Na periferia de SP, líderes comunitários mobilizam eleitores e atuam como 'puxadores de voto'

Com campanha em meio à pandemia, apoiadores dos postulantes à prefeitura se dividem entre atividades de rua e nas redes sociais

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Danielle Lobato Ira Romão Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

No Itaim Paulista, extremo leste da cidade de São Paulo, Reinaldo Pereira da Silva, 67, é conhecido como Tio King. Vendedor de chás, conselheiro gestor da saúde e líder comunitário ambiental na região, neste ano ele também atua como "puxador de votos" para o candidato à prefeitura Celso Russomanno (Republicanos).

O conselheiro anda pela região para conversar com os moradores e apresentar as propostas, mas a atuação vai além. No WhatsApp, possui lista de transmissão com mais de 1.600 contatos, na qual envia materiais dos candidatos e pede votos —ele apoia ainda um candidato a vereador na região que também é do Republicanos

“Sou o responsável por mobilizar votos. Tenho que passar confiança ao eleitor", afirma Tio King.

A igreja evangélica é outro espaço para angariar votos. Apesar de relatar que não usa o espaço físico do templo, Tio King diz que aproveita as ações sociais para divulgar a campanha para aqueles que recebem cestas básicas.

“Quando estou na casa de Deus, não falo sobre eleições. Aproveito o momento certo. Geralmente é quando vejo a pessoa na rua, vão na minha casa ou nas ações sociais”, diz.

O apoio dele é concorrido. Argumenta que o voto de confiança dele não é no candidato, mas no trabalho que o político já executa na região.

“Quero gente nova no poder. Cerca de 11 candidatos [a vereadores e prefeito] entraram em contato comigo pedindo apoio, mas não senti confiança neles."

Como Tio King, as periferias da capital paulista contam com diversos "puxadores de votos" nesta eleição. Geralmente, líderes comunitários próximos da população que usam sua influência para angariar apoio aos candidatos.

A reportagem ouviu apoiadores de cinco candidatos à prefeitura. Além de Russomanno, Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Márcio França (PSB) e Jilmar Tatto (PT) possuem mobilizadores nas áreas mais pobres da cidade.

Eles são responsáveis por fazer a ponte entre os candidatos e a população, tirar dúvidas e marcar reuniões —algo que ficou mais complicado com a pandemia da Covid-19.

Casado e pai de dois filhos, o eletricista José Edmar de Carvalho, mais conhecido como Pipoca, tem 57 anos. Desde 1994 mora no Jardim Canaã, bairro do Morro Doce (zona norte) e tem feito campanha para Tatto.

Mineiro, Pipoca chegou a São Paulo em 1977. Já no ano seguinte, iniciou a militância na pastoral da juventude, um braço da Igreja Católica. Em 1980, quando ainda morava em Osasco, participou da fundação do PT.

Nas eleições de 2016, chegou a ser candidato a vereador e recebeu 1.995 votos, mas diz que gosta mesmo é de atuar nos bastidores. “Se [Tatto] for eleito, nós [filiados e simpatizantes] já mandamos uma pauta de reivindicações na qual ele se comprometeu que o subprefeito será da região."

O apoio ao partido é voluntário, segundo Pipoca —o mesmo foi dito pelos demais entrevistados à reportagem.

“[Tatto] oi secretário nas duas gestões do PT e acreditamos que será um ótimo prefeito. Temos um papel muito importante que é voltar a governar São Paulo, principalmente para os menos favorecidos”, afirma Pipoca.

A última pesquisa Datafolha mostra Tatto com 4% das intenções de votos, atrás de Boulos (14%) e empatado no limite da margem de erro com França (10%) —o que é considerado improvável.

Nas últimas semanas, líderes comunitários nas periferias se posicionaram a favor do candidato do PSOL.

O advogado Jabes Campos, 62, rejeita a ideia de uma troca de votos do petista para Boulos.

“Boulos é um companheiro, mas é muito pequena a relação dele no território”, afirma Jabes. “Ele circula muito mais na classe média, entre os universitários. Tanto é que todas as ações dele no território são mais pessoas que vêm de fora do que gente que mora no lugar mesmo."

Morador da Brasilândia, na zona norte, e vice-presidente do diretório zonal do PT, ele é um dos responsáveis pela Rede Brasilândia Solidária, formada com coletivos para conter o avanço da Covid-19 na região e dar assistência às famílias mais vulneráveis.

