Deputado que apalpou Isa Penna é notificado pelo WhatsApp após 5 meses de buscas da Justiça

Defesa de Cury culpa correria da campanha em que não foi reeleito; 'entrei em depressão, mas vou até o fim', diz deputada

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São Paulo

O deputado estadual Fernando Cury (União Brasil) apresentou sua defesa prévia no último dia 9 na ação em que é réu sob acusação de importunação sexual contra a também deputada estadual Isa Penna (PC do B), após cinco meses de tentativas da Justiça de São Paulo de encontrá-lo.

O périplo de oficiais de Justiça à procura do deputado começou em julho, se estendeu sem sucesso por toda a campanha eleitoral e só foi encerrado em 21 de dezembro, de forma não presencial —ele acabou sendo notificado por mensagem de WhatsApp.

Às 9h do dia 24 de setembro, um oficial chegou a aguardar Cury em frente a uma padaria, em uma avenida de Botucatu (SP), onde haveria uma carreata do deputado. O mandado de citação, com a tarja "urgente – plantão", foi expedido no dia anterior, logo após a defesa de Isa apontar à Justiça hora e local da ação de campanha.

O deputado estadual Fernando Cury (União Brasil) - Carol Jacob - 17.dez.2020/Agencia Alesp

O trajeto e o horário da carreata já haviam sido informados pela campanha de Cury à Polícia Militar com antecedência, mas o evento não ocorreu. O oficial Marcelo Furtado disse ter perguntado a um grupo de cabos eleitorais uniformizados, que informaram que a carreata fora cancelada.

O oficial foi ainda ao escritório e comitê de Cury, falou com seus funcionários, que não indicaram seu paradeiro. Furtado ligou para o deputado e deixou recados no WhatsApp, sem obter resposta.

"Hoje o dia todo foi de caminhada pelos bairros Cohab 4, Jardim Brasil e Jardim Ciranda em Botucatu", postou Cury naquele dia, com fotos em que aparece ao lado de um grupo de cabos eleitorais com uniforme e bandeira.

A campanha de Cury foi paga majoritariamente com dinheiro público —R$ 758 mil investidos pela União Brasil, R$ 14 mil de doações e R$ 121 mil pagos pelo deputado. Ele não foi reeleito.

Há dois anos, em 16 de dezembro de 2020, Cury foi flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa de São Paulo apalpando a lateral do corpo de Isa durante uma sessão plenária. Ele foi afastado por seis meses do mandato e foi expulso do seu partido à época, o Cidadania. A Folha não conseguiu contato com o deputado.

Em 15 de dezembro de 2021, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou, por unanimidade, a denúncia contra Cury, mas o processo pouco avançou desde então.

O Ministério Público de São Paulo chegou a apontar que o deputado estava se escondendo para não receber a notificação, o que travou o andamento da ação.

"O réu, desde o início da investigação, vem adotando postura que aparenta intenção procrastinatória", escreveu o procurador Mario Antonio de Campos Tebet em 1º de novembro.

O relator da ação, desembargador Fábio Gouvêa, apontou "fortes indícios de que o denunciado está se ocultando para evitar a citação, principalmente considerando a ciência inequívoca do denunciado sobre a existência do processo e o fato de que se trata de pessoa pública, ocupando cargo de deputado estadual".

Em novembro, Gouvêa determinou a citação por hora certa, ou seja, a notificação seria entregue a qualquer pessoa no endereço ou gabinete do deputado e estaria cumprida —o prazo de cinco dias para a apresentar a defesa começaria a correr.

Uma oficial de Justiça foi ao gabinete em dezembro e não achou o deputado, mas Cury entrou em contato com ela pelo WhatsApp marcando um encontro no dia 21 para o cumprimento da ordem. No dia, porém, ele avisou que não mais iria a São Paulo e perguntou se a citação poderia ser feita pelo WhatsApp, o que aconteceu.

Esta foi a segunda novela da Justiça em busca de Cury. A notificação para que ele respondesse ao oferecimento da denúncia foi entregue em outubro de 2021, após tentativas que tiveram início em abril daquele ano.

Isa tentou uma vaga na Câmara dos Deputados, mas tampouco foi eleita. Ela também trocou de partido –deixou o PSOL.

"Eu entrei em depressão, o que não significa que eu esteja fraca para enfrentar o processo. Vou até o fim", disse a deputada à Folha. "Estou muito prejudicada mesmo com essa situação. É uma humilhação. Mais uma, além da não cassação dele. A realidade da misoginia nos espaços de poder é estrutural."

Isa afirma que "trabalhar com política virou um gatilho", que ela evita a Alesp e sente tonturas quando está a caminho da Casa. "A minha opção de concorrer a [deputada] federal teve a ver com não encontrar o Cury."

Ela relata que seu sentimento ao não ser eleita foi mais de alívio do que de tristeza e que perdeu inúmeras agendas de campanha por causa da depressão.

Segundo Isa, a pauta do feminismo não interessa a muitos políticos. "Minha campanha sofreu um boicote dentro da própria esquerda", diz. A deputada afirma não saber se voltará à política, mas pretende seguir trabalhando na luta pelas mulheres e com arte.

Agora, com a defesa prévia apresentada, a ação avança para a fase em que testemunhas são ouvidas. No documento, o advogado Ézeo Fusco Júnior, que representa Cury, lista 8 testemunhas, incluindo o ex-presidente da Assembleia Cauê Macris (PSDB) e o deputado Alex de Madureira (PL), além de um perito que analisou as imagens.

No dia 25 de outubro, o então advogado do deputado, Roberto Delmanto Júnior, deixou o caso.

Ézeo afirma na peça que o caso tem que ser enviado à primeira instância, já que Cury não foi reeleito, o que abre espaço para uma série de recursos às instâncias superiores. Ele pede uma perícia nas imagens e sustenta que não houve toque forçado em regiões íntimas da deputada.

O advogado nega ter havido tentativa de protelar o processo. "Cury estava em campanha, na correria, e realmente não foi achado. Ele nem se atentou para isso", disse à Folha.

Ele afirma que o ângulo do vídeo dá a entender que houve toque, mas que "é preciso o exame pericial nas imagens para constatar a tese da defesa de que não houve apalpação".

A tentativa de encontrar Cury teve início no meio do ano, somente depois que embargos apresentados pela defesa para contestar o recebimento da denúncia transitaram em julgado.

Em Botucatu, um oficial de Justiça registrou que esteve no escritório do deputado em 29 de agosto, às 12h54, em 2 de setembro, às 10h15, e em 9 de setembro, às 12h. Ele foi ao comitê de campanha, no dia 9 de setembro, às 10h47, além de tentar contatos por telefone, sem retorno.

Assessores lhe disseram que "Fernando não havia comparecido ao escritório, estaria em plena campanha eleitoral, visitando cidades da região" e que "Fernando não tem dia e nem hora para ser encontrado".

Em 18 de outubro, outro oficial de Justiça registrou que esteve na Alesp em "cinco oportunidades, em horários distintos" e também não teve retorno pelo celular.

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