Descrição de chapéu Folhajus ameaça autoritária

Atos bolsonaristas no 7 de Setembro desafiam autoridades entre coibir ou tolerar pautas golpistas

Ministério Público de SP diz que teor antidemocrático deve ser punido, mas especialistas em liberdade de expressão discordam

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São Paulo

A possibilidade de punição para mensagens de teor golpista e anticonstitucional que apareçam nos atos bolsonaristas de 7 de Setembro representa um desafio para autoridades, que precisam se equilibrar entre os princípios de liberdade de expressão e de estabilidade democrática previstos na Constituição.

O ambiente institucional conflagrado, em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ameaça uma ruptura enquanto inflama seguidores a irem às ruas no Dia da Independência manifestarem apoio a ele e a pautas como ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), complica o debate sobre limites de atuação.

Em São Paulo, onde apoiadores querem fazer da avenida Paulista o principal palco da mobilização, inclusive com a presença prevista de Bolsonaro, o Ministério Público Estadual diz que protestos de teor antidemocrático devem ser punidos, algo de que especialistas em liberdade de expressão discordam.

Protesto de apoiadores do governo Bolsonaro na avenida Paulista, em maio - Mathilde Missioneiro - 1º.mai.21/Folhapress

Por outro lado, a Polícia Militar, que acompanha atos de rua e é responsável por identificar abusos e eventualmente intervir, está sob forte tensão.

Como é esperada a participação nos atos de membros das forças de segurança e o bolsonarismo goza da simpatia de uma parcela dos agentes, há dúvidas sobre uma atuação enfática se for necessária alguma medida de orientação ou repressão.

Em outra face da discussão, o direito constitucional de manifestação tem sido lembrado depois que a gestão João Doria (PSDB) proibiu qualquer ato com pauta antagônica à do bolsonarismo no dia 7 no estado de São Paulo. A medida afeta a oposição à esquerda, que tem protesto marcado para a data.

À Folha o procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, que chefia o Ministério Público de São Paulo, afirma que "a simples manifestação pedindo golpe já é um movimento que contraria princípios da Constituição e do Estado democrático de Direito". ​

Segundo ele, o MP age para garantir o direito à manifestação e para que "as pessoas possam se expressar sem que sejam vítimas de violência". No entanto, os movimentos por ruptura democrática, na visão do procurador-geral de Justiça, "sempre violam a Constituição".

Sarrubbo defendeu "investigar eventuais organizações" que estejam promovendo atos antidemocráticos, na mesma linha da atuação do STF, que tem fechado o cerco a aliados do presidente.

"Não obstante a liberdade de manifestação, defender um golpe militar é pedir a quebra do status constitucional. Isso está fora do sistema legal e cabem providências do sistema de Justiça. O caminho para mudanças na Constituição passa pelo Congresso Nacional", diz Sarrubbo.

"Sempre será nosso dever recomendar que manifestações pela violação da democracia não aconteçam. Não podem ser admitidas", completa. Um caminho para evitá-las seria por meio do diálogo —não houve notícia, entretanto, de iniciativa específica do gênero.

Uma proibição desses atos é rechaçada por especialistas da área jurídica consultados pela Folha, por violar os direitos de expressão e de manifestação. Na avaliação de Sarrubbo, só é possível constatar o teor antidemocrático quando o protesto está em curso, e não de antemão.

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Pedidos explícitos de golpe militar e defesa de atos de violência contra opositores da esquerda não são novidade nos protestos de apoio a Bolsonaro. Questionado sobre a falta de atuação do MP em relação a atos passados, Sarrubbo afirmou que não abriu inquéritos porque o STF se encarregou do tema.

Além disso, o procurador-geral de Justiça lembra que cabe ao Ministério Público Federal atuar em casos de ameaça à democracia que se enquadrem na Lei de Segurança Nacionalrevogada pelo Congresso neste mês. No lugar da LSN, foram aprovados os crimes contra o Estado democrático de Direito —o texto ainda está pendente de sanção presidencial.

"Não houve necessidade de providência prática porque houve providências no âmbito federal. Mas, em havendo desta feita, nós tomaremos", diz Sarrubbo. "Estamos atentos a todos os movimentos que antecedem as manifestações", completa, afirmando esperar atos pacíficos e dentro das regras.

Como mostrou a Folha, as convocações para a data substituíram palavras de ordem com mensagens anticonstitucionais e autoritárias por termos que dão um verniz democrático às marchas do dia 7. A estratégia difere da adotada em ocasiões anteriores, com tom mais radical e agressivo.

Em vez de motes como o fechamento do STF e o apelo por intervenção militar, a orientação desta vez é para que participantes defendam bandeiras como liberdade, direito de livre expressão e respeito à Carta Magna, sob a retórica de que são outros Poderes, não o Executivo, que as descumprem.

Apesar da recomendação de maquiagem da pauta, simpatizantes do presidente têm insistido, em redes sociais e grupos em aplicativos de mensagens, nas causas de teor golpista e violento, o que indica grandes chances de que essas mensagens estampem cartazes e apareçam em discursos.

No ano passado, o Ministério Público de São Paulo chegou a recomendar que policiais apreendessem faixas de caráter antidemocrático nos atos e dialogassem com manifestantes para coibir palavras de ordem golpistas, com a ressalva de que isso fosse feito se as condições permitissem e evitando tumulto.

A Polícia Militar tem ignorado a recomendação a cada evento pró-Bolsonaro. Questionada pela Folha sobre o protocolo para o dia 7, a corporação afirmou que o regramento ainda não está finalizado.

