Descrição de chapéu ameaça autoritária internet

Menções ao ato bolsonarista do dia 7 explodem nas redes e trocam ataque ao STF por mote da liberdade

Análise da Quaest mostra atividades de mais de 100 mil perfis e confluência de pautas com 'componentes claros de coordenação'

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São Paulo

As menções nas redes sociais às manifestações favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro no 7 de Setembro dispararam e confirmaram um movimento para dar verniz democrático aos atos de origem golpista, com a pauta contra o STF (Supremo Tribunal Federal) perdendo espaço para o mote da liberdade.

Monitoramento da consultoria Quaest entre 22 de julho e a quinta-feira passada (26) mostra que as citações em apoio aos atos explodiram no início de agosto, depois que Bolsonaro começou a convocar os seguidores e indicou que compareceria. São Paulo e Brasília deverão ser os principais palcos.

As referências à mobilização nas plataformas Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e Google passaram de 171 mil na segunda semana de agosto para 712 mil na semana seguinte, o pico do período observado. Na semana passada, até quinta, foram mais de 618 mil menções, vindas de 100 mil perfis.

A análise demonstra também a estratégia bolsonarista de substituir lemas de viés anticonstitucional e autoritário vistos em protestos anteriores, com ameaças ao STF e a ministros da corte, pelo discurso de defesa da liberdade, que se tornou central na divulgação do ato.

Mensagens que expressavam críticas ao Supremo chegaram a representar 33% do volume de menções na terceira semana de agosto, quando a bandeira da liberdade estava presente em 51% das postagens.

Na semana seguinte, o cenário se alterou: as referências ao tribunal caíram para 21% do total, enquanto as alusões a liberdade passaram a dominar o debate, respondendo por 63% de todos os conteúdos atrelados à data que circulavam nas redes.

A redução nas menções ao STF coincidiu com a formalização do pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. No dia 20, quando Bolsonaro ingressou com a ação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sinalizou que ela não prosperaria. Ele rejeitou o pleito na quarta (25).

Como mostrou a Folha, convocações que são difundidas em grupos bolsonaristas e falas públicas de líderes dos atos têm aconselhado os participantes a deixarem de lado demandas inconstitucionais e antidemocráticas, como fechamento do STF e do Congresso e apelo por intervenção militar.

A ordem é defender causas como Estado democrático de Direito, direito à livre expressão e respeito à Carta Magna, sob a retórica de que são os outros Poderes que as descumprem, não o Executivo.

De acordo com o levantamento da Quaest, outras bandeiras mencionadas pelo bolsonarismo em associação com a ida às ruas no Dia da Independência têm baixo peso no volume total.

São temas laterais o voto impresso —que foi derrubado pelo Congresso, mas serviu de combustível para a escalada autoritária e ensejou a ameaça de Bolsonaro à realização das eleições de 2022—, o combate ao comunismo e os ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A defesa do comprovante de papel nas urnas eletrônicas tinha peso até a última semana de julho. Na ocasião, o número absoluto de mensagens ainda estava baixo, e a questão foi tema de 67% das postagens. Na semana passada, contudo, o percentual caiu para 8%.

Pela análise da consultoria, também é possível ver que dois personagens do universo político que estão na raiz do levante bolsonarista lideram o ranking de termos mais utilizados para reforçar a mobilização.

O cantor Sérgio Reis, que foi alvo de uma operação da Polícia Federal após gravações dele insuflando ações violentas para o dia 7, acumulou 49 mil menções no período. Os mandados de busca e apreensão contra ele e outros bolsonaristas partiram da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Alexandre de Moraes foi o segundo termo mais citado, com 47 mil menções. O magistrado, que autorizou a ação da PGR, é um dos integrantes do STF fustigados pelos bolsonaristas, ao lado de Luís Roberto Barroso.

A lista das expressões usadas com maior frequência tem ainda variações de: manifestações do dia 7, avenida Paulista, povo brasileiro e presidente Bolsonaro. Em menor número, aparecem alusões a: verde e amarelo, Polícia Militar, pedido de impeachment e "oração e jejum".

Entre as hashtags preferidas, #dia07vaisergigante é a que encabeça o ranking elaborado pela Quaest, com mais de 446 mil menções, seguida por #stfrompeuademocracia (27 mil) e #bolsonaroorgulhodobrasil (21 mil).

O estudo identificou ainda a origem geográfica das mensagens, o que permite notar que São Paulo (32%), Rio de Janeiro (18%) e Minas Gerais (9%) são os três estados com maior quantidade de postagens. O Distrito Federal está em 7º lugar, com 4%.

Para o cientista político Felipe Nunes, que é diretor da Quaest e responsável pelo relatório, salta aos olhos a disparada no número de citações aos atos nas duas últimas semanas de agosto. Desde o início do levantamento, na terceira semana de julho, as menções já ultrapassaram a marca de 1,6 milhão.

Segundo ele, que é professor na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o levantamento foi feito a partir de postagens sobre o tema feitas pelos usuários de maneira geral, e não só por simpatizantes do presidente. Depois, os dados foram agrupados e classificados para revelarem as tendências.

A empresa afirma ainda descartar da análise perfis classificados como automatizados, os conhecidos robôs. São desconsideradas páginas que apresentem padrão de comportamento discrepante da média (que postam ou curtem demais, ou só publicam conteúdo muito semelhante).

A consultoria também divulga periodicamente o Índice de Popularidade Digital (IPD), que acompanha o desempenho virtual de atores do cenário político e pré-candidatos para as eleições de 2022.

"Entre os que estão mobilizando para o ato, fica nítida a mudança de foco. Antes a pauta contrária ao STF e a defesa de liberdade apareciam em proporções semelhantes, mas depois da terceira semana de agosto houve uma confluência maior para o segundo tema", diz Nunes.

Na visão do especialista em pesquisas de opinião e redes sociais, a guinada indica "componentes claros de coordenação", ou seja, um direcionamento para a mudança de foco. "Senão, as menções deveriam ser mais aleatórias. E não existem vários temas misturados, são bastante coincidentes."

Nunes avalia Bolsonaro como "um ator fundamental nesse processo" de agitação e orquestração, a partir de gestos como o anúncio de que irá às concentrações na avenida Paulista e na Esplanada dos Ministérios e suas declarações que orientam o foco da vez nas batalhas ideológicas do governo.

"Ao longo do tempo, está aumentando a mobilização em torno do ato, cada vez menos contra o STF e cada vez mais a favor do que eles resumem como liberdade. Pelo comportamento nas redes, parece que a manifestação vai ser maior do que outras recentes", afirma o pesquisador.

Além da dimensão que se anuncia, autoridades federais e governadores estão preocupados com a defesa de uma agenda radical nas ruas no dia 7 e a possível participação de pessoas armadas, principalmente agentes aposentados e da ativa das Polícias Militares.

A convocação une setores que ajudaram a levar Bolsonaro ao poder em 2018, como evangélicos, ruralistas, policiais e caminhoneiros. O receio é o de que os atos deem vazão a tendências golpistas do mandatário.

No sábado (28), o presidente disse que não deseja dar golpe ou causar ruptura, mas que "tudo tem limite". Em discurso para evangélicos, incentivou a ida às manifestações e afirmou esperar que outros Poderes "não queiram tomar medidas para conter esse movimento".

Ele também falou nos últimos dias que as manifestações serão para "pedir liberdade", já que o país está sendo "sufocado por uma minoria". Apoiadores dizem que o Judiciário tolhe o direito à livre expressão dos conservadores no país e extrapola suas funções com perseguição ao presidente e a aliados.

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