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Entenda quais provas da 'rachadinha' contra Flávio Bolsonaro ainda valem

STJ anulou atos de juiz de primeira instância que autorizou medidas cautelares contra investigados

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Rio de Janeiro

A decisão da Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que anulou provas da investigação da "rachadinha" contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) devolveu a apuração ao seu estágio inicial.

Todos os atos realizados com autorização do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, devem ser descartados, de acordo com a decisão.

Contudo, há documentos importantes juntados no início da apuração que permanecem válidos mesmo após a decisão dos ministros do STJ. Eles foram obtidos, em sua maioria, pela equipe do então procurador-geral do Rio, Eduardo Gussem, quando Flávio ainda era deputado estadual. Neste período, o foro foi respeitado.

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O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) participa de cerimônia de recepção aos atletas olímpicos e paralímpicos que participaram das Olimpíadas no Japão, no Palácio no Planalto - Pedro Ladeira - 6.out.2021 / Folhapress

Essas provas ainda válidas também permitem a recuperação de parte das evidências contra o senador e que embasaram a denúncia no caso da "rachadinha". Outras, porém, não podem ser apreendidas de novo.

Flávio foi acusado de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de seus ex-funcionários em benefício próprio. A prática, conhecida como "rachadinha", consiste na exigência feita a assessores parlamentares de entregarem parte de seus salários ao parlamentar.

O filho do presidente foi denunciado à Justiça em novembro de 2020 sob a acusação de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Os promotores de Justiça apontaram o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro e então assessor de Flávio, como operador do esquema.

Segundo a denúncia, a prática ocorria em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde exerceu o mandato de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019. Quando o escândalo veio à tona, no final de 2018, Flávio estava eleito para uma cadeira no Senado.

Após a anulação das provas, a denúncia foi arquivada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O Ministério Público, porém, já manifestou a intenção de manter a investigação do caso em aberto.

O que os ministros decidiram?

Por 4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ entendeu que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, não tinha poderes para supervisionar a investigação contra o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Foi o magistrado que determinou as quebras de sigilos bancário, fiscal e telemático, buscas e apreensões e a prisão de Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro do esquema.

Os ministros determinaram que todas as decisões do magistrado sejam anuladas, o que invalida também as provas obtidas a partir dessa autorização.

O que aconteceu depois disso?

O TJ-RJ arquivou a denúncia atendendo a pedido do próprio Ministério Público. A Promotoria afirmou na petição enviada ao tribunal, porém, que a desistência da acusação não impede a reabertura da investigação do caso, com novo pedido de quebra de sigilo a partir de dados do relatório do Coaf.

"Não há óbice legal à renovação das investigações, inclusive no que diz respeito à geração de novos RIFs, de novo requerimento de afastamento do sigilo fiscal e bancário dos alvos", afirma petição do procurador-geral Luciano Mattos ao TJ-RJ.

Magistrados durante o julgamento que decidiu pelo arquivamento manifestaram acordo com o entendimento do procurador-geral.

"Isso não faz coisa julgada material, como disse a relatora no voto. Não impede o MP reiniciar a investigação com novos elementos de informação e oferecer uma nova denúncia", afirmou o desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio.

Que provas foram anuladas?

Todas as provas obtidas com autorização de Itabaiana foram anuladas.

  • Quebras de sigilos bancário e fiscal

Principais provas da investigação, os dados fiscais e bancários já haviam sido anulados em março pelo STJ. Os ministros consideraram, na ocasião, que a decisão do magistrado de primeira instância não tinha fundamentação suficiente.

Foi a partir dos dados bancários que os investigadores identificaram que Queiroz recebeu depósitos de 12 ex-assessores do hoje senador, que somavam R$ 2,08 milhões.

Esses ex-assessores também sacaram R$ 2,15 milhões, recursos que os promotores afirmam ter sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.

O MP-RJ ainda identificou a partir dos dados bancários um depósito de Queiroz de R$ 25 mil na conta de Fernanda Bolsonaro, uma semana antes de a mulher do senador quitar a entrada de um apartamento adquirido pelo casal.

Os extratos também são relevantes para demonstrar a tese de que o senador fazia seus gastos com dinheiro vivo, já que as contas bancárias do casal não registram pagamentos de impostos e serviços quitados.

Eles apontam depósitos de R$ 159 mil na conta de Flávio sem origem identificada entre 2014 e 2018.

