Descrição de chapéu Lava Jato

Barroso apoiou Odebrecht em negociação que deu a Toffoli apelido na empresa

Ministro assinou parecer para empreiteira quando era advogado em disputa no governo Lula

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São Paulo

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ajudou a defender interesses da Odebrecht quando a empreiteira procurou o atual presidente da corte, Dias Toffoli, para negociar a solução de uma disputa travada com o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2007.

Na época, Barroso exercia a advocacia no setor privado e dava aulas de direito constitucional. Toffoli chefiava a Advocacia-Geral da União (AGU), que deixou em 2009 para ocupar uma vaga no Supremo, indicado por Lula. Barroso chegou ao tribunal em 2013, nomeado por Dilma Rousseff (PT).

Em 2007, Barroso assinou um dos pareceres jurídicos que a Odebrecht levou a Toffoli para tentar assegurar vantagens no leilão de duas hidrelétricas a serem construídas no rio Madeira, em Rondônia, de acordo com documentos entregues pela empreiteira a procuradores da Operação Lava Jato e relatos de ex-funcionários à Folha

Os documentos examinados pela reportagem não apontam nenhum indício de irregularidade nas discussões da Odebrecht com a AGU, ou na atuação de Barroso, mas ajudam a esclarecer o contexto do episódio que está na origem da crise atravessada pelo Supremo em abril.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF - Pedro Ladeira/Folhapress

O papel de Toffoli na disputa com a Odebrecht começou a ser questionado há três semanas, após a revelação de um documento em que o empresário Marcelo Odebrecht o identifica como a pessoa tratada como "amigo do amigo do meu pai" num email enviado a executivos da empresa em 2007. Segundo Marcelo, o amigo de seu pai, Emilio Odebrecht, era Lula. 

Divulgado pelo site O Antagonista e pela revista Crusoé, o documento é a resposta de Marcelo a um ofício em que a Polícia Federal pediu esclarecimentos para várias mensagens encontradas no computador do empresário, que colabora com a Lava Jato e cumpre pena em prisão domiciliar.

No email que cita Toffoli, de 13 de julho de 2007, Marcelo fez uma pergunta ao então diretor jurídico da empreiteira, Adriano Maia, e a outro executivo envolvido com as negociações, Irineu Meireles: “Vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?” Maia respondeu: “Em curso”.

O documento virou objeto de controvérsia porque Toffoli considerou sua divulgação ofensiva, e o ministro Alexandre de Moraes mandou tirar do ar a reportagem sobre o presidente da corte, afirmando que o papel era uma fraude. No último dia 18, Moraes reconsiderou sua decisão e revogou a censura imposta ao Antagonista e à Crusoé.

Usinas no Madeira

As usinas do rio Madeira fizeram parte de um ambicioso programa de investimentos lançado por Lula no início de seu segundo mandato. A Odebrecht parecia favorita para vencer o leilão. O governo queria estimular outros grupos a entrar no páreo para que a competição entre os investidores levasse a tarifas de energia mais baixas.

A Odebrecht tinha um acordo com a estatal Furnas que impedia outras subsidiárias da Eletrobras de se associar a concorrentes da empreiteira para participar do leilão. Essa exclusividade representava uma grande vantagem competitiva, que o governo e os rivais da Odebrecht queriam eliminar.

A empreiteira desenvolvera junto com Furnas estudos que tinham demonstrado a viabilidade das hidrelétricas e convenceram o governo a licitar o empreendimento. A Odebrecht tinha mais informações do que os concorrentes e apoio da estatal para financiar a construção das usinas.

Dilma, que na época chefiava a Casa Civil, opôs-se à empreiteira e trabalhou para incentivar outros competidores. O governo decidiu realizar dois leilões separados, um para cada usina, e questionou a legalidade do acordo da Odebrecht com Furnas, que fora assinado em 2005.

“Enquanto todo mundo facilitava, ela só fazia dificultar”, afirmou Emílio Odebrecht ao depor aos procuradores da Lava Jato em dezembro de 2016. Segundo ele, a empresa sempre contou com o apoio de Lula. “Ele reconheceu que nós tínhamos razão", disse.

