Bolsonaro, que apoia Lira, pregava independência do governo quando concorreu ao comando da Câmara

Atual presidente da República, nas três ocasiões em que foi candidato, também condenava atuação do Executivo para eleger aliados

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Brasília

Nas três vezes em que tentou se eleger presidente da Câmara, Jair Bolsonaro foi à tribuna da Casa discursar, mesmo sabendo que não tinha chance de vencer a disputa. A mensagem foi a mesma: o cargo tinha de ser ocupado por um parlamentar sem ligações com o governo federal.

"Temos de ser independentes", sustentou Bolsonaro em 2011, quando era deputado federal pelo PP-RJ.

A narrativa daqueles anos se opõe à realidade de hoje. Agora no Palácio do Planalto, Bolsonaro se empenha pessoalmente para conquistar votos para Arthur Lira (PP-AL), líder do centrão.

Como candidato ao comando da Câmara, Bolsonaro também condenou a atuação dos governos para que um aliado fosse eleito.

"Como nós sabemos, o Executivo sempre interferiu nos trabalhos desta Casa, em especial por ocasião das eleições", protestou no discurso de 2017, quando estava no PSC.

Em 2005, Jair Bolsonaro, então deputado federal pelo PP-RJ e candidato à presidência da Câmara, discursa na tribuna do plenário
Em 2005, Jair Bolsonaro, então deputado federal pelo PP-RJ e candidato à presidência da Câmara, discursa na tribuna do plenário - Sérgio Lima - 28.set.2005/Folhapress

Agora Bolsonaro usa a máquina do governo para impulsionar a candidatura de Lira. Dinheiro público, na forma de emenda parlamentar, é usado para ampliar a base de apoio do aliado do Planalto.

É mais um exemplo do contraste entre discursos passados de Bolsonaro e a prática de hoje. Procurado, o Palácio do Planalto não quis comentar o assunto.

Em 2011, com nove votos, Bolsonaro ficou no quarto e último lugar na disputa que reelegeu Marco Maia (PT-RS), que teve 375 votos.

"Não tenho nenhuma ambição. Lamentavelmente, não tenho para oferecer a alguns aqui, que fazem a cabeça de muitos, ministérios, estatais e cargos, mas tenho honradez, coragem e honestidade, como também tem, tenho certeza, a maioria aqui, para levar esta Câmara a uma independência." Foi assim que ele encerrou o pronunciamento de 2011.

Para eleger Lira, Bolsonaro agora usa aqueles mesmos instrumentos. Foi oferecido um ministério ao Republicanos, partido que tem 32 deputados.

Ministros do governo prometem emendas extras a apoiadores de Lira, além de colocarem em jogo cargos em empresas públicas.

A lógica ecoada por Bolsonaro quando candidato ao comando da Câmara era que os deputados precisavam ser presididos por alguém isento ao analisar assuntos de interesse do governo.

"Não temos de ter um presidente para apenas ficar chancelando e buscando aprovar o que o Executivo quer", afirmou o então deputado durante sua campanha à presidência da Câmara em 2017.

Se Lira for eleito, Bolsonaro quer aprovar projetos que agradam a sua base eleitoral, como ampliação das causas excludentes de ilicitude (alívio a punição de policiais que matem em serviço) e a flexibilização do porte e da posse de armas, que não avançaram no Congresso nos primeiros dois anos de mandato.

Lira é hoje o principal representante do centrão, grupo de partidos que se aproximou de Bolsonaro após a liberação de emendas e cargos no governo.

A aliança de siglas como PP, PL e PSD com o governo foi parte da estratégia política para o chefe do Executivo se proteger de ameaças ao cargo, como um eventual processo de impeachment.

Aliados do centrão ganharam postos de comando em órgãos do governo, alguns com orçamento bilionário como o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

Na primeira vez em que concorreu à presidência da Câmara, em 2005, o discurso de Bolsonaro já era aquele mesmo: "Vamos escolher o melhor candidato para presidir a Câmara, em que pese o poder que tem o Executivo de, usando um batalhão de ministros, tentar convencer parlamentares a votar no candidato oficial", que era Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).

Naquele ano, Bolsonaro ficou na quinta e última colocação, com dois votos.

Candidato independente, Severino Cavalcanti (PP-PE) se elegeu, em segundo turno, com 300 votos. Foi a maior derrota até então do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso.

Dez anos depois, em 2015, foi a vez de Dilma Rousseff (PT) também sofrer um revés.

O governo petista tentou bancar a candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP), inclusive com a oferta de cargos públicos a deputados. Venceu, porém, Eduardo Cunha (MDB-RJ), que, mais tarde, deu início ao processo de impeachment de Dilma.

Acusada por Cunha de interferir na eleição daquele ano, a petista teve uma postura de apoio público a Chinaglia mais discreta do que Bolsonaro, que faz campanha aberta a favor de Lira.

Bolsonaro tem cobrado publicamente apoio de deputados, especialmente da bancada ruralista, ao líder do centrão. Nesse contexto, o presidente chegou a dizer a apoiadores, na semana passada, que não comanda o Brasil sozinho.

Ele argumenta que a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), uma das mais influentes do Congresso, tem tido um "tratamento justo e honesto" do governo. Por isso, tem se queixado do voto de nomes da bancada ruralista em Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Maia foi reeleito presidente da Casa em primeiro turno em 2017, última vez em que Bolsonaro concorreu ao cargo, quando ele, mais uma vez, ficou no sexto e último lugar —com quatro votos.

Na ocasião, Bolsonaro afirmou que a Casa vivia uma fase subserviente ao Executivo, então comandado por Michel Temer (MDB). "A Câmara tem de ser ativa, independente e responsável."

Deputado de baixo clero, Bolsonaro discursava na tribuna sem conseguir atrair atenção do plenário. "As minhas chances [de vencer a eleição à presidência da Câmara] só não são menores que daqueles que não são candidatos", disse.

Ele já tinha pretensão política de concorrer à Presidência da República no ano seguinte. A campanha contra Maia foi mais uma plataforma para que Bolsonaro pudesse propagar o discurso antipolítica e ganhar força para a disputa pelo Planalto.

Bolsonaro candidato a presidente da Câmara

Vamos escolher o melhor candidato para presidir a Câmara, em que pese o poder que tem o Executivo de, usando um batalhão de ministros, tentar convencer parlamentares a votar no candidato oficial.

Jair Bolsonaro

em 2005, quando era deputado federal e se candidatou pela primeira vez ao comando da Câmara

Temos de ser independentes. Se viermos a ser, o Brasil ganhará com isso. [...] Não tenho nenhuma ambição. Lamentavelmente, não tenho para oferecer a alguns aqui, que fazem a cabeça de muitos, ministérios, estatais e cargos.

Jair Bolsonaro

em 2011, quando se candidatou pela segunda vez à presidência da Câmara

A Câmara tem de ser ativa, independente e responsável. [...] Não temos de ter um presidente para apenas ficar chancelando e buscando aprovar o que o Executivo quer.

Jair Bolsonaro

em 2017, quando se candidatou pela terceira vez à presidência da Câmara

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