Descrição de chapéu Eleições 2020

Boulos e Tatto se embolam em propostas e discursos na briga por voto da esquerda em SP

Candidatos de PSOL e PT vêm repetindo temas como passe livre e moradia e fizeram convenções na periferia

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São Paulo

Em guerra pelo voto da esquerda na eleição municipal de São Paulo, as campanhas de Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT) têm propostas coincidentes em várias áreas, repetem a estratégia de mirar a periferia e já enfrentaram nos bastidores até suspeita de plágio.

Temas como tarifa zero no transporte coletivo, desapropriação de imóveis para programas de moradia e renda básica são ouvidos frequentemente nos discursos de ambos. Neste domingo, por exemplo, os dois candidatos escolheram o mesmo bairro da zona leste de São Paulo para o início de suas campanhas.

Os candidatos a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT)
Os candidatos a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT) - Reprodução e Filipe Araújo/Divulgação

O risco de o psolista ficar à frente do petista durante a corrida eleitoral, como indicam as pesquisas mais recentes, preocupa setores do PT. À margem disso, Boulos e Tatto têm mantido um clima de cordialidade e descartam por ora atiçar a batalha que agita a militância esquerdista.

Em um dos episódios dessa rixa velada, apoiadores de Boulos levantaram a hipótese de que o PT tivesse copiado a campanha do PSOL ao realizar a convenção que oficializou o candidato petista na laje de uma casa em uma comunidade da zona sul .

Uma semana antes, o oponente havia sido confirmado como postulante em um evento semelhante, em um campo de futebol também em um bairro da zona sul. A legenda propagandeou a iniciativa como a primeira convenção partidária da capital sediada na periferia.

Mais do que uma questão meramente geográfica, a ida às franjas da cidade tinha por trás, nos dois casos, a estratégia de colocar os bairros periféricos como centro da campanha e de um eventual governo na prefeitura.

A equipe de Tatto nega ter imitado a ideia do adversário, diz que ele já vinha usando uma laje como cenário para gravações e fotos e que o evento estava sendo preparado antes da convenção do PSOL.

Convenção do PSOL que oficializou a candidatura de Guilherme Boulos e Luiza Erundina (PSOL) a prefeito e vice de São Paulo, no dia 5 de setembro de 2020, em um campo de futebol na zona sul de São Paulo.
Convenção do PSOL que oficializou a candidatura de Guilherme Boulos, em um campo de futebol na zona sul da capital - Reprodução - 5.set.2020/Twitter @guilhermeboulos

Líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto), Boulos ganhou concorrência nesse terreno nos últimos meses com a disposição do oponente em debater o uso de imóveis abandonados na região central para atender à demanda por habitação.

A "reabilitação de edifícios vazios ou subutilizados nas áreas centrais da cidade para as famílias de baixa renda" foi listada no site de Tatto como uma de suas principais propostas para o tópico.

Assim como o oponente, o candidato do PT tem feito a defesa da função social da propriedade para justificar a destinação de prédios já existentes para os sem-teto.

Associado pejorativamente à figura do invasor, Boulos fala em aproveitar a campanha para desmistificar a atuação do movimento de moradia e defender que "o MTST nunca invadiu a casa de ninguém".

Em outra jogada de aproximação entre as duas campanhas, o PT quase encaixou na vice de Tatto uma ativista ligada ao movimento de moradia, o que adicionaria peso simbólico na disputa com a outra chapa.

Graça Xavier, da União dos Movimentos de Moradia, e Carmen Silva, do Movimento Sem Teto do Centro, foram cotadas para a vaga, mas acabaram descartadas —a primeira por um empecilho jurídico e a segunda porque preferiu ser candidata a vereadora.

A legenda queria preencher a vaga com uma mulher, preferencialmente negra (caso das duas), mas, depois de inúmeras sondagens infrutíferas, optou pelo deputado federal Carlos Zarattini (PT).

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O ex-prefeito Fernando Haddad e o candidato a prefeito Jilmar Tatto na convenção do PT em uma laje na zona sul da capital - Filipe Araújo - 12.set.2020/Divulgação

Em 2013, Tatto e Boulos já faziam um enfrentamento indireto, em diferentes lados da catraca, sobre uma política de passe livre. O petista era secretário municipal de Transportes da gestão Fernando Haddad (PT) quando eclodiram os protestos pela redução das tarifas.

O então ativista estava próximo de jovens ligados ao Movimento Passe Livre, indutor das primeiras manifestações.

Agora, os dois se sobrepõem nessa pauta, com argumentos semelhantes para justificar o benefício —ambos defendem uma implementação por etapas, até se universalizar a tarifa zero.

