Descrição de chapéu Eleições 2020

Candidatos em SP replicam Bolsonaro com lives e falam de risoto, preço do arroz e Covid

Especialistas veem direita à frente em estratégia nas redes sociais com vídeos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em lives na internet, candidatos à Prefeitura de São Paulo replicam, cada um do seu jeito, o formato utilizado com sucesso pelo presidente Jair Bolsonaro na eleição de 2018. Os assuntos são variados e podem incluir propostas para a cidade, políticas para combate à pandemia do novo coronavírus, o preço do arroz ou até uma receita de risoto.

Joice Hasselmann cozinha um risoto em vídeo publicado no seu canal no YouTube - Youtube/Reprodução

Arthur do Val (Patriota), Guilherme Boulos (PSOL), Jilmar Tatto (PT), Márcio França (PSB), Joice Hasselmann (PSL) e Orlando Silva (PC do B), entre outros candidatos à prefeitura, recorrem à plataforma ao vivo e a vídeos gravados na internet enquanto o horário eleitoral não começa. A propaganda de rádio e televisão estreia no dia 9 de outubro.

Bruno Covas (PSDB) , candidato à reeleição, é dos poucos que não aderiram com empenho às lives. O tucano tem recorrido às redes para exibir vídeos e pronunciamentos oficiais da prefeitura e deve apostar na TV como sua principal plataforma de comunicação com os eleitores. Para tentar se reeleger, coligou-se com outros nove partidos e ficou com quase 40% do tempo total que será levado à TV e às rádios.

Covas participa de uma corrida numérica que pode ter influência no resultado das eleições. Se somados Instagram, Twitter, Facebook e Youtube, Arthur do Val está com 5,6 milhões e Joice Hasselmann está com 4 milhões de seguidores. Depois aparecem Guilherme Boulos (3,1 milhões) e Celso Russomanno (2,6 milhões). O prefeito está com 441 mil, seguido por Márcio França (226 mil), Orlando Silva (130 mil), Filipe Sabará (79 mil) e Jilmar Tatto (44 mil).

Criar um tipo de conteúdo midiático e com apelo popular ainda é ponto forte dos políticos que estão à direita no espectro ideológico do país, a exemplo de Joice e do Val, diz a comunicóloga e jornalista Deysi Cioccari, autora da tese “A Imagem Contemporânea e a Construção do Personagem Político pela Mídia Impressa”, pela Faculdade Cásper Líbero.

"Esse movimento começou nas manifestações de junho [de 2013]. E o que acontece é que a esquerda não entendeu ainda como as redes funcionam", diz.

Para o publicitário Rodolfo Marques, que também se especializou em campanhas eleitorais, "a direita, de fato, ainda consegue gerar uma presença digital mais forte". E, para ele, "quem tem uma presença digital mais forte, ainda que isso não seja fator determinante para uma vitória, vai largar na frente", diz.

O pesquisador avalia que, na esquerda, Boulos teve visibilidade por causa das críticas que fez ao governo Jair Bolsonaro no período de pandemia da Covid-19. Ele considera ser mais frágil a estratégia digital de Márcio França, candidato com o segundo maior tempo de televisão e rádio na propaganda eleitoral.

O documentário "O Dilema das Redes", lançado pela Netflix em setembro, tenta compreender esse fenômeno e aponta Trump e Bolsonaro como populistas de direita que souberam ascender justamente por dominarem maneiras de chamar a atenção do eleitor com suas postagens nas redes.

Para Marques, Covas teve, no período de pré-campanha, ao menos os canais oficiais para se comunicar com o eleitor. O pesquisador diz que a audiência conquistada com temas específicos, especialmente a Covid-19, é fundamental na conta e pode interferir no resultado da eleição.

O deputado estadual Arthur do Val se elegeu em 2018 na esteira do sucesso do seu canal do Youtube Mamãe Falei, que hoje tem mais de 2 milhões de inscritos. Candidato a prefeito, ele foi à cracolândia, no centro de São Paulo, e publicou um vídeo da experiência.

