Caso sobre posto de gasolina cresce no STF e já tensiona de Toffoli a Ministério Público

Supremo discutirá limites para compartilhamento de informações sigilosas em investigações penais

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Brasília

Uma apuração da Receita sobre um posto de combustíveis que teria sonegado impostos em 2003, no interior de São Paulo, está na origem do processo que o STF (Supremo Tribunal Federal) vai julgar na quarta (20).

O julgamento se tornou um dos mais polêmicos e politizados do ano por causa de duas decisões do relator, o ministro Dias Toffoli.

Na primeira, de julho, Toffoli, que preside a corte, atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (eleito pelo PSL-RJ). No âmbito desse processo, paralisou todas as investigações pelo país que usaram, sem autorização judicial prévia, dados detalhados de órgãos de controle —como a Receita e o antigo Coaf (hoje Unidade de Inteligência Financeira, a UIF).

A decisão beneficiou Flávio, que era investigado pelo Ministério Público do Rio sob suspeita de desviar parte dos salários de funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa fluminense. 

A apuração envolvendo o senador partiu de um relatório do Coaf que apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas contas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Na segunda decisão, do final de outubro, Toffoli determinou que a UIF enviasse ao STF cópias de todos os relatórios de inteligência financeira (RIFs) dos últimos três anos.

A UIF respondeu com um alerta sobre a abrangência da determinação: os 19,4 mil relatórios que Toffoli passou a poder acessar no sistema do órgão envolvem dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas, muitas delas expostas politicamente e com foro especial.

O caso concreto que vai a julgamento na quarta-feira é um recurso extraordinário apresentado pelo Ministério Público Federal contra uma decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), sediado em São Paulo, que anulou a ação penal em que os donos do posto de combustíveis eram réus.

A defesa dos donos do posto alegou que a Receita repassou aos procuradores, sem autorização judicial, dados bancários que tinham sido obtidos em uma fiscalização legítima, o que gerou a nulidade.

A discussão no plenário vai além do caso concreto e deve se debruçar sobre teses. Os ministros discutirão se deve haver limites para que os órgãos de controle compartilhem dados com o Ministério Público e com a polícia para fins de investigação penal, e eventualmente fixar esses limites.

“Hoje, o tema é maior tanto objetivamente —porque não se trata mais só do repasse de informações pela Receita, mas também pelo Coaf e pelo Banco Central— como subjetivamente, porque não se trata mais de um conjunto de pessoas anônimas, mas há certamente uma preocupação muito grande por envolver o filho do presidente”, disse o advogado Gustavo Badaró.

Ele fará sustentação oral no Supremo como representante do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), admitido no processo como “amicus curiae” (amigo da corte, em latim).

“O sigilo bancário está incluído no direito constitucional à privacidade e, como todo e qualquer direito constitucional, pode sofrer uma restrição, legitimamente, desde que haja uma apreciação judicial do caso concreto. Quer investigar uma pessoa? Peça justificadamente ao juiz”, defende Badaró.

Para ele, a decisão de Toffoli de requerer acesso a todos os relatórios do Coaf e a todas as representações fiscais da Receita elaboradas nos últimos três anos acabou mostrando para a opinião pública, indiretamente, a relevância do direito ao sigilo bancário.

“Até então, quem era a favor do Bolsonaro tendia a dizer que era um absurdo [o Coaf] poder dar esses dados. Quem era contra, dizia que pode dar os dados. Agora, com os dados de 600 mil pessoas, parece que a população como um todo, independentemente de viés ideológico, acordou para a importância disso.”

Na última quinta-feira (14), a Folha revelou a decisão de Toffoli de requerer cópias dos relatórios financeiros (do Coaf) e fiscais (da Receita). A justificativa do ministro era entender o procedimento de elaboração e tramitação dos relatórios. O STF não investiga o conteúdo desses documentos.

A ordem de Toffoli gerou apreensão no governo —pois há, nos relatórios, menção a membros da família Bolsonaro e a outras autoridades— e reação da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Na sexta (15), o procurador-geral, Augusto Aras, pediu a Toffoli para reconsiderar sua decisão e abrir mão de acessar o teor dos relatórios, sustentando que a medida é desproporcional e põe em risco a integridade do sistema de inteligência financeira, “podendo afetar o livre exercício de direitos fundamentais”.

Para Aras, obter os relatórios foi uma medida “dispensável ao fim pretendido de conhecimento da metodologia empregada pela UIF”, o que poderia ser feito “de forma menos invasiva” ouvindo técnicos e especialistas, por exemplo.

Toffoli, porém, negou no mesmo dia o pedido de reconsideração e ampliou as informações requeridas. O presidente do STF disse para o Ministério Público Federal informar, “voluntariamente”, quais de seus membros estão cadastrados no sistema do antigo Coaf para ter acesso aos relatórios financeiros feitos nos últimos três anos.

Também determinou que a UIF informe quantos relatórios foram produzidos de ofício (sem provocação de outro órgão) e quantos foram elaborados a pedido do Ministério Público. O órgão tem até as 18h desta segunda-feira (18) para prestar as informações.

Uma das alegações da defesa de Flávio Bolsonaro, ao pedir para o STF a suspensão do inquérito no Rio, era que a Promotoria pediu informações diretamente ao Coaf, realizando uma quebra de sigilo bancário sem controle judicial.

O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) expediu, em agosto de 2017, uma recomendação com os procedimentos que deveriam ser observados por promotores e procuradores ao utilizar relatórios do Coaf.

Os que chegassem espontaneamente deveriam ser registrados como “notícia de fato”, para gerar novas apurações, e os que fossem feitos por solicitação do Ministério Público deveriam ser “formalizados como diligência investigatória”.

Toffoli deseja saber se procuradores e promotores pediam e recebiam as informações dos órgãos de controle sem autorização da Justiça e em que extensão isso ocorria, para levar ao plenário.

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