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Magistrados de SP dão aulas gratuitas para concurso de novos juízes

Formados em direito cuja família ganha até cinco salários mínimos estudam para disputa por uma vaga no TJ paulista

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São Paulo

Primeira da sua família a cursar uma faculdade, Wedja de Campos, 29, teve que reorganizar as tarefas em casa porque voltaria a estudar fora. 

Formada em direito em 2014, retornou à sala de aula após cinco anos para tentar se tornar juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo, apesar de não ter condições financeiras para pagar o cursinho preparatório para o concurso da carreira.

A oportunidade surgiu com a abertura de um curso gratuito criado por juízes estaduais, voluntariamente, para pessoas cuja renda familiar são de até cinco salários mínimos. 

Agora, todos os dias, ela deixa os dois filhos às 6h sob os cuidados da mãe em Taboão da Serra (Grande SP) e leva duas horas entre ônibus e metrô até o centro da capital, onde trabalha em um escritório. 

Só retorna depois das aulas, que começam às 19h30 e acabam em torno das 22h30. A ajuda da mãe em casa foi fundamental para garantir os estudos. “Sou mulher, negra e mãe solteira”, diz Wedja. “Quero ser juíza para ser um exemplo e incentivar outras pessoas.”

Wedja de Campos, 29, que estuda para concurso da magistratura paulista
Wedja de Campos, 29, que estuda para concurso da magistratura paulista - Adriano Vizoni/Folhapress

Intitulado “Magistratura para Todos”, o curso foi idealizado no final de 2017, mas começou em agosto de 2018. São 50 vagas, que são revistas semestralmente.

O objetivo é permitir que qualquer bacharel em direito aprovado na OAB, independentemente de cor ou classe social, "possa estar em condições de ser aprovado no concurso para o cargo de juiz, tornando essa carreira mais plural e permitindo que pessoas com diferentes históricos de vida possam integrar o Poder Judiciário".

Um quinto das vagas vai para pessoas indicadas pela Assetj (Associação de Servidores do Tribunal de Justiça de SP), porque o curso acontece na sala de um prédio cedido pela entidade. Há, ainda, uma cota de 15% para estudantes negros.

De segunda a sábado, cerca de 50 juízes dão aulas aos estudantes. “O curso surgiu de uma experiência pessoal, da dificuldade financeira que eu e outros colegas tivemos na preparação do concurso da magistratura”, diz o juiz Rodrigo Tellini, coordenador do curso. 

“Algumas das nossas famílias tiveram que vender bens para bancar os estudos. Outros dependeram de herança. A gente acabou vencendo esse obstáculo por conta disso, mas outras pessoas não têm essa possibilidade.”

Professor e juiz Marcelo Sacramone dá aula a estudantes do curso gratuito Magistratura para Todos, no centro de São Paulo
Professor e juiz Marcelo Sacramone dá aula a estudantes do curso gratuito Magistratura para Todos, no centro de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Quando a primeira turma do curso foi aberta, em 2017, aproximadamente 5.000 pessoas se inscreveram, de todos os estados do Brasil —muitos pensavam que as aulas não eram presenciais.

Houve diversos cortes até que foram selecionados os 50 estudantes, além de suplentes. 

As turmas, em tese, são anuais, mas de seis em seis meses eventuais vagas em aberto são preenchidas por interessados. Na turma atual, a concorrência reduziu e foi de aproximadamente dez candidatos para cada vaga. 

Os alunos dizem que as aulas são vantajosas sobretudo porque um curso pago para o concurso de juiz em São Paulo custa, em ensino a distância, aproximadamente R$ 3.000 por ano. Presencialmente, ao menos R$ 5.000. Esse valor inclui apenas a primeira fase da seleção, de um total de cinco.

A alta procura do curso gratuito gerou situações como a de Deliane Jesus dos Santos Silva, 35, moradora de Embu das Artes (SP). “Me inscrevi para o curso, fiz uma carta aos prantos e, quando saiu o resultado, vi que meu nome não estava na lista”, afirmou.

A carta é um dos pré-requisitos do processo seletivo, na qual o candidato explica os motivos que o levaram a frequentar o curso.

Mesmo sem estar na lista, ela foi até o centro de São Paulo em um sábado de manhã chuvoso, onde ocorria a inscrição, e aguardou até o término da fila para tentar se encaixar em alguma vaga. 

“Pedi para conversar com os professores para saber o que tinha acontecido, dizer que eu precisava muito dessa vaga. O professor me disse: ‘Você é muito cara de pau, mas a gente gosta de pessoas assim’”, riu.

O professor checou o registro e viu que Deliane estava, sim, na lista dos aprovados. “Ele disse que meu nome estava escrito errado”, afirmou. A estudante afirma ter chorado novamente, desta vez de alegria, ao saber que tinha passado. “E agora eu atravesso todos os dias a cidade para vir para cá. Nunca faltei.”

No último concurso, aberto após o início do curso, no entanto, nenhum estudante passou. Os professores afirmam que a situação é comum, já que a preparação demanda tempo.

“O perfil que buscamos é o aluno de baixa renda, mas que tenha condições de ter ao menos estudado [o curso de] direito”, afirma o juiz José Eugênio Souza Neto, que também coordena o curso.

Parte dos alunos conseguiu se formar por meio de programas do governo federal. Wedja paga as parcelas do Fies (Financiamento Estudantil) até hoje. Já Deliane conseguiu uma bolsa do Prouni, assim como outro aluno do curso, Marcos Linconl, 25.

Ele trabalha como advogado de uma empresa em meio período e, à noite, vai às aulas do curso. “Eu já estava com a esperança na carreira diluída quando veio esse curso”, disse Linconl, que vive com os pais e cinco irmãos em uma casa na zona leste de São Paulo.

“Esse curso veio como uma segunda chance, me mostrou que é possível. É o que tem me motivado a acordar todo dia de manhã e vir para cá.”

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