Descrição de chapéu Folhajus eleição na oab-sp

Operação da PF que cita advogada de Bolsonaro esquenta disputa pelo comando da OAB-SP

Juíza determinou buscas, apreensões e afastamentos; defensores pedem transparência em apurações

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São Paulo

Uma operação da Polícia Federal que investiga suspeitas de corrupção na seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) estremeceu e causou mal-estar nos bastidores da disputa pela sucessão na presidência da entidade, prevista para novembro.

Uma determinação judicial afastou uma conselheira estadual e um conselheiro federal da ordem, além de determinar buscas e apreensões e acessos a processos disciplinares. A OAB-SP diz que eles já tinham sido afastados.

Há, nos autos, a descrição de um suposto esquema entre advogados para a inclusão de nome na lista sêxtupla para uma vaga de desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo. A advocacia tem direito a um quinto das vagas ao cargo.

Além disso, a apuração detalha suspeitas de tentativa de engavetamento de processos disciplinares no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB-SP.

Um dos processos citados no despacho é relativo a Karina Kufa, advogada do presidente Jair Bolsonaro. À Folha ela disse que não pediu favor a ninguém e que nenhum conselheiro da OAB a pediu benefícios materiais ou favores.

Sede da OAB-SP, no centro de São Paulo
Sede da OAB-SP, no centro de São Paulo - Danilo Verpa - 25.ago.2014/Folhapress

A operação, chamada Ateliê, aconteceu no último dia 16 e foi um desdobramento de outra ação da Polícia Federal, a Biltre, deflagrada em novembro do ano passado. A PF apura supostos "crimes de corrupção, tráfico de influência, advocacia administrativa e associação criminosa" dentro da OAB.

Seis advogados foram alvo de buscas e apreensões na Ateliê. Além disso, houve a determinação de afastamento dos cargos na OAB de dois conselheiros paulistas: Gislaine Caresia, estadual, e Fernando Calza de Salles Freire, federal e corregedor-adjunto da OAB nacional.

Segundo a OAB-SP, eles já estavam afastados desde o fim do ano passado e foi aberta sindicância para apurar suas condutas. Ambos são suspeitos de atuarem como articuladores do esquema de venda de decisões do TED.

As investigações motivaram trocas de acusações entre apoiadores de pré-candidatos à eleição da OAB-SP deste ano.

Abertamente, o pré-candidato Mario de Oliveira Filho é o que tem reiterado mais as críticas. "Nunca vi uma situação tão grave como essa ao longo da minha vida profissional e de política de ordem, com o Tribunal de Ética negociando sentença e venda de vaga pelo quinto constitucional", afirma.

Ele diz que esperava maior protagonismo do presidente da OAB-SP para esclarecer a situação neste momento, e não "notinhas de quatro ou cinco parágrafos".

Enquanto isso, informalmente, integrantes da atual gestão dizem que os advogados afastados tiveram cargos importantes na gestão anterior. Já aliados da cúpula anterior apontam que os eventos investigados dizem respeito à atual gestão.

O atual presidente da OAB-SP é Caio Augusto Silva dos Santos, que deve tentar a reeleição. Seu antecessor é Marcos da Costa, que apoia o pré-candidato Leonardo Sica.

"Espero que a gestão não aguarde as investigações policiais, mas que ela própria promova as averiguações adequadas do ponto administrativo e ético", diz Marcos da Costa.

"Isso não tem a ver com eleição, isso tem a ver com uma entidade que tenha seus procuradores e que se eventualmente alguém sair do caminho correto, deve ser responsabilizado por isso."

Dissidentes da atual gestão, que devem apoiar candidaturas de oposição ao presidente, também divulgaram carta aberta pedindo "transparência total" sobre as apurações.

Nela, disseram que "exatamente por defenderem incondicionalmente o direito de defesa e a presunção de inocência, entendem ser fundamental a tomada de providências institucionais concretas para a investigação interna e esclarecimento pleno de quaisquer situações que possam estar sob suspeita".

As investigações da Ateliê estão sob sigilo, mas a Folha teve acesso ao despacho que autorizou a ação, assinado pela juíza federal Maria Carolina Akel Ayoub.

O inquérito começou a partir dos relatos de um advogado que respondia a mais de 80 ações disciplinares no Tribunal de Ética, por captação ilícita de clientes. Ele afirma que Gislaine Caresia teria solicitado propina de R$ 250 mil para livrá-lo delas e chegou a gravar uma ligação com ela.

Em seu depoimento, ele afirmou que, em uma reunião prévia Gislaine, citou outros conselheiros da OAB-SP.

A Polícia Federal suspeita que nesse e em outros casos Gislaine e o conselheiro federal Fernando Freire atuaram juntos para engavetar as investigações.

Em conversas no celular dela, apreendido no ano passado, um terceiro advogado suspeito de atuar no suposto esquema afirma que quer o apoio dos dois conselheiros para ser indicado à lista sêxtupla para uma vaga de desembargador e que, assim, ele montará "nosso" gabinete no TJ.

"Eu fantasiado de Batman e você de chefe de gabinete com aquele salarinho ruim de 15k que assessô ganha (sic)."

Em seu despacho, a juíza afirmou que isso indica suspeita de que havia "procedimento administrativo previamente ajustado mediante possível tráfico de influência ou corrupção, em troca de uma possível indicação em lista sêxtupla da OAB/SP para compor o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo".

Em um determinado diálogo, Freire diz a Gislene que mandou arquivar um processo disciplinar relativo à advogada Karina Kufa, que defende Bolsonaro e foi uma das articuladoras do partido que o presidente queria criar, a Aliança pelo Brasil.

A juíza determinou que a PF tivesse acesso aos autos dos processos disciplinares dos advogados, inclusive o relativo a Kufa.

Em nota, Kufa diz que "não haveria motivos e nem abertura da minha parte para qualquer ação indevida".

Procurado, o advogado Fernando Freire não se manifestou. A reportagem não conseguiu localizar Gislaine Caresia.

A advogada Karina Kufa - Pedro Ladeira - 15.out.2019/Folhapress

O atual presidente do Tribunal de Ética e Disciplina, Carlos Kauffmann, diz que a OAB-SP esteve com a autoridade policial e forneceu todos os esclarecimentos necessários.

"Não temos nenhum receio acerca do Tribunal de Ética e Disciplina, que está acima de qualquer pessoa, e não podemos impedir ou sonegar qualquer elemento de investigação para que se conclua o que está acontecendo, se é que aconteceu algo", diz Kauffmann à reportagem.

A sindicância sobre o caso está a cargo da Corregedoria da entidade. A OAB-SP afirma que aguarda ter acesso aos autos do inquérito para subsidiar essas apurações administrativas internas.

"Estamos apurando, junto com a autoridade policial, e não vamos ser coniventes com pessoas que não fazem parte desta gestão desde o ano passado", acrescentou Kauffmann.

Além de Caio Augusto, de Mario de Oliveira e de Sica, também são pré-candidatos à presidência da OAB-SP os advogados Dora Cavalcanti e Alfredo Scaff.

Será eleita uma chapa que inclui presidente, vice e tesoureiro, além de conselheiros estaduais efetivos e suplentes e seis conselheiros federais, entre outros cargos.

É a partir da eleição indireta dos conselheiros federais da OAB nos 27 estados e no Distrito Federal que será escolhido o novo presidente nacional da entidade, que toma posse em 2022.

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