Também estão na quebra de sigilo bancário os registros dos cheques de Queiroz e sua mulher para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que somam R$ 89 mil.

  • Arquivos e mensagens

Itabaiana também foi o responsável por autorizar a busca e apreensão realizada em dezembro de 2019. O resultado da operação, porém, agora se torna nulo em razão da decisão do STJ.

Nas buscas, os agentes recolheram celulares de investigados que continham mensagens que corroboram, para os promotores, o esquema da "rachadinha".

Entre os arquivos há mensagens trocadas pela ex-assessora Luiza Souza Paes e seu pai.

"Agora deu ruim", disse ela em mensagem de áudio ao ver a notícia sobre a movimentação financeira de Queiroz.

Também foi apreendido na casa de Luiza um computador com uma planilha de planejamento financeiro indicando o salário recebido da Alerj como R$ 800, embora seu contracheque fosse mais que o dobro disso no período em que esteve empregada lá.

O MP-RJ aponta o arquivo como mais uma prova de que a ex-assessora retinha apenas uma "mesada" dos vencimentos enquanto repassava a maior parte para Queiroz.

As trocas de mensagens também indicaram, para o MP-RJ, o envolvimento do advogado Frederick Wassef na operação para esconder Queiroz em Atibaia. Os dados mostram conversas da mulher do ex-assessor de Flávio, Márcia Aguiar, descrevendo as limitações impostas ao marido no período em que estava com o "anjo" —como se referiam ao advogado.

  • Documentos

Documentos apreendidos nas buscas também deverão ser descartados. O principal deles é um comprovante de transferência encontrado na casa da ex-assessora Flávia da Silva.

O papel tem uma anotação que indica, segundo o MP-RJ, a retenção de uma "mesada" pela funcionária fantasma enquanto repassava a maior parte a Queiroz.

"Comecei a tirar R$ 1.400", diz a anotação.

Comprovante de transferência de ex-assessora de Flávio a Queiroz na qual, segundo o MP-RJ, ela faz referência ao dinheiro que sobrava para ela: "Comecei a tirar R$ 1.400" - Reprodução
  • Dados telemáticos

Outra importante prova anulada são os dados telemáticos quebrados por autorização de Itabaiana. As informações permitiram que os investigadores mostrassem, a partir do tráfego de dados de antenas, que os ex-assessores de Flávio só usavam seus celulares em locais distantes da Assembleia.

Quais provas ainda estão válidas?

Elementos importantes ainda estão preservados pelas decisões judiciais atualmente em vigor.

  • Relatório do Coaf

O principal deles é o relatório do Coaf que gerou a investigação contra o senador e Queiroz. Ele descreve saques e depósitos na conta do ex-assessor entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 que somam R$ 1,2 milhão.

Os dados já indicavam, na origem da apuração, características do esquema da "rachadinha". Já era possível identificar que os depósitos ocorriam em datas posteriores e próximas ao de pagamento de salários na Alerj. Também é possível ver que Queiroz sacava boa parte do valor que entrava, sugerindo que sua conta era apenas uma passagem.

Há ainda outros cinco relatórios do Coaf com informações adicionais.

  • Mensagens entre Queiroz e ex-mulher de miliciano

Também estão preservadas as mensagens entre Queiroz e Danielle Mendonça da Nóbrega, ex-mulher do miliciano Adriano da Nóbrega, no ano passado.

Elas foram obtidas na Operação Intocáveis, outra investigação que apurava a atuação da milícia em Rio das Pedras, comandada por Adriano. O celular de Danielle foi apreendido na ocasião.

Em março de 2017, Queiroz diz a Danielle que enviará seu informe de rendimentos da Assembleia Legislativa do Rio. Em janeiro de 2018, pede para que a ex-assessora lhe informe a quantia depositada naquele mês para ele "prestar a conta".

Neste período, em 2017 e 2018, os dois também falam sobre envio de cópia da declaração do Imposto de Renda de Danielle para Queiroz.

O MP-RJ avalia que essas mensagens indicam que ela era uma funcionária fantasma com participação na "rachadinha". Além disso, mostraria que Queiroz informava sobre os desvios "a outros integrantes da organização criminosa".​

Adriano Magalhães da Nóbrega é acusado de chefiar grupo de matadores de aluguel - Divulgação / Polícia Civil
  • Confissão de ex-assessor

A confissão de Luiza Souza Paes foi feita após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entender que o caso não deveria ser mais conduzido por Itabaiana. Em razão disso, ela prestou depoimento a promotores que atuavam com autorização do então procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, a quem cabe investigar casos de foro em segunda instância.

