Relatório aponta que gigantes globais do petróleo usaram serviços de denunciados pela Lava Jato

Documento é assinado pela ONG britânica Global Witness em parceria com a organização suíça Public Eye

Chicago e São Paulo

Três empresas transnacionais ligadas ao comércio de petróleo usaram os serviços de empresários citados ou denunciados na operação Lava Jato. A ligação das gigantes globais com intermediários que caíram na malha da mega-investigação anticorrupção brasileira foi apontada por relatório divulgado nesta quinta (8) pela ONG britânica Global Witness em parceria com a organização suíça Public Eye. 

Parte desses empresários formava o grupo conhecido como Brasil Trade, denunciado pela força-tarefa da Lava Jato em 15 de agosto deste ano sob acusação de crimes contra a administração pública, em detrimento da Petrobras, por meio de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro, entre outros.

O sueco Bo Ljungberg está entre esses denunciados e foi contratado em 2011 e 2012 pela empresa Vitol, com escritórios em mais de 40 países, "para apoiar a identificação de oportunidades de negócios de petróleo no Brasil e para auxiliar nos aspectos operacionais das transações".

De acordo com a Vitol, Ljungberg foi pago por meio de sua empresa, a Encom Trading SA. Em nota, a Vitol afirma acreditar que a relação com o sueco e sua empresa tenha se dado em total respeito com a legislação vigente.

Ljungberg nega envolvimento com o grupo Brasil Trade, do qual fariam também parte os operadores Jorge Luz e Bruno Luz, condenados por envolvimento em esquema de corrupção na Petrobras em outubro de 2017 pelo juiz da Lava Jato, Sergio Moro, futuro ministro da Justiça do governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

De acordo com o relatório, a Vitol também fez negócios com o doleiro Nelson Ribeiro através de sua subsidiária britânica, a Cockett Marine.

Ribeiro está sendo investigado por supostamente canalizar US $ 5,7 milhões em suborno da Odebrecht para o ex-executivo da Petrobras, Paulo Roberto Costa, delator chave da Lava-Jato ao lado do doleiro Alberto Yousseff

Em nota, a Vitol afirma que "tem uma política de tolerância zero em relação a suborno e corrupção" e que "o relatório não contém evidências de qualquer irregularidade" por parte da empresa.

Foi a partir de um pen-drive apreendido pela polícia em 2015 que surgiram indícios do envolvimento das empresas com os intermediários hoje investigados, denunciados ou condenados pela Lava Jato. 

Nele havia trocas de informações entre membros da Brasil Trade nas quais estão registradas atas sobre visitas e contratos do grupo com a Vitol e a Glencore.

Autointitulada a maior empresa de comércio de recursos naturais do mundo, a Glencore manteve ligação com a Brasil Trade por meio de um de seus supostos membros, Luiz Eduardo Andrade, também de acordo com o relatório.

Andrade foi acusado de receber dinheiro de Jorge Luz e depois repassar para um alto funcionário da Petrobras. Segundo o documento da Global Witness e da Public Eye, Andrade não apresentou defesa até a publicação do relatório.

A subsidiária britânica da Glencore, Ocean Connect Marine, também levantou suspeitas ao realizar, segundo o relatório, pagamentos milionários para a Seaview Shipping, que pertence ao grego Konstantinos Kotronakis.

O empresário foi cônsul honorário da Grécia no Brasil e, em agosto do ano passado, chegou a ser proibido de deixar o país pelo então juiz para que prestasse esclarecimentos pela suposta intermediação de contratos fraudulentos entre empresas gregas, algumas das quais era sócio, com a Petrobras. 

No final de outubro a Glencore foi intimada pelo departamento de Justiça americano sobre o uso de intermediários em negociações realizadas no Congo, Venezuela e Nigéria. 

O caso levanta suspeitas de que ou a empresa tem realizado negócios suspeitos em várias partes do mundo ou tem involuntariamente se associado a intermediários com atividades sob investigação.

Procurada, a empresa não respondeu aos questionamentos até a publicação deste texto. À Global Witness, alegou não haver evidências de que a empresa ou suas subsidiárias estejam envolvidas na prática de corrupção ativa ou passiva. 

A terceira empresa citada no relatório é a holandesa Trafigura.

Segundo o relatório, Jorge Luz também discutiu com Paulo Roberto Costa um contrato entre a Petrobas e a Trafigura no valor de US$ 2 bilhões. 

A Global Witness solicitou, via lei de Acesso à Informação, acesso à proposta de contrato entre a Petrobras e Trafigura, mas teve o pedido negado com base na alegação de que a empresa “consta de Inquérito Penal que tramita sob sigilo perante a Polícia Federal do Paraná”.

Em nota, a Trafigura afirma que “não há nenhuma evidência concreta de qualquer conduta irregular”. 

“O Reino Unido, os EUA e a Suíça entram em cena neste escândalo como locais importantes para as empresas envolvidas e sede das contas bancárias dos intermediários”, disse Mariana Abreu, da Global Witness. "As autoridades desses países devem investigar para descobrir se as traders de commodities usaram propina para garantir contratos de petróleo no Brasil". 

Questionado sobre as alegações contra a Trafigura e a Glencore, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná, disse que "são duas linhas de investigação que ainda estamos desenvolvendo".

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