Além de g arantir à Odebrecht exclusividade na parceria com a estatal, um termo de compromisso firmado com Furnas estabelecia que as informações que as duas empresas tinham acumulado sobre o projeto eram confidenciais.

Sem interlocução com Dilma e sentindo-se ameaçada por seus movimentos, a Odebrecht buscou outros canais de diálogo e encomendou quatro pareceres de juristas renomados, Barroso entre eles, para tentar convencer o governo de seus argumentos.

Os pareceres foram entregues pessoalmente a Toffoli. De acordo com um email enviado por Marcelo ao pai e a outros executivos da Odebrecht em junho de 2007, cópias também foram levadas ao então chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, para que as fizesse chegar à AGU.

A empresa encaminhou ainda uma representação ao então ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner. Marcelo classificou-a como um "alerta" para que o ministério "não faça as coisas de forma errada", e mandou entregar uma cópia a Toffoli.

A documentação apresentada pela Odebrecht aos procuradores da Lava Jato não inclui a íntegra dos pareceres de Barroso e dos outros juristas contratados pela empreiteira, mas faz parte do pacote uma nota que resume o conteúdo de uma das opiniões enviadas à AGU.

Segundo a nota, a sugestão era fazer um aditamento ao termo de compromisso celebrado com Furnas, permitindo que outras empresas do sistema Eletrobras participassem dos consórcios a serem formados por concorrentes da Odebrecht, mantendo a confidencialidade das informações que ela e Furnas detinham.

Para o autor do parecer, a proposta seria a única capaz de atender aos vários interesses em jogo sem representar um “ato discriminatório” para a Odebrecht, que se mostrava "disposta a abrir mão de direitos contratuais legítimos para atender a uma preocupação do governo”.

A nota da Odebrecht não identifica o autor do parecer, mas ele parece ter sido decisivo ao apontar para a AGU a solução do impasse. Em agosto, poucas semanas após a cobrança feita por Marcelo no email em que citou “o amigo do amigo do meu pai”, a Odebrecht e Furnas assinaram um aditamento nos moldes sugeridos pelo parecer, e os questionamentos do governo cessaram.

O primeiro leilão do rio Madeira foi realizado em dezembro. A Odebrecht ainda teve que brigar com o governo e os rivais por causa de acordos de exclusividade que tinha com fornecedores de equipamentos, mas venceu o leilão da usina Santo Antônio. Em 2008, ela perdeu para o grupo francês GDF Suez o leilão da segunda usina, Jirau.

Procurado pela Folha, Toffoli disse que não se manifestaria sobre o assunto. Em entrevista ao jornal Valor Econômico há duas semanas, ele disse: “Eu sinceramente nem me lembro. Isso foi 12 anos atrás. Todo mundo que me procura eu atendo. São dezenas de pessoas por dia. Sempre fui assim.”

Barroso também não quis fazer comentários. Na semana passada, num evento em Nova York, ele falou sobre a crise no Supremo e atribuiu ataques sofridos pela corte nas últimas semanas a “uma percepção em grande parte da sociedade e da imprensa brasileira de que o STF é um obstáculo na luta contra a corrupção no Brasil".

Os documentos examinados pela Folha mostram que Marcelo Odebrecht estava mais informado sobre os detalhes das negociações em 2007 do que admite agora. No ofício em que apontou Toffoli à PF em abril, ele disse que só Adriano Maia poderia esclarecer as tratativas com a AGU. Procurado pela Folha, o executivo não quis dar entrevista.

Em seus depoimentos à Lava Jato, ex-funcionários da Odebrecht que se tornaram delatores disseram que a empresa pagou propina a políticos do MDB, do PSDB e do PT em troca de vantagens na disputa pelas usinas do rio Madeira, mas nenhum associou os pagamentos às negociações com a AGU que antecederam o leilão de Santo Antônio.

 
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