Descrição de chapéu
Fernando Limongi e Argelina Cheibub Figueiredo

Por seu intervencionismo imoderado, STF não terá como evitar confronto com Bolsonaro

Individualmente, ministros se mostram dispostos a barrar pretensões mais tresloucadas do presidente, mas chefe da corte parece caminhar na direção oposta

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Fernando Limongi Argelina Cheibub Figueiredo

Sergio Moro saiu atirando. Suas denúncias reabriram as casas de apostas: Jair Bolsonaro resistirá? Completará seu mandato? A experiência recente colocou o impeachment do presidente na agenda. As atenções se voltaram para o presidente da Câmara.

Não faltam razões para que Rodrigo Maia acate um dos muitos pedidos que tem à disposição. Esses se multiplicam com a velocidade do vírus ao qual o presidente, em razão de seu passado de atleta, acredita ser imune.

No caso de seu afastamento, a proteção não lhe é dada pela prática esportiva ou por seu passado profissional. Seu vice é sua maior defesa, não tanto pelo que é —um militar reformado—, mas mais pelo que não é —um político.

Por isto, é pouco provável que o Congresso dê início a um processo de impeachment contra o presidente. Não pelas razões que têm sido citadas pelos analistas. Apoio das ruas não é condição necessária para desencadear a ação. Em geral, o que ocorre é o inverso. São as forças políticas engajadas em encurtar o mandato presidencial que mobilizam e levam os cidadãos às ruas.

O presidente Jair Bolsonaro durante a posse de André Mendonça como ministro da Justiça e José Levi na Advocacia-Geral da União
O presidente Jair Bolsonaro durante a posse de André Mendonça como ministro da Justiça e José Levi na Advocacia-Geral da União - Ueslei Marcelino/Reuters

O impeachment é antes de tudo um ato político. Como tal, quem o provoca deve estar preparado para o dia seguinte, isto é, tem que "combinar com o adversário" e, no caso, este não é o proverbial zagueiro russo, mas o vice-presidente.

Sem saber qual o perfil do novo governo, que espaço este lhe reserva, políticos não vão se mover. E o vice, por definição, porque eleito conjuntamente com o presidente, é um elemento de continuidade. Em outras palavras, o grupo encastelado no poder precisa de segurança de que seus interesses serão preservados na nova ordem.

E é aí que uma possível ação pelo Congresso contra Bolsonaro encontra seu maior obstáculo. Hamilton Mourão não é um político, e a experiência nacional recente ensina que impeachments não decolam sem que o vice entre em campo.

Itamar Franco e Michel Temer foram os fiadores da derrubada dos dois titulares que sucederam. A negociação com Mourão está e deve continuar interditada, seja porque ele não tem base política própria, seja por seu passado militar.

Uma outra possibilidade aventada é a da intervenção das Forças Armadas, via um golpe aberto ou branco. A primeira possibilidade pode ser descartada. Os militares não derrubarão Bolsonaro para assumir o poder por meios extralegais. Não há apoio para este recurso extremo que, com certeza, levaria a um conflito interno a corporação. Quem lideraria o golpe? Quem correria o risco de quebrar a hierarquia? Quem assumiria o poder?

A pressão para que Bolsonaro renuncie seria uma solução mais conveniente para as Forças Armadas. No final das contas, a Presidência passaria às mãos de um general reformado, mais identificado com a corporação e que tem dado mostras de ser mais capaz de seguir a razão. Assim, para as Forças Armadas, Mourão seria, além de rima, a solução.

Bolsonaro, contudo, cercou-se de membros das Forças Armadas, da reserva e da ativa. Não é um governo dos militares, mas é repleto de militares e é justamente isto que impede a corporação de lhe impor limites. Por isto, as críticas de Olavo de Carvalho aos generais Santos Cruz e Villas Bôas, impensáveis em um governo de civis, passaram em brancas nuvens.

