Oposição marca novos atos contra Bolsonaro para 24 de julho e busca elevar pressão sobre Lira

Organizações querem que presidente da Câmara abra impeachment e pregam agenda continuada e expandida de protestos

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São Paulo

Movimentos sociais e organizações de esquerda marcaram para 24 de julho, sábado, um novo ato contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), depois de levarem milhares de pessoas às ruas em protestos no dia 29 de maio e no sábado passado (19), em cidades do Brasil e do exterior.

A decisão saiu de uma reunião nesta terça-feira (22) entre líderes da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum de entidades que fizeram os atos anteriores. A bandeira do impeachment será reforçada, com pressão para que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), paute um dos pedidos.

As ações de rua são vistas com cautela por parte dos organizadores em meio à pandemia do coronavírus. O tema foi debatido na reunião desta terça, mas a avaliação geral é a de que foi possível manter a obediência às regras sanitárias nos dois atos anteriores, principalmente o uso de máscara.

Na última semana, houve média de cerca de 2.000 mortos por dia pelo coronavírus Sars-CoV-2. A média diária de novos casos está em torno de 70 mil, o que torna o atual momento um dos piores da pandemia.

As críticas pelo incentivo a aglomerações são rebatidas pelos responsáveis com o argumento de que a ida às ruas se tornou inevitável diante dos problemas do governo e do descaso com a crise de saúde e a compra de imunizantes, assuntos escrutinados pela CPI da Covid, em curso no Senado.

Outra justificativa é a de que os atos se diferenciam daqueles promovidos por bolsonaristas —alguns, como as recentes motociatas, tiveram a presença do presidente—, em que muitos participantes desrespeitam as regras de proteção e distanciamento recomendadas para evitar a disseminação do vírus.

Além da saída de Bolsonaro, as principais pautas da manifestação vão se manter: o pedido de mais vacinas contra a Covid-19 e de auxílio emergencial de R$ 600. A manifestação no sábado coincidiu com a marca de 500 mil mortos pela doença no país, número lembrado em cartazes e discursos.

Lira disse, em entrevista ao jornal O Globo publicada nesta terça-feira, que a cifra de mortos, por si só, não é motivo suficiente para pautar o impeachment do presidente e que falta "circunstância política" para desengavetar um dos 121 pedidos apresentados na Câmara.

Ele indicou que a abertura do processo desorganizaria o país e que Bolsonaro tem base de apoio popular para se contrapor à ameaça de deposição. "O impeachment é feito com circunstâncias, com uma política fiscal desorganizada, uma política econômica troncha. O impeachment é político", afirmou Lira.

Líderes dos protestos querem endossar o superpedido de impeachment que está sendo preparado, em articulação conjunta, por partidos de esquerda e ex-aliados do presidente. O documento deverá apontar mais de 20 tipos de crime contra a lei de responsabilidade.

Os protestos do fim de semana tiveram maior adesão em relação aos de maio. A quantidade de organizações que endossam a iniciativa e o número de cidades com atividades também cresceram.

Segundo o fórum de organizadores, houve no sábado 427 atos em 366 cidades do Brasil, incluindo as 27 capitais, e em 42 cidades do exterior em 17 países, com um público total de 750 mil pessoas.

No mês passado, ainda de acordo com a coordenação, foram ao todo 227 atos, distribuídos em 210 cidades no país e 14 cidades no exterior, com cerca de 420 mil pessoas. ​

Em São Paulo, onde o ato começou por volta das 16h, na avenida Paulista, articuladores comemoraram o aumento do público, estimado por eles em 100 mil pessoas, contra 80 mil na manifestação de maio. Ainda segundo o fórum, a manifestação ocupou 12 quarteirões, contra 10 na vez anterior.

A Campanha Fora Bolsonaro agrupa frentes como a Povo sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, que reúnem centenas de entidades, entre elas MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), UNE (União Nacional dos Estudantes), CMP (Central de Movimentos Populares) e Uneafro Brasil.

Partidos de esquerda também integram a campanha. O PT, que apoiou com mais afinco na véspera o ato anterior, decidiu entrar para valer na mobilização de junho. PSOL, PC do B, PCB, UP, PCO e PSTU, legendas que já estavam participando ativamente da articulação, continuam envolvidas.

O Cidadania, que se considera de centro, também declarou apoio à manifestação do fim de semana. O presidente nacional do partido, Roberto Freire, esteve no protesto em Brasília e defendeu a ampliação ideológica dos atos, sob a justificativa de que só uma coalizão terá força para derrubar Bolsonaro.

Siglas como PSB, PDT e Rede Sustentabilidade adotaram, institucionalmente, posição mais cautelosa —dizendo que não estimulam a formação de aglomerações—, mas sem proibir a presença de seus quadros. Com isso, núcleos e seções regionais desses três partidos decidiram se juntar às manifestações.

