Bolsonaro desafia Congresso e reafirma intenção de veto a fundo para eleições de 2020

Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, promete retaliação à ameaça e afirma ver incoerência no caso do PSL

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a desafiar o Congresso e confirmou a intenção de vetar o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para 2020. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ameaça retaliação caso o veto se concretize.

Ao deixar o Palácio da Alvorada, onde cumprimentou simpatizantes na manhã desta quinta-feira (19), Bolsonaro disse que hoje a tendência é barrar o montante. Os recursos públicos vão financiar as campanhas para prefeitos e vereadores.

A equipe jurídica do presidente ainda avalia a questão. No início da noite, o núcleo político do Planalto tentou demover Bolsonaro, evitando que ele crie uma nova crise com o Legislativo, que tem poder de derrubar o veto. Segundo relato, o presidente disse que irá refletir melhor sobre o assunto.

"Em havendo brecha para vetar, eu vou fazer isso. Não vejo, com todo respeito, como justo usar recursos para fazer campanha. A tendência é vetar, sim", afirmou Bolsonaro pela manhã.

Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto - Adriano Machado/Reuters - 18.dez.2019

O fundo eleitoral foi aprovado pelos congressistas para o Orçamento do próximo ano em sessão realizada na terça-feira (17). 

Deputados mantiveram o valor da proposta orçamentária enviada pelo próprio governo. 

Na CMO (Comissão Mista do Orçamento), houve tentativa de inflar o fundo em R$ 1,8 bilhão, o que totalizaria R$ 3,8 bilhões. Os congressistas recuaram justamente diante de um eventual veto de Bolsonaro.

"Aquela proposta de R$ 2 bilhões é em função de uma lei que tinha. Não é que quero isso. Agora, chegando a peça orçamentária, tenho poder de veto. Não quero afrontar o Parlamento, mas pelo amor de Deus", afirmou o presidente

O artigo 16 da Lei Eleitoral especifica que o fundo eleitoral é constituído "por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral".

No Orçamento de 2020, há dois instrumentos para abastecer o caixa de partidos com recursos públicos. O primeiro é o fundo partidário, de aproximadamente R$ 1 bilhão (distribuído anualmente), e segundo, o eleitoral, criado para financiar campanhas em ano de eleições.

Um eventual veto de Bolsonaro pode beneficiar a Aliança pelo Brasil, partido que tenta fundar nos próximos meses após deixar o PSL, ao prejudicar partidos rivais e colocá-los em condições de igualdade com a sigla em criação.

Caso consiga oficializar o partido na Justiça Eleitoral em pouco tempo (um cenário ainda incerto, porém), a Aliança poderá disputar a eleição municipal de 2020, mas sem recursos do fundo eleitoral e sem tempo de rádio e TV. 

Hoje, a distribuição dos fundos partidário e eleitoral leva em conta os votos obtidos na última eleição para a Câmara. Pelas estimativas, o PSL deverá receber R$ 203 milhões em 2020, e o PT, R$ 201 milhões.

Para Bolsonaro, os recursos eleitorais dificultarão uma renovação na política, uma vez que, na avaliação dele, servirão apenas para manter no cargo quem já está no poder.

"O dinheiro vai para quem? Manter no poder quem já está, dificilmente vai para um jovem candidato. O povo fala em renovação. E tem de ter igualdade. A campanha tem de estar em condição de igualdade. Não é maldade minha contra o Parlamento, eu respeito o Parlamento", afirmou.

Maia, em café da manhã com jornalistas na residência oficial da Câmara, criticou Bolsonaro e listou possíveis pautas-bomba contra o governo, caso o veto seja concretizado. 

"É um direito do presidente [vetar]. Ele mandou [a proposta com] o valor de R$ 2 bilhões. O Congresso aprovou o valor, ratificou a posição do presidente neste tema. Se ele vai vetar sua própria proposta, é uma decisão deles", afirmou. 

Maia disse que esse jogo de vetos do Executivo para desgastar o Legislativo junto à opinião pública gera insegurança e pode levar a um círculo de retaliação mútua prejudicial à sociedade. 

"Ele veta o que ele quer, a gente vota a pauta da Câmara, a do Senado. Vão retaliar, o que posso fazer?", questionou.

Se o objetivo de Bolsonaro é agradar a opinião pública, Maia disse que tem um arsenal para fazer acenos populares também. "Quer fazer um aceno popular, a Câmara tem um arsenal. Não é o que fizemos nos últimos anos."

"Se começar este jogo de a gente, em vez de priorizar nossa responsabilidade, priorizar a pressão de segmentos da sociedade, vamos gerar uma insegurança na relação entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo", afirmou o presidente da Câmara.

