Gestão Paulo Skaf ignorou suspeitas em obras do Sesi e Senai

Sob chefia do candidato do MDB ao governo de SP, órgãos não levaram em conta alertas de problemas em construções

José Marques
São Paulo

Mesmo com alertas internos de suas áreas técnicas, o Sesi e o Senai de São Paulo aprovaram pagamentos para obras sob suspeita quando as entidades eram comandadas pelo atual candidato a governador Paulo Skaf (MDB), apontam documentos obtidos pela Folha.

O trabalho dos órgãos, ligados à indústria e bancados com recursos públicos, é usado por Skaf há anos para promover sua imagem.

Laudos e apurações que apontavam indícios de superfaturamento e falta de comprovação de serviços em obras foram ignorados e, em alguns casos, substituídos por documentos que não mencionavam esses problemas. 

As entidades contrataram também construtoras que apresentaram documentação falsa ou com erros. Um desses casos aconteceu na cidade de Registro, onde uma planilha com cálculo errado encareceu uma obra do Sesi em mais de R$ 1 milhão —o órgão diz que o valor foi abatido depois de pago. Já a empreiteira Contécnica diz que houve um erro em cálculo de estrutura metálica e que o valor foi ressarcido.

Em outra obra na mesma cidade, um registro de água, cujo valor é de R$ 30, custou R$ 18 mil para o Senai.

A Contécnica, que também ganhou essa licitação, diz que estornou o valor, mas não apresentou documentação.
 
A Folha levantou as informações em papéis, arquivos digitalizados e emails entregues por ex-funcionários das entidades —a maioria pede para não ser identificada. Os problemas ocorreram em ao menos seis municípios.

Órgãos do chamado "Sistema S", o Sesi (Serviço Social da Indústria) e o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) são considerados pelo TCU (Tribunal de Contas da União) entidades "paraestatais". 

São bancados por contribuições compulsórias da indústria sobre a folha de pagamento. Nacionalmente, as entidades do Sistema S arrecadaram R$ 17 bilhões no ano passado.

As obras em questão são de centros de ensino e cultura durante a gestão Skaf, iniciada em 2004. Atualmente, ele está licenciado para disputar o Palácio dos Bandeirantes.

As escolas do Sesi e do Senai são uma vitrine de Skaf: as inaugurações costumam virar anúncios nos quais ele aparece como garoto-propaganda. 

Engenheiros que conversaram com a Folha disseram que havia pressão interna para que obras fossem aprovadas apesar dos problemas. 

 

Em Ribeirão Preto, o engenheiro eletricista Alceu Ritzmann elaborou parecer negativo para obra do Teatro do Sesi local, dizendo que havia problemas elétricos que comprometiam "gravemente a integridade física e material de todos os envolvidos no empreendimento". "Eu me recusei a assinar o termo de recebimento da obra", disse Ritzmann à Folha. Outros engenheiros assinaram —eles não foram localizados pela reportagem.

O teatro, que passou por problemas estruturais, foi fechado em 2012 e assim permanece até hoje.

Três outros engenheiros, que faziam fiscalização em obras, afirmaram à Folha que havia pedidos para que fossem aliviadas punições. Dizem que mudanças em documentos já finalizados eram comuns.

Em São Bernardo, relatório preliminar de auditoria interna de setembro de 2017 apontou indícios de superfaturamento em pedido de aditivo na reforma de uma escola do Sesi. 

O documento dizia que estavam sendo solicitadas medições de itens que não foram contratados, como o ar-condicionado de um bloco da escola, e que podia haver superfaturamento em obras de contenção e fundações que o Sesi havia aceitado pagar por R$ 669 mil.

Em vez deste documento, engenheiros apontam que foi levado em conta outro parecer que diz não haver obstrução ao aditivo —mas que alerta que o TCU poderia fazer questionamentos a respeito.

Em Barretos, a empresa Exetécnica, que ficou em segundo lugar em uma licitação, assumiu uma obra que foi abandonada por outra empreiteira e apresentou um laudo de R$ 2,7 milhões para finalizá-la.

Engenheiros do Sesi à época disseram que era necessário apenas R$ 1,5 milhão para que a obra fosse refeita. Mas, segundo um ex-funcionário, a Diretoria de Obras pediu que o valor fosse modificado para R$ 2,2 milhões.
 
