Bolsonaro, Forças Armadas e TSE têm idas e vindas sobre segurança das urnas; entenda

Tribunal respondeu bateria de perguntas em fevereiro; depois disso houve mais questionamentos, que seguem em sigilo

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São Paulo

​​Na última quarta-feira (27), em meio ao clima de beligerância contra o STF (Supremo Tribunal Federal) que tem alimentado ao longo de seu governo, Jair Bolsonaro (PL) cobrou que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aceite as sugestões das Forças Armadas para o processo eleitoral.

O discurso foi mais um capítulo das idas e vindas do embate do presidente contra a Justiça Eleitoral e que tem tido as Forças Armadas como ator importante desde que elas foram incluídas em comissão do tribunal.

Uma das sugestões, segundo Bolsonaro, seria que os militares acompanhassem a apuração final dos votos, no dia das eleições.

Novas urnas eletrônicas, que serão usadas a partir das eleições de 2022 em parte das seções eleitorais - Abdias Pinheiro/TSE/Divulgação

No ano passado, as Forças Armadas foram convidadas pelo então presidente do TSE, o ministro do STF Luís Roberto Barroso, para participar da CTE (Comissão de Transparência das Eleições).

Nesse contexto, as Forças Armadas fizeram uma série de questionamentos ao TSE e também sugestões, parte das quais ainda estão sob sigilo.

O que sugere a fala de Bolsonaro? O discurso do presidente indica a intenção de utilizar o questionamento à segurança e lisura das eleições para mobilizar sua base.

A contagem dos votos não é secreta e pode ser auditada. Ao final da votação, cada urna imprime boletins com a quantidade de votos de cada candidato, brancos e nulos.

Candidatos, partidos e eleitores podem escanear o QR Code dos boletins nas seções eleitorais para comparar com os dados contabilizados pelo TSE e garantir que não houve manipulação durante a transmissão.

Nesse sentido, fazer uma contagem paralela já é tecnicamente possível no dia das eleições.

Caso a impressão do comprovante do voto tivesse sido aprovada, por exemplo, como ele defendia, isso não alteraria a dinâmica da totalização dos votos.

Foi sugerida uma contagem paralela nos moldes sugeridos por Bolsonaro? Como os últimos questionamentos feitos pelas Forças Armadas estão sob sigilo, não é possível saber ao certo.

Dos documentos já públicos, sejam aqueles com perguntas ou com sugestões, não é possível depreender tal proposta.

Nas palavras de Bolsonaro, a sugestão abarcaria a criação de um duto para enviar os dados recebidos pelo TSE também às Forças Armadas.

"Quando encerra eleições e os dados chegam pela internet, tem um cabo que alimenta a 'sala secreta do TSE'. Dá para acreditar nisso? Sala secreta, onde meia dúzia de técnicos diz 'quem ganhou foi esse'. Uma sugestão é que neste mesmo duto seja feita uma ramificação, um pouco à direita, porque temos um computador também das Forças Armadas para contar os votos", disse Bolsonaro.

​​As Forças Armadas podem fazer sugestões ao TSE? Criada com o objetivo de aumentar a transparência e fiscalização das eleições, a comissão tem integrantes da sociedade civil, academia e de outros órgãos, como da Polícia Federal. Assim como os demais membros, as Forças Armadas foram convidadas a sugerir melhorias ao plano de ação rascunhado pelo tribunal.

Uma das sugestões do representante das Forças Armadas, o general Heber Garcia Portella, era de que propostas adicionais pudessem ser enviadas mesmo após o prazo de 17 de dezembro. O tribunal respondeu que era importante manter o cronograma do plano, mas que eventuais novas propostas poderiam ser analisadas em separado.

O plano de ação final foi aprovado na última segunda-feira (25). Relatório com as sugestões de cada membro, bem como as respostas do tribunal a cada uma delas, veio a público nesta semana.

O que aconteceu nesse meio tempo? Ofícios enviados por Portella ao TSE fizeram barulho nas redes bolsonaristas e foram usados pelo presidente Bolsonaro.

Ao longo dos dez dias que antecediam o prazo para sugestões, o general enviou, ao todo, 48 perguntas e 27 pedidos de documentações.

Em janeiro, Bolsonaro disse mais de uma vez, publicamente, que havia perguntas das Forças Armadas sobre fragilidades da urna eletrônica sem resposta do tribunal.

"E a Defesa agora fez alguns questionamentos ao ministro Barroso, do TSE, sobre fragilidades da urna eletrônica. Estamos aguardando a resposta. Pode ser que ele nos convença. Mas se nós não estivermos errados, pode ter certeza que algo tem que ser mudado no TSE. [...] O Brasil merece eleições limpas e transparentes", disse em 5 de janeiro, ao dar entrevista no hospital em São Paulo, onde esteve internado após uma nova obstrução intestinal.

O TSE respondeu? Em fevereiro, o TSE publicou em seu site documento com as respostas, que também têm sido exploradas pela militância bolsonarista.

Depois da divulgação, novos questionamentos foram feitos pelas Forças Armadas, mas tal documento está sob sigilo. De acordo com o tribunal, ele está sob análise.

Ao cobrar o TSE nesta quarta (27), o presidente afirmou que as sugestões das Forças Armadas seriam a maneira de confiar nas eleições. Algo que ele dizia antes em relação ao voto impresso.

