Entenda potenciais crimes de Bolsonaro nos atos de 7 de Setembro e possíveis consequências

Presidente incorre em crime de responsabilidade ao dizer que iria descumprir decisão de Moraes e ameaçar Fux, dizem especialistas

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São Paulo

Ao escalar mais uma vez a crise institucional no país em manifestações do dia 7 de setembro, em que ameaçou o STF (Supremo Tribunal Federal) e disse que não cumprirá mais ordens judiciais do ministro Alexandre de Moraes, o presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade que podem levar à abertura de processos de impeachment, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

Além dos crimes de responsabilidade, que possuem caráter político e jurídico, o presidente pode ter cometido também crimes comuns, ilícitos eleitorais e ato de improbidade administrativa, na avaliação de parte dos entrevistados.

Entenda quais as possíveis vias de responsabilização para os discursos do presidente.

Quais crimes de responsabilidade podem ser caracterizados pelo discurso de Bolsonaro nos atos do 7 de Setembro? A lei 1.079, de 1950, conhecida como Lei do Impeachment, estabelece em seu artigo 4º que é crime de responsabilidade do presidente da República atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário e também contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

A análise é que Bolsonaro praticou tais condutas ao ameaçar o STF, caso o presidente da corte, Luiz Fux, não tome uma atitude contra o ministro Alexandre de Moraes, e também quando afirmou que não cumprirá decisões de Moraes.

“Ou o chefe desse Poder [Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos", disse o presidente.

"Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais", afirmou o mandatário a manifestantes na avenida Paulista.

“Quando um presidente da República diz que um ministro do STF deve 'se enquadrar' e se dirige a uma multidão de pessoas para afirmar que não cumprirá decisões do STF, ele se opõe ao livre exercício do Poder Judiciário”, diz o professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino.

A advogada criminalista Marina Coelho de Araújo, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), entende que o presidente cometeu crime de responsabilidade ao atentar contra o cumprimento das decisões judiciárias e contra o livre exercício dos Poderes.

“As afirmações de que não cumprirá as decisões do Supremo e de que não sairia do governo, senão morto ou preso, são institucionalmente inadmissíveis na figura do presidente. A Lei do Impeachment contempla exatamente essas situações", diz a criminalista.

Para o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, Bolsonaro praticou ato de improbidade administrativa ao desrespeitar o princípio da lealdade às instituições.

“Ao desafiar descumprir ordem da Suprema Corte ele viola este princípio e por decorrência pratica ato de improbidade”, afirma.

O diretor da USP diz que essa conduta ilegal leva também ao enquadramento na situação prevista no artigo 4º, inciso 5º, da Lei de Crimes de Responsabilidade, que trata de atos contra a probidade na administração.

O que seria preciso para que o impeachment tenha andamento? Mais de 130 pedidos de impeachment de Bolsonaro já foram protocolados na Câmara desde março de 2019. A prerrogativa de receber ou rejeitar as denúncias, entretanto, é privativa do presidente da Casa, cargo exercido pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro.

Caso o chefe da Câmara receba o pedido, é preciso ainda o voto de 342 deputados para que o andamento do processo seja autorizado. A instauração e o julgamento ocorrem no Senado, onde é preciso o voto de 54 dos 81 senadores para que o presidente perca o mandato.

Com uma condenação de Bolsonaro pelo Senado, quem assume a Presidência é o vice, Hamilton Mourão (PRTB).

Já no caso de a chapa Bolsonaro-Mourão vir a ser cassada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em decorrência de uma das ações pendentes de julgamento corte sobre irregularidades na campanha de 2018, o próximo na linha sucessória, em tese, seria Lira.

Há, no entanto, decisão do STF no sentido de que réus não podem ocupar a Presidência, como é o caso de Lira.

Rodolfo Viana, professor de direito constitucional da UFMG, afirma que os processos de impeachment dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff tornaram o processo menos rígido, dependendo apenas da caracterização de uma conduta na Lei do Impeachment e da avaliação política.

“O impeachment acabou se transformando em um mecanismo político lícito, válido, para a destituição de um presidente da República, com critérios mais flexíveis do que antes se supunha quando a Constituição foi promulgada."

Viana afirma que ainda é cedo para dizer se os atos do 7 de Setembro podem pesar contra ou a favor de Bolsonaro no Congresso, mas que já é claro que o impeachment entrou na pauta de discussão de siglas do centrão.

Para Raquel Scalcon, professora de direito penal da FGV Direito SP, a situação de Bolsonaro evidencia que, enquanto o presidente tiver apoio popular, não haverá afastamento.

“Já há razões de sobra, do ponto de vista jurídico, para um impeachment. São vários os crimes de responsabilidade cometidos. Contudo esse processo é jurídico-político e, surpreendentemente, ainda não há suficiente apoio político que permita o impeachment."

Já Bottino afirma que o comportamento reiterado do presidente contra as instituições pode aumentar a pressão para que Lira decida sobre os pedidos e o ônus para o parlamentar, caso siga sem se manifestar.