Novo parecer foi elaborado para aproximar a construção do valor mais alto, com itens que, segundo um engenheiro, não seriam feitos: por exemplo, tratamento do piso e cobertura metálica dos blocos.

 

​OUTRO LADO

Procurado, Paulo Skaf disse que não quer se manifestar porque está licenciado das entidades.

O Sesi e o Senai de São Paulo afirmam que todas as suas obras seguem regulamentações internas que “conferem conformidade, transparência e segurança jurídica”.

Eles dizem que os pareceres em que os engenheiros apontam indícios de irregularidades ou valores menores não foram ignorados e foram levados em conta para a realização de ajustes e pagamentos de forma correta.

Sobre o cálculo que resultou em uma planilha R$ 1 milhão mais cara em Registro, o Sesi afirma que “houve um erro de somatória na planilha entregue pela contratada na fase de licitação”, mas o valor foi abatido no fim da obra.

Em relação ao registro de água de R$ 18 mil, o Senai diz que contratou a obra por valor global pelo menor preço e que “diversos itens desta obra têm preços inferiores aos estimados pelo Senai”.

Na obra do teatro de Ribeirão Preto, fechada após 18 meses de inauguração, Sesi e a empresa Citycon afirmam que os problemas elétricos citados em relatório técnico foram sanados antes da entrega.

O Sesi diz que o teatro foi fechado preventivamente e em 2013 uma consultoria especializada apontou falhas nas estruturas metálicas de concreto do prédio. “O Sesi-SP notificou a construtora do teatro, que providenciou os reparos necessários”, diz a entidade.

A Citycon diz que não tem qualquer responsabilidade pelo fechamento e que recebeu notificação do Sesi “muito tempo após a entrega”, em 2014, sobre “supostos problemas na execução das estruturas metálicas e de concreto armado” e que fez apenas “pequenas manutenções absolutamente normais em uma edificação com mais de três anos da sua entrega”.

“Salientamos que no período decorrido desde a entrega da obra, até a data do recebimento da referida notificação, o Sesi nunca apresentou qualquer reclamação ou solicitação de serviços de reparos à Citycon Engenharia.”

A respeito da auditoria no pedido de aditivo em São Bernardo do Campo, o Sesi diz que foram feitos os ajustes apontados no relatório preliminar e que, seguindo orientação da auditoria, os itens foram reconsiderados e foi emitido o relatório definitivo aprovando os pagamentos.

A reportagem solicitou à entidade o documento que apontava esses ajustes, mas foi fornecido um relatório de engenharia com data dois meses anterior à auditoria preliminar.

A responsável pela obra, Scopus Engenharia, disse que executa as obras conforme o edital e “assegura a fidelidade aos seus compromissos com a observância da lei na execução de seus serviços, obras e contratos administrativos, e jamais fará uso de meios que possam trazer prejuízos à Administração Pública.”

Em relação à escola de Barretos, em que houve duas planilhas apontando valores diferentes para a mesma obra, o Sesi afirma que a engenharia encontrou a necessidade de novos serviços, que resultaram no preço de R$ 2,2 milhões —R$ 700 mil a mais do que o primeiro documento.

Depois, diz o Sesi, foi constatado que um desses serviços, de drenagem na divisa com o terreno vizinho, não seria necessário e cerca de R$ 200 mil foram suprimidos do contrato, deixando o custo da obra em R$ 1,9 milhão.

A empresa que fez a obra, Exetécnica Engenharia, disse em nota que "todas as tratativas referentes a problemas técnico/comerciais foram efetuadas rigorosamente dentro da legislação vigente" e que houve envolvimento da fiscalização e gerência de engenharia, dentro das premissas de licitação do Sesi e Senai.