Ela confirmou que recebia sem trabalhar e repassava a maior parte de seu salário a Queiroz. A ex-assessora não mencionou o envolvimento do senador no caso.

Luiza esteve lotada por um ano no antigo gabinete do senador e depois foi para a TV Alerj, ligada à presidência da Casa. Por todo o período, repassou os recursos a Queiroz.

  • Versão de Queiroz

A única versão oficial de Queiroz para a movimentação financeira em sua conta bancária também segue válida. Ela foi oferecida espontaneamente ao Ministério Público sem a intervenção de Itabaiana.

Nela, o ex-assessor confirmou que recebia parte do salário de alguns colegas de gabinete. Contudo, disse que o objetivo era, com esse dinheiro, remunerar funcionários informais de Flávio em bases eleitorais. Ele disse que o senador não tinha conhecimento da prática.

  • Imagens de Queiroz

Ainda está preservada uma das poucas provas que vinculam uma movimentação financeira de Fabrício Queiroz em benefício de Flávio Bolsonaro. Trata-se de um vídeo que mostra Queiroz quitando na boca da agência do Itaú na Alerj boletos das mensalidades escolares das filhas do senador, que somavam R$ 6.942, com dinheiro vivo.

As imagens foram solicitadas aos bancos em dezembro de 2018, sem a participação de Itabaiana, quando a apuração ainda era tocada por procuradores do MP-RJ que atuam na segunda instância. Por esse motivo, é baixo o risco de a prova ser afetada pela discussão sobre o foro em que o caso deve correr.

Foram anulados, porém, os dados que vinculavam as imagens à operação financeira em favor de Flávio Bolsonaro. Esses dados mostram que o pagamento, em 1º de outubro de 2018, foi feito em dinheiro vivo. Contudo, essa, como outras provas, podem ser recuperadas

Vídeo de Fabrício Queiroz no banco Itaú em que, segundo o MP-RJ, ele paga uma conta do senador Flávio Bolsonaro com dinheiro da "rachadinha" - Reprodução

Novas provas surgiram depois?

Uma escuta telefônica realizada pela Polícia Civil durante uma investigação contra Adriano, revelada pela Folha, mostrou sua então mulher, Julia Lotufo, afirmando que o senador mantinha a ex-mulher de seu marido como funcionária fantasma em seu gabinete.

Essa prova foi obtida no curso da investigação da Operação Gárgula e não foi afetada pela decisão do STJ.

É possível recuperar o que foi anulado?

O material apreendido em dezembro de 2019 não tem como ser revalidado, como as mensagens de celulares, arquivos e documentos que, para os promotores, corroboram a "rachadinha".

Isso porque exigiria que as evidências fossem devolvidas aos seus donos e apreendidas de novo numa nova operação, com nova decisão judicial. A probabilidade dos investigados resgatarem e manterem provas contra si é considerada nula.

Informações de bancos de dados estáveis, porém, são recuperáveis a partir de nova decisão judicial. Neste caso, o MP-RJ deve pedir a autorização ao Órgão Especial do TJ-RJ, foro definido pelo STJ para o senador.

É possível também pedir quebras de sigilos bancário e fiscal de novo a partir de dados do relatório do Coaf que originou a investigação e outras provas ainda válidas.

Se há possibilidade de recuperar provas, virá nova denúncia?

A recuperação de provas é viável, mas passível de novos questionamentos, o que deve gerar novas discussões processuais que atrasam as investigações e uma eventual ação penal.

A defesa do senador questiona a legalidade da Promotoria solicitar dados que, na prática, já conhece a partir de uma decisão considerada ilegal. O debate deve se arrastar pelo Judiciário caso se opte por essa saída.

Os advogados de Flávio também apontam supostas ilegalidades no relatório do Coaf que originou a investigação. Eles afirmam ter indícios de que dados do documento foram compartilhados de forma irregular pela Receita Federal.

Não há provas das irregularidades, mas a defesa vem tentando buscar evidências para tentar anular o documento que inaugurou a investigação.

Se isso ocorrer, aumentam as dificuldades para retomar a investigação. Restariam apenas as mensagens entre a ex-mulher de Adriano da Nóbrega e Queiroz, bem como as transações imobiliárias com características suspeitas.

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