Mas isto não significa que as Forças Armadas defenderão Bolsonaro caso seu cargo seja ameaçado. Falta à corporação disposição para embarcar na caçamba armada pelo presidente. Convidadas, as lideranças militares não compareceram ao ato convocado para pedir intervenção militar na porta dos quartéis.

Resta, portanto, o Supremo Tribunal Federal. Estariam os 11 supremos dispostos a impor limites ao presidente?

Até o momento, individualmente, os ministros e ministras têm demonstrado disposição para manter o ativismo imoderado no qual se lançaram desde, pelo menos, o mensalão. Gilmar Mendes se insurgiu publicamente contra a substituição de Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde. Pelo Twitter mandou avisar que genocidas não passarão!

Alexandre de Moraes viu desvio de função na nomeação de Alexandre Ramagem para dirigir a Polícia Federal.

Celso de Mello, ao acatar o pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), contribuiu com inovações de sua lavra sobre possíveis ações contra o presidente, além de, implicitamente, ter dado mais fé à palavra do ministro demissionário do que à do presidente.

Mas se, individualmente, os supremos se mostram dispostos a barrar as pretensões mais tresloucadas do presidente, o chefe da instituição, o ministro Dias Toffoli, deu mostras de querer caminhar na direção oposta. Sempre que pôde, Toffoli acenou a bandeira branca para oferecer trégua a Bolsonaro.

Em canetada histórica, sustou um sem-número de investigações só para proteger o filho 01, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e suas ligações perigosas com Fabrício Queiroz, um velho amigo da família. O recado foi dado. Mais claro impossível. Era pegar ou largar. Como sempre, Bolsonaro nem pegou, nem largou. Atacou.

O STF, portanto, se capaz de aprender lições, deve ter entendido que Bolsonaro não fala da boca para fora quando diz que não quer negociar. Bolsonaro continua o mesmo camicase capaz de planejar dinamitar as adutoras do Rio de Janeiro para obter aumento salarial. Mas, como diz o ditado, cão que muito ladra não morde. Bolsonaro não negocia, mas recua. Se tem alguma habilidade, é a de cutucar a onça com vara curta e sair ileso.

Os ataques, contudo, deixam digitais comprometedoras. Para onde se olha, sobretudo quando se olha para baixo, para o submundo, lá estão as marcas deixadas pelo clã Bolsonaro e seus camaradas. Basta ler os jornais para saber que, de fato, Moro se afastou para salvar o que restava da sua biografia. Bolsonaro, como o próprio afirmou em sua lenga-lenga da última sexta-feira (24), também tem uma biografia. No seu caso, contudo, é dela que ele tem que se salvar.

Dado o seu intervencionismo imoderado, o STF não terá como evitar o confronto com o presidente. E não terá porque o presidente da República não deixará de produzir elementos para tanto.

Para fazer jus ao seu apelido quando na ativa, o presidente desembestou a produzir indícios contra si próprio, como o decreto assinado para quebrar o controle sobre o desvio de armas de utilização exclusiva das Forças Armadas. Coincidência ou não, no mesmo dia, novas revelações sobre a relação do filho 01 com as milícias do Rio de Janeiro vieram à luz. No ritmo atual, em breve, faltará pescoço para tanta corda.

O ministro Alexandre de Moraes já deu demonstração clara de que não abrirá mão do comando da investigação a ele designada, investigação que, todos sabem, inclusive o presidente, chegará ao filho 02, Carlos Bolsonaro, e sua rede de robôs.

Celso de Mello seguiu na mesma toada e, em pouco tempo, os demais supremos terão oportunidade de contribuir para montar o cerco ao presidente.

O STF vem tratando a letra da Constituição com a elasticidade necessária para intervir e colocar a conveniência a serviço de suas inclinações políticas de momento, mesmo quando amparadas por maiorias circunstanciais, como no caso da prisão após condenação em segunda instância.

O presidente, como uma criança birrenta, não vai parar de provocar, de criar casos (e investigações) enquanto não encontrar limites. O destino do presidente está nas mãos do STF.

Fernando Limongi é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e do departamento de ciência política da USP

Argelina Cheibub Figueiredo é professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

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