por isso que ele incomoda-- um projeto de participação popular que não foi alcançado por nenhum outro partido. Por isso, sempre que a oportunidade surge, o PT é discutido tendo em vista seu potencial "enfraquecimento". Que exista uma crise na realização efetiva do projeto do PT, na relação entre representantes e representados, nas formas da participação popular, não é necessariamente ruim; muito ao contrário, pode ser demonstração de vivacidade criativa".
A Folha também procurou a filósofa Olgária Matos, o crítico literário Roberto Schwarz, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e as ex-deputadas Bete Mendes e Irma Passoni, que preferiram não se manifestar.
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