Ele disse, por exemplo, que a Câmara poderia aprovar inclusive propostas de campanha de Bolsonaro, como a diminuição do preço do diesel. Sem previsão orçamentária, Bolsonaro seria obrigado a vetar. Assim, o desgaste seria do Executivo.

"Imagina se o Parlamento começar também a querer falar para uma parte da sociedade: vamos fazer uma política do salário mínimo com 5% de aumento real todos os anos. Vamos ser aplaudidos por grande parte da sociedade brasileira, mas vamos obrigar o presidente da República a vetar este projeto porque ele não tem amparo no Orçamento público", disse.

Maia questionou ainda o discurso de que aliados do governo não teriam interesse no fundo eleitoral.

"Mas para que eles estão querendo brigar pelo PSL? Porque, se eles não querem dinheiro, para que eles queriam brigar pelo PSL? Então tem uma incoerência desses defensores do governo na rede social. Eles falam uma coisa, mas querem um partido pelo dinheiro, porque fora do dinheiro o que é que o PSL tem?”, afirmou, em referência à briga de parte dos deputados do PSL, que quer deixar o partido mas levar consigo os mandatos e fundo. 

Sem justa causa, os deputados da ala bolsonarista do PSL que migrarem para a Aliança pelo Brasil perderiam o dinheiro do fundo e seus mandatos.

Apesar das críticas, Maia disse que a relação do Executivo com o Congresso melhorou, em especial no segundo semestre, quando o presidente parou de "atacar o Parlamento". 

"A relação com a equipe econômica é boa desde o início do ano, e com o Planalto desde o segundo semestre", afirmou.

Maia ainda disse que é preciso retomar o debate sobre financiamento por pessoas jurídicas para a eleição de 2022. "Esse é um debate mais sensível, não é tão simples."

O financiamento empresarial está proibido desde 2015 após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), e, por isso, seria necessária a aprovação de uma mudança na Constituição.

PARA QUE SERVE O FUNDO ELEITORAL ​

O que é?
É uma verba pública que os partidos recebem em ano eleitoral para financiar campanhas. Passou a valer em 2018, quando distribuiu cerca de R$ 1,7 bilhão.

Ele é a única fonte de verba pública para as campanhas?
Não. Os partidos também podem usar recursos do fundo partidário (verba pública para subsidiar o funcionamento das legendas, distribuída mensalmente). Em 2018, foram repassados R$ 889 milhões. Neste ano, total gira em torno dos R$ 928 milhões.

Quais são as outras formas de financiamento possíveis?
Os candidatos podem recolher doações de pessoas físicas e podem financiar as próprias campanhas. O autofinanciamento é limitado a 10% do teto de gastos, que varia de acordo com o cargo disputado.
As doações empresariais são proibidas desde 2015.

Qual o valor previsto para o fundo eleitoral em 2020?
O valor final foi discutido na comissão do Congresso que debate o Orçamento de 2020. Relatório preliminar aprovado no dia 4 previa R$ 3,8 bilhões, mas, após pressões da sociedade e a ameaça de veto pelo presidente Bolsonaro, a quantia final foi reduzida para R$ 2 bilhões.

Como é possível aumentar o valor do fundo eleitoral?
A Lei do Teto de Gastos limita o crescimento das despesas públicas. Segundo técnicos, cortes em outras áreas permitiram que os congressistas sugerissem o aumento do fundo eleitoral.

De quanto é o corte proposto?
São previstos cortes de R$ 1,7 bilhão no orçamento de mais de 15 ministérios. Do total, são R$ 500 milhões em saúde (dos quais R$ 70 milhões iriam para o Farmácia Popular, que oferece remédios gratuitos à população), R$ 380 milhões em infraestrutura e desenvolvimento (que inclui obras de saneamento e corte de R$ 70 milhões do Minha Casa Minha Vida) e R$ 280 milhões em educação.

Como o fundo é distribuído?
A distribuição do fundo público para campanha entre os partidos acontecerá da seguinte forma nas próximas eleições: 

  • 2% distribuídos igualmente entre todas as legendas registradas
  • 35% consideram a votação de cada partido que teve ao menos um deputado eleito na última eleição para a Câmara
  • 48% consideram o número de deputados eleitos por cada partido na última eleição, sem levar em conta mudanças ao longo da legislatura
  • 15% consideram o número de senadores eleitos e os que estavam na metade do mandato no dia da última eleição 

Houve uma mudança recente da divisão do fundo. Antes, o que valia era o tamanho das bancadas na última sessão legislativa do ano anterior à eleição (o que contou em 2018 foi a bancada no fim de 2017). Agora, conta o resultado da eleição.

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