Apesar de o grupo não ter declarado apoio a nenhum nome, pessoalmente Jabes está envolvido na campanha de Tatto. “Com a pandemia, se fizer levantamento de quem está lutando são as entidades sociais, vindas do PT. O partido sempre esteve e está na periferia."

O líder comunitário Gilmar Antonio de Sousa, 56, discorda. Apoiador de Boulos no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, ele diz que nos últimos anos o PT perdeu espaço nos bairros mais pobres por conta dos escândalos de corrupção.

“As periferias foram as mais prejudicadas por falta de investimentos. O partido tinha base nesses locais e achavam que seriam apoiados, mas não é isso que aconteceu”, pondera.

Gilmar não se define como um "puxador de votos". Afirma que atua respondendo a dúvidas. “A gente conversa com o pessoal que nos procura sabendo que sou amigo do Boulos. Não fico pedindo votos. Não trabalho desta forma."

A amizade com Boulos, que também mora no Campo Limpo, dura há mais de uma década, já que Gilmar já atuou no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), entidade da qual Boulos é uma dos líderes nacionais.

No Jabaquara, também na zona sul, quem atua é o conselheiro municipal da pessoa com deficiência Fernando Schramm, 40, que defende França.

Conheceu o candidato quando era governador de São Paulo, em 2018, e é presença confirmada nas agendas na capital. “Ele me chama para fotos e para mostrar a falta de acessibilidade dos espaços."

Com França na prefeitura, Schramm diz que as periferias terão governos pensados a partir dos territórios com o apoio de organizações locais que atuam diretamente com a população, a exemplo de entidades sociais e ONGs.

“As gestões do PSDB enxergam a gente como necessitado de insumos e fraldas, mas com o Márcio [França] a gente pensa em educação e outras áreas, para que as pessoas mais que sobrevivam.”

Enquanto os "puxadores de votos" de vários candidatos criticam a gestão Covas, o prefeito conta com apoiadores que defendem o trabalho do tucano nas periferias.

“Fomos assistidos, recebemos alimentos e outras coisas [na pandemia]”, diz a líder comunitária Marilene Alves Guimarães, 49, moradora do Jardim Nossa Senhora do Carmo (zona leste).

Um dos exemplos citados por ela foi o cartão merenda, recurso financeiro direcionado ao atendimento da alimentação dos estudantes da rede municipal durante a pandemia.

Com reunião presencial de moradores e mensagens nas redes sociais, ela é quem pede votos para o candidato do PSDB na região. O apoio de Marilene ao partido tem cerca de 20 anos. Na conversa, se refere ao prefeito sempre pelo primeiro nome, Bruno.

Para ela, a maior mudança na campanha deste ano foi a Covid-19. “Está sendo bem diferente, bem digital.”

Apesar da polarização no país, Marilene afirma que as ações positivas de Covas na cidade superam as ideias ruins que alguém possa ter do partido. No bairro, cita melhorias nas ruas e uma "zeladoria impecável".

Deise Rosane Santos, 40, líder comunitária em Cidade Tiradentes (zona leste), se reveza em panfletagens, adesivagens e conversas com moradores pedindo votos para o tucano.

Ela tem evitado os encontros presenciais. “A gente faz tudo online pelo WhatsApp, Facebook e redes sociais”, resume. Essa forma de campanha, na avaliação de Deise, "ajudou muito a periferia e as pessoas com trabalho informal".

Apesar dessa presença dos candidatos em diversas periferias, nas duas principais favelas de São Paulo, líderes comunitários veem as candidaturas deste ano com cautela.

A presidente da Unas (Associação dos Moradores de Heliópolis), Antônia Cleide Alves, 56, afirma que não houve mobilização em torno de nenhum nome, apesar das necessidades da comunidade, onde vivem 200 mil moradores.

“Demora de três a quatro meses para ser atendido [na Unidade Básica de Saúde], fazer uma consulta. Precisa ter tempo se for para depender dos serviços”, relata, citando também a necessidade de urbanização, coleta seletiva de lixo e espaços de lazer.

“Infelizmente, o prefeito e nem os candidatos nos ajudaram neste período [de pandemia]. O trabalho está quase parando devido à diminuição de pessoas doando. Então, a princípio, não iremos apoiar ninguém”, afirmou o presidente da Associação de Moradores de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, na zona sul, onde vivem 100 mil pessoas.

Tradicionalmente, os candidatos costumavam ser recebidos na rádio comunitária Nova Paraisópolis para serem sabatinados pelos moradores. Contudo, devido à pandemia e o trabalho para arrecadar alimentos, não há certeza de que as entrevistas ocorrerão neste ano.

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