Descrição de chapéu Folhajus STF

Direito ao esquecimento não impede que sociedade tome conhecimento de um fato, diz especialista

Juliana Abrusio, advogada e professora, defende que Supremo reconheça essa tese

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em sua primeira sessão de 2021 nesta quarta-feira (3), o STF (Supremo Tribunal Federal) tratará do chamado direito ao esquecimento.

A advogada Juliana Abrusio, que é diretora do Instituto LGPD e professora da Universidade Mackenzie, defende que o Supremo reconheça a existência desse conceito.

Para ela, tal direito se faz necessário, na sociedade informacional, "para que o indivíduo consiga ter uma forma, um meio de, eventualmente, tirar os estigmas que lhe acompanham para poder continuar a viver em sociedade".

"O direito ao esquecimento, por mais que tenha surgido antes da internet, nunca foi tão premente de ser debatido, porque agora [com a internet] ele traz uma situação de pena perpétua à pessoa."

O caso concreto que o STF julgará envolve a exibição de um episódio do programa televisivo Linha Direta, que reconstituiu um crime mais de 50 anos depois de sua ocorrência.

Os familiares de Aída Curi —jovem que foi violentada e assassinada na década de 50 e cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa à época— pedem uma indenização à TV Globo.

Homens de terno durante julgamento em tribunal, ao lado dos reús, há dois guardas
Os réus Ronaldo Guilherme de Souza Castro (de óculos escuros) e Antonio João de Souza no julgamento, em 1960, do assassinato de Aída Curi, ocorrido dois anos antes - Folhapress

Em sua opinião, o Supremo deveria reconhecer a existência do direito ao esquecimento? Por quê? Sim, o Supremo deveria reconhecer. Eu não estou dizendo que o Supremo deve reconhecer àquele caso concreto [da Aída Curi], mas o Supremo, ao apreciar a matéria, deve enfrentar uma doutrina que é necessária aos tempos contemporâneos, dessa sociedade informacional.

Para reconhecer um direito para que o indivíduo consiga ter uma forma, um meio de, eventualmente, tirar os estigmas que lhe acompanham para poder continuar a viver em sociedade.

Há quem defenda que o que existe na lei hoje não permitiria reconhecer o direito ao esquecimento. Qual sua opinião sobre isso? Eu discordo, pelos princípios que nós temos na lei, o próprio princípio da proteção da vida privada, no artigo 5º da Constituição e, principalmente, a dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é um vetor que deve ser aplicado a todo ordenamento jurídico e que possibilita, sim, que o tribunal aplique a doutrina do direito ao esquecimento.

Um dos argumentos contrários considera que a liberdade de expressão ficará ameaçada, pois informações verdadeiras e lícitas poderão ter sua circulação restringida. Como vê isso? Eu acredito que a liberdade de expressão, ela [já] foi cumprida no direito a esquecimento, o direito ao esquecimento lida com um conteúdo que já cumpriu essa função. Não estamos falando de impedir a circulação de um material. Não estamos falando de impedir que a sociedade tome conhecimento de um fato.

Estamos falando de uma descontextualização. Ela [a informação] já cumpriu esta função. Só que passado um tempo, por uma descontextualização e, justamente porque não se tem mais um interesse de circular essa informação, porque outros fatos aconteceram, é preciso reatualizar o histórico.

Pessoas que foram condenadas, mas já cumpriram a pena, ou que foram vítimas de um crime violento deveriam ter o direito de que tal fato não fosse novamente veiculado pela imprensa? Tem que se analisar o caso concreto. A depender da motivação para reveiculação, do que está novamente se colocando em circulação. Porque há que se preservar o custo que é para a pessoa envolvida lidar com essa sociedade em que as informações são tão facilmente retratadas.

É por isso que não dá para dissociar o direito ao esquecimento da questão dos buscadores. O direito de deslistagem [desindexação] faz parte da doutrina do direito ao esquecimento, não deve ser visto como um direito separado. Ele é uma forma de efetivar o direito ao esquecimento e, melhor ainda, porque não se está retirando totalmente de circulação [a informação].

Uma pessoa que foi condenada, cumpriu a pena, já lidou com isso, já prestou contas ao Estado e ela está sempre sendo resgatada num buscador na primeira página, na segunda página, décadas depois que ela cometeu esse crime. Qual é a chance dessa pessoa continuar a viver?

Não estou falando que tem que tirar da folha de antecedentes, não vão sumir com o processo dele, tudo isso vai continuar na sociedade. O direito ao esquecimento, por mais que tenha surgido antes da internet, nunca foi tão premente de ser debatido, porque agora [com a internet] ele traz uma situação de pena perpétua à pessoa.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.