Em sua passagem pela região tomada pelo consumo e tráfico de crack e cocaína, mostrou ruas cheias de lixo, concentração de usuários e traficantes de drogas, moradores de rua miseráveis. Depois, gravou uma live se defendendo de ataques na internet, rebatendo basicamente aqueles que o acusaram de ter transformado a miséria alheia em um espetáculo de campanha.

“Ele [Bruno Covas] que banca esse pessoal (ONGs) que vai manter a cracolândia [...]. O pessoal da cracolândia jogando rojão nos policiais, e aí ninguém fala nada”, afirmou. Ele defende a mudança da prefeitura, hoje em um edifício à beira do viaduto do Chá, para a região na Luz.

Também influente nas redes sociais antes de entrar na política, Joice tem explorado a nova silhueta em suas lives, inclusive com cenas gravadas na cozinha de sua casa, passando receitas com pouca gordura e açúcar.

No vídeo “Risoto de Funghi com Caldão Protéico. Delícia!!”, ela tenta convencer o público de que é fácil e barato fazer o prato mencionado no título. "Cinco reais de funghi, vamos combinar, dá pra pagar né?”, diz. Segundo ela, “tem gente que comete o sacrilégio de botar creme de leite no risoto”.

“Pelo amor de Deus não faça isso, qualquer italiano se revira na tumba quando você coloca creme de leite no risoto”, afirma.

Para Cioccari, a campanha de Joice é exemplo entre políticos que entenderam a importância da roupagem documental ou o contato direto com um público segmentado —no caso dela, mulheres.

Cioccari considera que “a lata de leite condensado, o pão francês cortado em cima da mesa e os fios de eletricidade soltos e à vista do espectador”, em menção a uma estética que marcou a campanha de Bolsonaro em 2018, tem efeito positivo hoje nas campanhas publicitárias e canais de comunicação de candidatos.

Ela defende que a estratégia de Joice, de falar com público específico e se situar como feminista que não vê problema em assumir seus dotes culinários, é um ponto positivo na pré-campanha da deputada do PSL.

“A esquerda não acordou para a vida nas redes sociais. Permanecem fazendo campanhas produzidas, fotos que seguem um padrão estético publicitário sem apelo junto ao eleitor”, afirma.

O petista Tatto era um dos políticos com menos expressão na internet, com menos de 50 mil seguidores, somadas todas as suas redes. Em uma live transmitida em julho, Orlando Silva chega a usar nove minutos iniciais para fazer agradecimento a líderes de movimentos da esquerda. Mais recentemente fez um debate com a presença de Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PSD) sobre fake news, que teve menos de 2.000 visualizações.

Russomanno, líder nas pesquisas de intenção de voto, ainda tem pouca expressão na internet, mas busca usar seus canais para falar do apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro e especialmente para se defender de ataques dos adversários.

Guilherme Boulos tem apostado em uma franca oposição ao bolsonarismo, não sem esquecer de fazer piada. Em um de seus vídeos mais recentes, ele arrisca uma pegadinha. Finge ler a biografia de Getúlio Vargas, num trecho em que teria uma pergunta feita ao presidente por Leonel Brizola, na época governador do Rio Grande do Sul. "Presidente", diz Boulos, sério, "por que Michelle Bolsonaro recebeu R$ 89 mil de Fabricio Queiroz?", completa, rindo.

Ele se referia aos depósitos feitos pelo ex-assessor do presidente, que foram revelados em quebra de sigilo bancário, publicado pela revista Crusoé.

Entre os candidatos de esquerda, Boulos é o que se mostra mais à vontade com a precariedade típica das plataformas digitais e tira vantagem de alguns incidentes. Em julho, por exemplo, ele fazia uma live conversando com o humorista Fábio Porchat, e a mulher do humorista passou ao fundo de toalha.

Ela ainda tentou se esquivar do ângulo que a câmera registrava, mas não teve jeito. Boulous tirou proveito e não ignorou: "Alguém passou de toalha aí", disse. Porchat brincou com a situação: "E ela tá pelada ainda. O pessoal gostou, deu uma subida legal aqui na live", prosseguiu.

A moda é justamente essa: quanto mais real e precário parecer o vídeo, mais bem visto ele pode ser entre o eleitorado.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.