Partidos de oposição a Bolsonaro mais à direita ignoraram o tema ou simplesmente deixaram a decisão a critério de cada filiado ou corrente interna.

Para parte dos organizadores ouvida pela Folha, a mobilização anti-Bolsonaro tem vias para se expandir, seja pela crescente indignação com ações negacionistas do presidente ou seja pelo esperado aumento do percentual de vacinados nos próximos meses.

Mas, principalmente, a avaliação é a de que a mobilização só deixará de representar apenas um desgaste para Bolsonaro e se tornará uma pressão efetiva sobre Lira se houver apoio das forças de centro e de direita que fazem oposição ao presidente. A adesão, por ora, esbarra em entraves.

Na reunião desta terça, os organizadores defenderam uma agenda continuada e expandida de atos contra Bolsonaro, com o objetivo de difundir a mobilização entre a população mais pobre e atrair setores mais populares aos próximos atos de rua, marcados pela frequência da classe média e de militantes.

Em nota, a campanha afirmou incentivar "outras atividades, como paralisações de categorias do mundo do trabalho, ações nas periferias e grandes centros, além de iniciativas para aumentar a capilaridade em um número maior de cidades organizadas".

João Paulo Rodrigues, membro da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da frente Brasil Popular, disse ao Painel que a ideia é conversar com partidos que preparam um novo pedido de impeachment unificado e com centrais sindicais, "que cumprem um papel importante para o processo de massificação, para envolver as categorias da classe trabalhadora".

Bolsonaro ironiza manifestação e cita 'petralhas' e mortadela

A reação do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, assim como no protesto anterior, foi a de minimizar a dimensão da mobilização e, desta vez, de apontar episódios de violência para deslegitimá-la. A estratégia é converter as manifestações "fora, Bolsonaro" em atos "pró-Lula".

O clima foi pacífico nas mobilizações, mas na capital paulista houve um episódio isolado de vandalismo na parte final da passeata, quando os participantes se dirigiram para a dispersão. Uma agência bancária teve o vidro quebrado por um grupo de pessoas.

Elas ainda fizeram a inscrição "fora, milicos" com tinta spray e pintaram símbolos dos movimentos feminista e antifascista nas paredes. O grupo também pichou outras lojas e pôs fogo em sacos de lixo e pedaços de madeira, mas os focos de incêndio não prosperaram.

Em uma rede social, Bolsonaro usou o vídeo de um protesto feito por um pequeno grupo de pessoas em Paranaguá (PR) para ironizar as manifestações.

“Manifestação contra Bolsonaro fecha rua e paralisa o centro de Paranaguá”, escreveu. O vídeo mostra um grupo de oito pessoas caminhando sob a chuva, com uma faixa que traz a mensagem “Fora Bolsonaro! Vacina para todos já! Auxílio emergencial de R$ 600”.

Como mostrou a Folha, o Palácio do Planalto avaliou as manifestações como "muito vermelhas" e quer usar a partidarização dos atos para reforçar a ideia de que quem está indo às ruas é, mais do que contra o governo, a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). ​

Bolsonaro aproveitou a interação com apoiadores na frente do Palácio da Alvorada na manhã desta segunda-feira (21) para associar as passeatas de sábado em todo o país aos "petralhas", como apoiadores do PT são pejorativamente chamados por adversários.

O presidente também relacionou os manifestantes ao consumo de mortadela, embutido que recheia sanduíches e que passou a ser vinculado a uma espécie de pagamento dado a participantes de protestos de esquerda.

"Eu acho que eu vou acabar com as manifestações dos petralhas. Comam mortadela, pessoal, faz bem à saúde. Comam mortadela, que faz bem à saúde. Vai acabar com as manifestações. Entendeu a jogada? Porque tudo que eu apoio é o contrário, então, estou apoiando agora o consumo de mortadela no Brasil", disse.

O presidente também se referiu pejorativamente a Lula e afirmou que o petista só vencerá a eleição em 2022 se houver fraude eleitoral. "Só na fraude o 'nove dedos' volta", afirmou ele, que defende a adoção do voto impresso nas eleições do ano que vem e faz ameaças relacionadas ao assunto.

Para não inflar o caráter eleitoral das manifestações, que emerge em faixas e cantos pró-Lula, o ex-presidente decidiu não comparecer às passeatas, após ter cogitado participar delas. O petista, porém, incentivou apoiadores a irem às ruas.

Os atos contaram com a participação de outros membros do PT e de aliados, como o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), a presidente nacional do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), e os deputados federais Benedita da Silva (PT-RJ) e Pedro Uczai (PT-SC).

Também estiveram nos atos os deputados federais Jandira Feghali (PC do B-RJ), Orlando Silva (PC do B-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), além do pré-candidato a governador de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) e o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros.

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