Para divulgar vacinação, governo Bolsonaro previu merchandising de bolsonaristas e gastos em TVs religiosas

Na TV aberta, Globo, Record e SBT deveriam receber valores semelhantes, apesar da diferença de audiência; Ministério da Saúde diz que seguiu critérios técnicos, e Secom não comenta

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Brasília

O plano de mídia do governo Jair Bolsonaro para os primeiros dois meses da campanha de vacinação contra a Covid-19 previu pagamentos de merchandising a apresentadores bolsonaristas da RedeTV!, gastos com emissoras religiosas superiores a pagamentos a canais fechados e valores semelhantes para Globo, Record e SBT, apesar da discrepância de audiência e alcance.

A Folha obteve uma cópia do plano, referente a veiculações em janeiro, quando começou a vacinação no Brasil, e em fevereiro. O documento foi elaborado para o Ministério da Saúde, que o aprovou.

O plano passou pelo crivo da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), quando ainda era comandada por Fabio Wajngarten, como confirmou o Ministério da Saúde à reportagem. Wajngarten foi demitido do cargo em março.

Na CPI da Covid no Senado, onde prestou depoimento na quarta-feira (12), o ex-secretário foi questionado por diversas vezes sobre ações de comunicação do governo federal na pandemia e sobre iniciativas de publicidade contrárias ao distanciamento social e a favor do chamado tratamento precoce —que inclui drogas sem eficácia comporvada contra a Covid-19, como a cloroquina.

O plano de mídia relacionado à vacinação, com data de 21 de janeiro, previu uma única ação nacional de merchandising, com gastos de R$ 479,3 mil para veiculações ao longo de fevereiro. Foi escolhida, nesse plano, somente a RedeTV!, com merchandising previsto para sete programas de TV.

Um dos donos da emissora, Marcelo de Carvalho, é apoiador fervoroso de Bolsonaro. No depoimento aos senadores, Wajngarten citou o empresário.

O ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro disse ter sido informado por Carvalho sobre a carta da farmacêutica Pfizer, enviada ao governo com manifestação de interesse de venda de vacinas contra a Covid-19 e que permanecia sem resposta.

"Naquela ocasião ele tinha uma apresentadora que era casada com o 'general manager' da Pfizer. 'Fabio, tem uma carta da Pfizer que foi enviada ao governo e não foi respondida'", afirmou no depoimento.

Conforme o plano de mídia do Ministério da Saúde, haveria duas inserções de merchandising no programa de Carvalho, Mega Senha. Os pagamentos citados se referem ao gasto com a TV e ao cachê do apresentador. Nesse caso, o cachê previsto foi de R$ 20 mil.

Outro bolsonarista da RedeTV!, Luís Ernesto Lacombe, também deveria fazer ações de merchandising sobre a vacinação em seu programa, o Opinião No Ar. Foram previstas cinco inserções, conforme o plano de mídia. O cachê foi estabelecido em R$ 20 mil.

A também bolsonarista Luciana Gimenez integrou o plano de mídia do Ministério da Saúde, com três inserções previstas em seu programa, o SuperPop. O cachê à apresentadora seria de R$ 15 mil. O plano listou mais quatro programas da RedeTV! para ações de merchandising.

Nem o Ministério da Saúde nem a emissora confirmaram se as inserções foram feitas e se os pagamentos, efetivados. A reportagem localizou ações do tipo feitas por Lacombe em seu programa.

Segundo o Ministério da Saúde, as inserções foram pensadas a partir de ações semelhantes em veículos regionais.

"Houve uma proposta técnica por parte da agência licitada de ações de merchan regionais, onde foram feitas 385 inserções, e, por não possuir ações de merchan regionais ao vivo, foi formulada uma proposta nacional com os programas de maior audiência da emissora da RedeTV!", disse a pasta, em nota.

A RedeTV! não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre execução do plano e recebimentos do governo. "A RedeTV! não divulga seus contratos comerciais", afirmou.

A campanha de vacinação previu ainda R$ 509,8 mil para inserções em TVs religiosas em janeiro. O valor é superior aos R$ 445,6 mil previstos para emissoras fechadas. O Ministério da Saúde não explicou os critérios para essas previsões do plano de mídia.

Na TV aberta, o gasto previsto com inserções em rede nacional, sem o merchandising na RedeTV!, somou R$ 17 milhões. Para a TV Globo, líder em audiência, o plano previu R$ 5,23 milhões, com veiculações entre janeiro e fevereiro.

O valor é bem próximo do que foi reservado para TV Record e SBT, apesar da menor audiência: R$ 5,21 milhão e R$ 4,78 milhão. Na RedeTV!, por sua vez, o gasto previsto foi de R$ 729,2 mil, além do merchandising.

Os donos de Record e SBT, Edir Macedo e Silvio Santos, respectivamente, são apoiadores de Bolsonaro. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, é casado com a apresentadora Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos. A pasta de Faria passou a abrigar a Secom, antes diretamente vinculada à Presidência.

Segundo o Ministério da Saúde, a distribuição por emissora foi feita com base em critérios técnicos. A pasta afirmou ter levado em conta índices de audiência e afinidade; avaliação de perfil, segmento e cobertura de cada emissora; e pesquisas de audiência feitas num período de seis meses.

Os critérios usados para o fim de janeiro e fevereiro não foram os mesmos usados para março, abril e maio, conforme o ministério. "Para cada mês houve uma nova proposta técnica enviada pela agência licitada."

A pasta afirmou ainda que segue uma instrução normativa de abril de 2018, "que define que as ações de comunicação do governo federal devem ser submetidas para avaliação da Secretaria Especial de Comunicação".

A Secom não respondeu aos questionamentos da reportagem, enviados na tarde de quarta-feira (12).

O SBT, em nota, disse que "não tem autorização para fornecer detalhes e números negociados com seus anunciantes". A TV Record não respondeu à reportagem. Os questionamentos foram enviados na tarde de quarta.

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