"Todas foram técnicas. Não se fala ali em voto impresso. Não precisamos. Nessas sugestões existe essa maneira, para a gente confiar nas eleições", declarou o mandatário.

O que as Forças Armadas sugeriram primeiramente?

Contagem dos votos
Das sugestões enviadas em dezembro, uma chama atenção em especial. Nela, o general sugere que o sistema atual não permitiria a validação e contagem dos votos.

"Considerando o voto como um direito e um dever inarredáveis de cada cidadão, sugere-se a adoção de medidas que permitam a validação e a contagem de cada voto sufragado, mesmo que, por qualquer motivo, as respectivas mídias ou urnas eletrônicas sejam descartadas", consta em trecho do documento.

Essa posição parece estar conectada com perguntas que constam nos ofícios. Em uma delas, questiona-se se o TSE visualiza uma solução "para superar a possibilidade de perda de voto por falha de mídia eletrônica". O TSE explica que há duas mídias de gravação na urna e que isso minimiza a possibilidade de perda de dados.

Aplicativo "Boletim na mão"
Portella também sugeriu o aperfeiçoamento do aplicativo do tribunal que permite a leitura dos boletins de urna. Uma das sugestões era de que fosse possível armazenar vários boletins, o que o tribunal disse que já acontece. O tema também havia sido tratado nos questionários. O tribunal explicou ainda que a sociedade civil também pode desenvolver seu próprio aplicativo –hoje já existe uma versão além do app do TSE.

Urnas no teste de integridade
Outra sugestão se referia aos parâmetros utilizados pelo tribunal para determinar a amostra de urnas testadas no dia das eleições, no teste de integridade. Tal item também foi tema de parte das perguntas enviadas.

Com o objetivo de demonstrar que o voto digitado é o voto computado, urnas selecionadas por sorteio são retiradas dos locais de votação e participam de uma cerimônia pública. Os votos digitados na urna também são registrados em papel e tudo é gravado em vídeo. Ao final, há uma conferência para ver os números batem.

As urnas testadas eram antes cerca de 100, em dezembro foram duplicadas; e agora passarão a ser cerca de 600. Estatísticos consultados pela Folha também consideraram problemática a forma como o tribunal justificou o aumento.

Outros temas técnicos foram questionados, entre eles:

Código-fonte da urna
Parte das perguntas das Forças Armadas se referia à auditoria do código-fonte. Há questionamento, por exemplo, sobre quais os controles e formas de acompanhamento de que os códigos-fonte fornecidos, auditados e eventualmente corrigidos são aqueles efetivamente utilizados nas eleições

O TSE responde que diferentes cerimônias públicas, de lacração dos códigos e das urnas, com entes que fiscalizam as eleições, como partidos, OAB, Forças Armadas e Polícia Federal, garantem que os códigos auditados são os mesmos utilizados nas eleições.

Em linhas gerais, o código-fonte dá comandos para a urna funcionar. Antes da lacração há diferentes possibilidades de auditoria. Ele fica disponível em uma sala do TSE para inspeção de partidos e outras entidades.

Além disso, especialistas analisam o código e tentam hackear a urna, para identificar vulnerabilidades para correção. E, nestas eleições, houve uma ampliação da abertura do código, que foi compartilhado com três universidades —a meta, a princípio, é que no futuro ele passe a ser publicado online.

Frame de vídeo exibido em evento de abertura dos códigos-fonte usados no sistema eleitoral
Frame de vídeo exibido em evento de abertura dos códigos-fonte usados no sistema eleitoral - Reprodução/TSE no YouTube

Segurança da Informação
Um dos ofícios solicitava documentações com normas de segurança da informação do tribunal e sobre desenvolvimento de software, incluindo, por exemplo, perguntas sobre políticas de senha, backup, antivírus, entre outras. O TSE enviou as diferentes políticas solicitadas e que, em parte, já eram públicas.

O pano de fundo dessa parte das perguntas parece ser o ataque hacker sofrido pelo tribunal em 2018 e que está sob investigação da Polícia Federal. Tema que é repetidamente explorado por Bolsonaro.

Também foi solicitado o relatório de gestão de riscos do tribunal.

Rodolfo Avelino, professor de cibersegurança do Insper, explica que um risco é uma vulnerabilidade detectada, mas não explorada por um agente. "Conceitualmente quando uma vulnerabilidade é explorada o fato gera um incidente de segurança", diz.

Um exemplo comum, segundo ele, é identificar que não se está usando a versão mais recente de algum programa ou sistema, que já tenha sido disponibilizada pelo fabricante.

Ao todo, o TSE diz ter detectado 712 riscos, sendo 207 nas eleições de 2018; 292 nas eleições de 2020 e 213 nas eleições de 2022. O documento não informa quantos deles já foram resolvidos. Esse número tem sido usado nas redes sociais de apoiadores do presidente para criticar o TSE.

O que aconteceu recentemente? Em meio aos seguidos questionamentos das Forças Armadas e que têm sido usados pela militância bolsonarista e pelo próprio Bolsonaro, a crise escalou após declaração do ministro Barroso.

O ex-presidente do TSE, quem convidou as Forças Armadas para a comissão, disse que elas têm sido "orientadas" a atacar o sistema eleitoral. O Ministério da Defesa rebateu a afirmação do ministro, que classificou como "irresponsável" e "ofensa grave".

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