​"As forças de segurança estaduais, como de praxe, atuarão durante toda e qualquer manifestação de forma a garantir a segurança da população, preservar o patrimônio e os direitos de todos, cumprindo e fazendo cumprir a legislação vigente", diz em nota a SSP (Secretaria da Segurança Pública de SP).

"Ante qualquer ato ou ação contrária às leis, as devidas medidas jurídicas e administrativas, quando necessárias, serão adotadas em desfavor dos autores", completa.

A SSP justificou a decisão de vetar atos críticos a Bolsonaro em todo o estado no dia 7 com a avaliação de que há "elevado potencial de conflitos entre grupos antagônicos" e "risco à integridade física de manifestantes e populares". Doria endossou a medida, que tem sido confrontada.

Uma decisão judicial em vigor na capital impede que grupos ideológicos rivais ocupem a avenida Paulista em um mesmo dia, mas não estende o veto a outros locais. Em despacho na sexta-feira (27), o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Fazenda Pública da Capital, reiterou o entendimento.

Movimentos e partidos de esquerda agrupados na Campanha Fora Bolsonaro foram à Justiça na sexta apontar inconstitucionalidade e reivindicar o direito de fazerem a manifestação no vale do Anhangabaú. O caso ainda não foi julgado.

Sarrubbo disse à Folha que o MP “de preferência trabalha com a ideia de que as manifestações ocorram em dias diferentes” por segurança. Ele sugere tentar convencer a oposição disso.

Além das já habituais falas de caráter autoritário nos atos bolsonaristas, outro desafio para as autoridades em relação ao 7 de Setembro é a anunciada presença de policiais —não só aposentados, mas também da ativa. A manifestação política de militares da ativa é passível de punição.

Não está claro como a PM agirá nesse caso. Há entre políticos bolsonaristas de origem militar ouvidos pela Folha desde a aposta de que o governo tentará identificar militares manifestantes via policiais infiltrados ou por meio de câmeras até a expectativa de que não seja aplicada punição alguma, visto que esses políticos defendem não haver irregularidade no fato de um policial de folga comparecer.

Policiais consultados pela reportagem minimizaram a chance de confusão e afirmaram que a presença de militares no protesto traz mais ordem e segurança —apesar de admitirem que alguns desses servidores possam estar armados na multidão.

A militarização do protesto é algo que preocupa não só autoridades do Executivo, mas também o Ministério Público.

A Promotoria abriu investigação para apurar se o coronel Aleksander Lacerda, que comandava sete batalhões na região de Sorocaba e foi afastado, e o coronel da reserva Ricardo Augusto Araújo, diretor do Ceagesp, cometeram improbidade administrativa ao convocarem para o ato pró-Bolsonaro.

Além disso, os promotores da Justiça Militar pediram, na quarta-feira (25), que a PM compartilhe a investigação a respeito de Lacerda. De acordo com Sarrubbo, ele será denunciado se houver entendimento de que praticou crime militar.

Os promotores solicitaram à PM ainda que "informe se tem realizado apurações de inteligência para detectar a participação de policiais militares da ativa nos atos convocados e se tem programado ações para impedir que policiais militares se valham da condição de militar para participar de ato político-partidário, bem como se utilizem de arma de fogo da corporação nessas ocasiões".

​Em Brasília, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios emitiu um alerta na segunda-feira (23) sobre o dia 7, afirmando que "quaisquer excessos, quer sejam da polícia, quer sejam dos manifestantes, serão apurados e punidos dentro da lei".

A Promotoria de Justiça Militar também requisitou informações ao comando da Polícia Militar do DF quanto à possibilidade de eventuais atos envolvendo integrantes da corporação.

Enquanto o Ministério Público entende que a liberdade de expressão não contempla a apologia da ruptura democrática, especialistas da área do direito veem necessidade de separar um conteúdo antidemocrático levado ao ato e uma ameaça real, ou seja, intenção ou planejamento para execução.

Para haver investigação e punição, dizem, é preciso haver crime —algo que não enxergam em faixas pró-golpe militar, por exemplo. Sob essa ótica, concordam que policiais não devem removê-las.

​Victor Leahy, advogado e pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil da PUC-Rio, diz que o "arcabouço teórico de liberdade de expressão ainda não dispõe de soluções prontas" para os testes e crises atuais.

"O Estado deve evitar a supressão dos direitos fundamentais à crítica e à mobilização cívica com base em generalizações, conveniências ou mesmo especulações a respeito dos riscos envolvidos", diz.

Segundo ele, a liberdade de expressão não protege incitação à violência ou à discriminação ou discurso de ódio. "Caso o poder público apure, com provas, que determinados manifestantes estão extrapolando os contornos de um discurso protegido e enveredando para atos de incitação à violência ou prática de ilegalidades, a restrição estatal será legítima."

Leahy se soma a um alerta do professor de direito Leonardo Rosa, da UFLA (Universidade Federal de Lavras), de que um precedente na investigação de atos antidemocráticos possa ser usado de forma perigosa no futuro.

"Há um grupo de financiamento de oposição às instituições democráticas a ser esclarecido. Mas algumas coisas que esses grupos fazem são lícitas", diz Rosa. "Uma faixa que peça intervenção militar não é uma forma de ameaça, é uma manifestação política legítima."

"Não há contradição em ter uma opinião antidemocrática e ser lícito apresentá-la numa democracia. O limite [para a ação da polícia] fica por conta de atos de violência na rua", acrescenta.

Para o docente, a manifestação política de policiais da ativa não é aceitável. Ele não antevê, contudo, possível confusão no ato. "Há um histórico significativo de a polícia agir com violência sem justificativa, mas a polícia é muito mais tolerante com manifestações da direita do que da esquerda", diz.

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