Descrição de chapéu Folhajus

Plano de cota racial na OAB abre brecha para que negros sigam fora das diretorias

Há receio também de que, mesmo se aprovadas, regras não entrem em vigor nas próximas eleições da entidade

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São Paulo

Ao longo de 2020, o tema das cotas raciais nos quadros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ganhou força por meio de diferentes propostas.

A versão que foi aprovada em comissão especial, no entanto, não explicita reserva de vagas em diretorias da entidade, dando margem para que a presença de profissionais negros nas chapas como um todo ou mesmo na suplência já atenda à obrigatoriedade.

O parecer da comissão é opinativo, já que a decisão caberá aos conselheiros federais, que ainda não apreciaram a questão.

Vale ressaltar que as propostas de cotas não têm relação com o sistema de aprovação no Exame da Ordem (requisito para atuar na advocacia). Elas se referem somente às chapas ou diretorias que comandam a entidade nos estados e nacionalmente.

Autor de uma das propostas, André Luiz de Souza Costa, o único conselheiro federal autodeclarado negro da atual gestão da OAB, pede coerência da entidade que, no passado, defendeu perante o STF (Supremo Tribunal Federal) a constitucionalidade da lei de cotas para o serviço público federal, assim como das cotas no ensino superior, mas que internamente não implementou qualquer política do tipo.

Diferentemente de uma das propostas, que sugere a implementação de cotas de 30% para todos os órgãos da OAB, incluindo cargos de conselheiros federais e estaduais, o texto aprovado na comissão abre brecha para que a reserva de vagas seja considerada para a chapa como um todo. Dessa maneira, ela não implicaria em mudanças nos cargos de diretoria e na composição do Conselho Federal.

Há quem entenda que a proposta aprovada já permite a interpretação de que a norma valeria para cargos de diretoria e no conselho. Entretanto, o fato de não ser evidente e abrir margem para outro entendimento preocupa parte dos ouvidos pela reportagem.

Para Chiara Ramos, cofundadora do coletivo Abayomi Juristas Negras e integrante da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PE, é importante detalhar que a proposta trata de cargos específicos, pois há muitas pessoas que não vão querer ceder espaço.

“Se não colocarmos efetivamente quais cargos que temos que ocupar no sentido de ter um cargo de decisão, vamos ter uma cota simbólica, porque vamos ter pessoas negras ali fazendo uma representatividade simbólica, mas sem poder de decisão."

“Quando estamos falando de questões raciais, a gente tem que ser o mais nítido possível, não podemos deixar espaco para interpretação, porque, se nós deixarmos espaço para interpretação, essa interpretação vai ser feita por uma maioria de homens brancos”, afirma Chiara.

A advogada Claudia Luna, que é presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-SP, diz que a proposta aprovada pela comissão especial já contempla a ocupação de cargos de diretoria, mas ressalta também que quanto mais se detalhar melhor.

“Pensar a advocacia negra dentro da OAB é pensar numa advocacia que está apta e que é capaz de abordar temas com excelência, em áreas como direito tributário, do trabalho, compliance, em qualquer área do direito. É importante que não sejamos reduzidos a comissões de igualdade racial ou comissões de gênero.”

Um ponto considerado positivo entre as advogadas é que a proposta aprovada na comissão fala em paridade de gênero, fazendo uma intersecção entre gênero e raça e garantindo assim a representatividade de advogadas negras.

Outra diferença que está em debate é a proporcionalidade racial em contraposição a cotas fixas de 30%. Com isso, ao invés de um percentual mínimo fixo, as chapas deveriam ter proporcionalidade racial, com base na composição étnica das OABs em cada estado.

Tanto na OAB nacional quanto nas seccionais nos estados, as diretorias são compostas por cinco integrantes —uma cota inferior a 20% acabaria não perfazendo reserva de vaga nas diretorias. O mesmo ocorre com as cadeiras de titulares para o Conselho Federal. São três titulares por estado e três suplentes.

Homem negro, veste terno cinza, grava azul e fala em púlpito. Ao fundo bandeira do Brasil
André Costa, autor da proposta que prevê cota racial de 30% na OAB, inclusive para cargos de direção, é o único conselheiro federal autodeclarado negro da atual gestão da entidade - Arquivo pessoal

Para André Costa, que é autor da proposta que prevê 30% de cotas fixas, elas são importantes para aumentar a participação.

“O percentual mínimo de 30%, e não a proporcionalidade, é uma forma de reparar esse tempo todo que os advogados e advogadas negras não estiveram em cargos de relevância na OAB. Não é só uma questão de representatividade, mas de divisão de poder.”

“A OAB é uma entidade importantíssima, ela indica ministros do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior do Trabalho, indica membros do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público, indica desembargadores federais e estaduais”, completou Costa.

Apesar de não ser uma bandeira nova, até o momento a OAB não conhece a quantidade de advogados e advogadas negras na entidade.

Maria Sylvia de Oliveira, conselheira estadual e presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP, considera positiva a proposta de proporcionalidade.

“O Brasil tem dimensões continentais, tem estado que tem uma população negra bastante reduzida, como Rio Grande do Sul ou Paraná, mas, por outro lado, tem estados em que a maioria é negra, como na Bahia, por exemplo.”

Para driblar o fato de que hoje ainda não há dados da composição da advocacia no país, a proposta de proporcionalidade trouxe uma regra de transição: enquanto a OAB do estado não fizer a atualização cadastral, sob a perspectiva de raça, deve ser aplicada a proporção de 30%, respeitando a paridade de gênero. “Assim podemos forçar que a OAB faça um censo da advocacia”, diz Maria Sylvia.

Além da ideia de cotas raciais, outras 13 propostas foram avaliadas pela comissão especial. Entre elas estão eleições diretas para a diretoria nacional da OAB, voto eletrônico e paridade de gênero —em substituição às cotas de 30%.

A defesa de cotas raciais de no mínimo 30%, levando em conta gênero e raça e vinculando todas as esferas da OAB, inclusive conselhos e diretorias, foi uma das reivindicações da “Carta Aberta de Juristas Negras”, em março de 2020.

O documento foi redigido durante a 3ª Conferência Nacional da Mulher Advogada e traz entre suas pautas a elaboração de um plano nacional de ações afirmativas da advocacia negra.

Apesar de ter sido recebida pelo Conselho Pleno em agosto, a proposta de cotas raciais ainda não foi apreciada. Cabe ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, colocar o tema em pauta. À Folha, ele apontou a pandemia como um dos motivos para a demora, já que as sessões estão sendo virtuais.

Advogadas e advogados ouvidos pela reportagem defendem que uma política de cotas raciais já deve entrar em vigor nas próximas eleições da entidade, marcadas para novembro de 2021 —os pleitos na OAB ocorrem a cada três anos.

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