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Documentário sobre a Lava Jato oferece visão parcial e deixa pontas soltas

Filme patrocinado por advogados simpatizantes de Lula abre pouco espaço para nuances e contraponto

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São Paulo

Com advogados combativos, jornalistas destemidos, um depoimento inédito e a corrida presidencial no pano de fundo, o documentário "Amigo Secreto", que chega aos cinemas nesta quinta-feira (16), tem todos os ingredientes para fazer barulho na estreia.

Mas o filme da cineasta Maria Augusta Ramos provavelmente desapontará os que estiverem em busca de uma narrativa equilibrada. Ele adota sem ressalvas o ponto de vista dos críticos mais contundentes da Operação Lava Jato e abre pouco espaço para visões alternativas.

Mulher branca jovem e sorridente, com cabelos castanhos compridos e blusa escura. Ao seu lado, um homem branco mais velho, calvo, com cabelos brancos nas laterais, óculos de aros pretos, vestido com jaqueta clara e cachecol escuro.
A cineasta Maria Augusta Ramos e o ex-diretor da Odebrecht Alexandrino Alencar, na pré-estreia do documentário "Amigo Secreto". - Marlene Bergamo - 14.jun.2022/Folhapress

O documentário discute o impacto político das investigações sobre corrupção na Petrobras, do cerco promovido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelos procuradores de Curitiba até a reviravolta causada pela anulação dos processos que o levaram à prisão.

Advogados que atuaram na defesa de vários acusados e jornalistas que tiveram acesso a mensagens trocadas pelos investigadores e pelo ex-juiz Sergio Moro nos bastidores da operação, obtidas pelo site The Intercept Brasil em 2019, fornecem os fios condutores do roteiro.

Divulgadas pela Folha e por outros veículos que trabalharam em parceria com o Intercept, as mensagens tiveram influência decisiva no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal anulou as ações movidas contra Lula, após concluir que Moro não fora um juiz imparcial.

O ponto alto do filme é o depoimento de um ex-executivo da Odebrecht que se tornou colaborador da Justiça, Alexandrino Alencar, que diz ter sido pressionado pelos procuradores a fazer acusações contra Lula quando negociava seu acordo de delação premiada, em 2016.

Preso por quatro meses em Curitiba e condenado por pagar propina em troca de favores para a Odebrecht, Alexandrino foi uma das testemunhas que incriminaram o líder do PT no caso das reformas feitas por empreiteiras num sítio que ele frequentava em Atibaia (SP).

No documentário, o executivo sugere que foi levado a refazer seus relatos várias vezes durante as negociações com a Lava Jato para incluir fatos relacionados a Lula e seus familiares, garantindo assim a redução de sua pena e outros benefícios alcançados com a delação.

"Fizeram uma pressão em cima da gente", afirma Alexandrino, que falou a duas repórteres do site El País Brasil, extinto no ano passado. "Era uma questão com o Lula. Ele queria saber o que o irmão do Lula [fez], o filho do Lula, não sei o quê do Lula, as palestras do Lula."

As mensagens trocadas na época mostram que os procuradores de fato demoraram a se satisfazer com a colaboração de Alexandrino, que consideravam incompleta, mas documentos examinados pela Folha revelam nuances que seu depoimento no filme não contempla.

Em meio aos arquivos obtidos pelo Intercept, aos quais a Folha teve acesso em 2019, existem pelo menos cinco versões dos relatos apresentados por Alexandrino durante as negociações com os procuradores da Lava Jato. A mais antiga tem 11 páginas. A última, 58.

As principais informações que ele forneceu sobre Lula, que tratavam das reformas no sítio de Atibaia, da doação de um terreno ao Instituto Lula e da contratação de um sobrinho pela Odebrecht, já constavam dos primeiros relatos que Alexandrino entregou à Lava Jato.

Alexandrino afirma também no documentário que um executivo da Odebrecht foi solto durante as negociações após incriminar o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), sugerindo que havia uma "questão direcionada" e os procuradores tinham interesse em proteger o tucano.

O único executivo da Odebrecht que estava preso e foi solto durante as negociações foi Hilberto Silva, que chefiava o departamento responsável pelo caixa dois da empresa. Ele nunca falou de Aécio nos depoimentos que prestou após fechar o acordo com a Lava Jato.

Mas quatro executivos da empresa que também se tornaram delatores incriminaram o tucano, entre eles Marcelo Odebrecht, que estava preso. Os outros três estavam em liberdade quando negociaram com a Lava Jato, que pediu a abertura de cinco inquéritos sobre Aécio.

"Amigo Secreto" foi patrocinado pelo grupo Prerrogativas, formado por advogados que apoiam Lula, e pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), criado pelo advogado Walfrido Warde, autor de um livro sobre o impacto econômico da Lava Jato.

Warde e vários integrantes do grupo Prerrogativas falam no documentário. Responsáveis pela operação, como Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, e seus defensores, como o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, aparecem falando apenas em imagens de arquivo.

Advogados e jornalistas buscam reforçar no filme as principais críticas feitas à operação nos últimos anos, apontando abusos dos investigadores e os custos impostos às empresas brasileiras pela cooperação da Lava Jato com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

A jornalista Natalia Viana, fundadora da Agência Pública e autora de reportagens que apontaram irregularidades na colaboração dos procuradores com os EUA, comete um erro ao falar da relação de Moro com a consultoria americana Alvarez & Marsal.

O ex-juiz, que abandonou a magistratura para ser ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PL) e depois rompeu com o presidente, trabalhou por quase um ano na consultoria, que no Brasil administra o processo de recuperação judicial da Odebrecht, hoje Novonor.

No documentário, Viana aponta a Alvarez & Marsal como responsável por garantir o cumprimento de compromissos assumidos pela Odebrecht com os EUA no acordo bilionário fechado com a Lava Jato em 2016, mas a consultoria nunca teve nada a ver com isso.

Uma das últimas cenas do filme mostra Moro no evento em que se filiou ao Podemos para se lançar candidato a presidente, no ano passado. Sem sucesso até agora, o ex-juiz se mudou para o União Brasil e não sabe se terá vaga para concorrer a alguma coisa.

"Amigo Secreto"

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