"O transporte é um direito social constitucional [...], tal como a saúde e educação", diz o texto com as propostas do PSOL, que promete lutar "com força para que o princípio constitucional se concretize tal como o SUS, que é gratuito".

Em uma postagem de agosto, o candidato do PT afirmou, ao encampar a causa: "Tarifa zero: se a educação é pública, gratuita e universal, o transporte também tem que ser".

Outro ponto de contato entre as candidaturas reside na defesa de um programa de renda básica, uma bandeira histórica do vereador e ex-senador Eduardo Suplicy (PT).

Os dois aspirantes a prefeito dizem categoricamente que vão implementar o sistema se forem eleitos.

Aliados de Boulos rechaçam a ideia de suposta exclusividade do partido de Suplicy sobre o assunto e lembram que, com a pandemia de Covid-19, a agenda passou a ser apoiada com vigor também por liberais e representantes da direita.

Boulos tem reiterado seu respeito ao candidato do PT e ao partido, ao mesmo tempo que Tatto reconhece a boa relação do adversário com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e diz que eles têm inimigos comuns: as gestões do PSDB no estado e o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Uma ex-petista, a deputada federal Luiza Erundina (hoje no PSOL), é a vice de Boulos e terá legados seus como prefeita da capital (1989-1992) exaltados indiretamente por Tatto.

Ambos protagonizam também uma espécie de guerra das estrelas, na busca por declarações de apoio de artistas e personalidades.

Boulos recebeu o endosso de Caetano Veloso, Chico Buarque e intelectuais ligados historicamente ao PT. Tatto obteve a assinatura de nomes como Sérgio Mamberti, Ailton Graça e Celso Frateschi.

Procurados pela Folha, porta-vozes das campanhas afastam a possibilidade de mal-estar entre os dois concorrentes e reafirmam ter legitimidade para empunhar as bandeiras.

"Nossa campanha é construída com movimentos sociais que atuam há décadas em São Paulo. É essa trajetória, essa experiência, aliada à de Boulos e à de Erundina, que vamos levar para as eleições", diz Josué Rocha, coordenador da pré-campanha do PSOL.

"Temos a convicção de que somos a candidatura com mais condições de evitar um segundo turno 'BolsoDoria' em São Paulo", afirma, em alusão à dobradinha que o governador João Doria (PSDB) fez em 2018 ao buscar o voto dos eleitores de Bolsonaro.

Em uma sutil estocada, o coordenador afirmou que o diferencial da plataforma do PSOL é prezar a participação popular, "como Erundina fez quando foi prefeita, e nenhum outro governo, mesmo de esquerda, fez [depois], chamando o povo para governar".

Tanto Rocha quanto o coordenador de comunicação da pré-campanha de Tatto, José Américo, afirmam que o desafio conjunto é derrotar os representantes de Doria e Bolsonaro na disputa, que dizem ser o prefeito Bruno Covas (PSDB) e o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos).

"Não tem esse nível de rivalidade [com Boulos]", diz Américo. "O PT tem primazia sobre uma série de políticas, mas não significa que a gente seja dono delas. O fato de o Boulos levantá-las é importante também", completa o deputado estadual.

Segundo ele, a campanha de Tatto crescerá com a entrada de Lula e o início da propaganda gratuita no rádio e na TV, além da vantagem de o PT ser, nas palavras dele, um partido enraizado. "Não disputamos com o Boulos. Torcemos que toda a esquerda vá bem, para que o campo se amplie."

A respeito das propostas coincidentes, Américo adota tom mais acirrado. Diz, por exemplo, que falta a Boulos a experiência acumulada na questão da moradia pelo PT, sigla com "uma tradição tanto de criação quanto de execução de políticas para habitação".

Rocha rebate: "Todos os eleitores de São Paulo sabem do compromisso de Boulos, que há 20 anos está na luta por moradia popular. Isso é um compromisso de vida dele, que vai muito além das eleições".

Sobre transporte público, o representante do PSOL diz: "Não é de hoje que defendemos a tarifa zero". E lembra que Erundina tentou implementar o modelo há 30 anos, mas ele foi vetado pela Câmara. "Nós também estivemos nas ruas em defesa da tarifa zero e do passe livre muitas vezes", acrescenta Rocha.

"Isso aí [tarifa zero] é mais nosso, o Boulos está vindo atrás", diverge Américo. "O Jilmar vem falando disso desde o ano passado. Não me lembro de ouvir o Boulos falar. Acho ótimo que esteja também defendendo, mas não é uma coisa que ele descobriu."

Já a renda básica, na visão do representante do PT, é "uma proposta do Suplicy que o Jilmar abraçou". O porta-voz do PSOL prefere não personificar a autoria da ideia e diz que o benefício "é uma necessidade histórica e, com a crise da pandemia, deixou de ser uma urgência para ser uma necessidade".

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