Qual o potencial crime caso Bolsonaro não cumpra uma decisão futura do Judiciário e de Moraes? Além de caracterizar crime de responsabilidade conforme o artigo 12 da Lei do Impeachment, Raquel Scalcon afirma que ao desrespeitar uma ordem judicial, o presidente também poderia responder pelos crimes de resistência e desobediência, previstos nos artigos 329 e 330 do Código Penal.

“Se isso ocorrer a conduta é gravíssima e dá ensejo a crimes de responsabilidade e crimes comuns”, afirma ela. “O que tornaria urgente e mais do que justificado tanto um processo de impeachment quanto uma denúncia pela PGR.”

Quais crimes comuns Bolsonaro pode ter cometido com os atos do 7 de Setembro? E como seria a responsabilização? Para advogados de direito penal, ao dizer para uma multidão que não cumprirá ordens judiciais, Bolsonaro não só atenta contra a ordem pública como incita e faz apologia do cometimento de crimes. As condutas estão previstas no Código Penal, nos artigos 286 e 287.

O advogado criminalista Marinho Soares considera que com sua fala de que não vai mais cumprir ordens de Moraes, Bolsonaro está incitando o povo a ir contra as instituições estabelecidas pela Constituição. "O que é muito temerário diante da envergadura dele como presidente da República."

"Quando você está dizendo que vai desobedecer e que está falando em nome do povo, você está fazendo uma apologia do crime. Você está enaltecendo o crime, que as pessoas vão de encontro ao que estabelece o ordenamento jurídico penal."

Assim como em outras manifestações, o presidente também promoveu aglomerações e não respeitou determinações de uso de máscara.

Como mostrou a Folha, advogados avaliam que tais práticas podem configurar infração de medida sanitária preventiva, crime previsto no artigo 268 do Código Penal.

Um ponto de menor consenso é se o presidente poderia ser enquadrado no crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas, previsto no artigo 315 do Código Penal.

Para Antonio Santoro, professor de direito processual penal da UFRJ, não havia espaço ou justificativa para emprego de verba pública em atos como estes.

"Porque isso não é uma manifestação do Dia da Independência. É uma manifestação de campanha antecipada, contra a Constituição, contra direitos fundamentais, e especialmente contra o livre exercício do Poder Judiciário."

Ele faz a ressalva, porém, de que seria preciso verificar quais rubricas do Orçamento podem ter sido utilizadas para averiguar o enquadramento penal.

Já Raquel Scalcon afirma ver indícios do crime de peculato, mas reforça que o enquadramento depende da descrição clara do fato examinado e das provas existentes.

Por outro lado, tanto Bottino quanto Viana discordam que haja elementos que possam caracterizar crime pelo fato de Bolsonaro ter utilizado o aparato de segurança presidencial. “O problema não é do custo, mas a que tipo de manifestação ele está indo e que tipo de discurso ele faz”, diz Bottino.

No caso dos crimes comuns, a denúncia contra o presidente pode ser feita somente pelo procurador-geral da República, cargo ocupado por Augusto Aras, que é próximo de Bolsonaro.

E, caso uma denúncia seja apresentada, é preciso o aval de 342 deputados para que o presidente seja julgado pelo STF.

Do ponto de vista eleitoral, Bolsonaro teria cometido irregularidades? Ele poderia ser declarado inelegível pela Justiça Eleitoral? Para Carla Nicolini, advogada eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o ato não se configura como propaganda antecipada, pois ela entende que, para tanto, seria preciso que houvesse pedido explícito de voto.

A Justiça Eleitoral veda a propaganda eleitoral antecipada, que seria aquela realizada antes de 5 de julho em ano eleitoral.

Em junho, o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Goes, entrou com representação contra Bolsonaro por propaganda eleitoral antecipada.

Em uma cerimônia oficial no Pará, o presidente ganhou de presente uma camiseta com a mensagem “É melhor Jair se acostumando. Bolsonaro 2022”, que ele levantou e exibiu para o público depois de ler.

Por outro lado, Nicolini vê que há um possível abuso de poder por parte do presidente e que, no limite, pode levar à sua inelegibilidade nas próximas eleições, por meio de uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije).

Ela afirma que o governante não pode usar recursos públicos para se promover eleitoralmente. "A vinda dele para São Paulo é um ato de campanha, não tem nada a ver com ato de governo."

A advogada explica que um pedido de cassação do registro da chapa, com base no abuso do poder político e econômico e no uso indevido dos meios de comunicação, pode ser feito por partidos políticos e pelo Ministério Público, no ano que vem, a partir do momento em que a chapa é registrada.

Isso não teria relação portanto com a atual chapa, que já é alvo de ações por fatos ocorridos em 2018.

Sobre o abuso de poder, Ricardo Penteado, advogado especializado em direito político e eleitoral e consultor da comissão de direito eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em SP, diz que não há um processo eleitoral em andamento e que é comum ocupantes de cargos políticos fazerem discursos para suas bases, desde que não peçam votos, o que criaria a desigualdade entre os candidatos.

O advogado diz ser gritante que Bolsonaro cometeu crimes na seara comum, mas que “não reconhece de forma alguma competência do TSE em relação às condutas do presidente”. “Inventar que a urna é fraudulenta ou coisas do gênero, pode entrar numa outra esfera de ilicitudes, mas não é ilicitude eleitoral”, diz.

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