 

Fiscais questionam pagamentos do Sesi e Senai de SP

Construções foram feitas durante a gestão Paulo Skaf à frente das entidades

SÃO BERNARDO DO CAMPO
Obra: Centro de atividades do Sesi
Custo inicial: R$ 52 milhões
Problemas apontados: Auditoria aponta suspeita, em pedido de aditivo, de superfaturamento e pagamento de itens que não constam no projeto
Resultado: Segundo fiscal, parecer foi retirado e substituído por outro que permite a obra, mas informa que o TCU pode fazer questionamentos a respeito dela
O que o Sesi diz: Que a auditoria foi considerada, que foram feitos ajustes e que o parecer preliminar não foi retirado
O que a empreiteira diz: A Scopus afirma que desconhece a íntegra da auditoria e que executa a obra segundo premissas do edital que concorreu

RIBEIRÃO PRETO
Obra: Teatro Sesi
Custo inicial: R$ 6 milhões
Problemas apontados: Laudo de 2011, de 218 páginas, aponta problemas considerados graves nas instalações elétricas e em desconformidade com o projeto executivo
Resultado: Obra foi aceita e o teatro inaugurado em 2011. Em 2012, teve que ser fechado e reformado, ainda sem conclusão
O que o Sesi diz: Que a obra foi fechada por causa de falhas em estruturas metálicas, e não por causa da energia
O que a empreiteira diz: Segundo a Citycon, os reparos elétricos foram feitos antes da entrega e depois a empresa fez apenas pequenos reparos no prédio, que não foram a causa do fechamento

REGISTRO
Obra: Escola Senai
Custo inicial: R$ 24 milhões
Problemas apontados: Registro de gaveta de bronze, que custa cerca de R$ 30, custou R$ 18 mil
Resultado: Os valores foram pagos, sem questionamentos
O que o Senai diz: Que contratou a empresa pelo menor preço e que vários itens da planilha tinham preços inferiores aos estimados
O que a empresa diz: Que estornou o valor --mas não apresentou documentação

REGISTRO
Obra: Centro Educacional do Sesi
Custo inicial: R$ 27 milhões
Problemas apontados: Apesar de apontar o custo da obra em R$ 27 milhões, total do serviço da empresa era de R$ 26 milhões
Resultado: O valor da cobertura metálica foi aumentado e o serviço ficou mais próximo do preço de R$ 27 milhões
O que o Sesi diz: Que o dinheiro excedente foi devolvido
O que a empreiteira diz: Que estornou o valor

SÃO CAETANO DO SUL
Obra: Reforma do Centro de Atividades do Sesi
Custo inicial: R$ 77 mil
Problemas apontados: Suspeita de sobrepreço de até 800% em alguns serviços
Resultado: Laudo que pedia explicação para o preço foi desconsiderado
O que o Sesi diz: O processo foi feito conforme a legislação vigente
O que a empreiteira diz: A Alesil não foi localizada
 

SÃO CAETANO DO SUL
Obra: Adequação para instalação da Escola Senai de Informática
Custo inicial: R$ 5,6 milhões
Problemas apontados: Diretoria de obras descobriu que construtora havia fraudado apólice de seguro
Resultado: Empresa não foi localizada
O que o Senai diz: Que multou e abriu inquérito policial contra a contratada
O que a empreiteira diz: A MM Locações e Construções não foi localizada

MOGI DAS CRUZES
Obra: Reforma da esplanada das piscinas do Sesi
Custo inicial: R$ 4 milhões
Problemas apontados: Relatórios dizem que "não é possível afirmar que o valor liberado está de acordo com os serviços observados pelo engenheiro coordenador"
Resultado: Os valores foram pagos
O que o Sesi diz: Que em outros relatórios o "o engenheiro fiscal conferiu e atestou que as imperfeições observadas foram corrigidas pela contratada"
O que a empreiteira diz: A MM Locações e Construções não foi localizada

BARRETOS
Obra: Conclusão da escola do Sesi
Custo inicial: R$ 2,2 milhões
Problemas apontados: Fiscalização apontou que custo da obra era de R$ 1,5 milhão
Resultado: Obra foi tocada pelo valor de R$ 2,2 milhões
O que o Sesi diz: Que fez uma verificação aprofundada e apontou a necessidade de novos serviços
O que a empreiteira diz: A Exetécnica diz que tudo foi efetuado "rigorosamente dentro da legislação vigente"

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado em versão anterior deste texto, o Sistema S arrecadou cerca de R$ 17 bilhões nacionalmente em 2017, e não apenas em São Paulo.

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