Não se combate golpista com mais truculência, diz advogado presidente de associação

Eduardo Mange, da AASP, afirma que acesso de defensores aos processos é fundamental para a Justiça

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Uma semana após assumir a presidência da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), o advogado Eduardo Foz Mange, 45, emitiu uma nota repudiando os ataques às sedes dos três Poderes e em defesa do Estado democrático de Direito. No dia seguinte, participou de ato na Faculdade de Direito da USP em defesa da democracia.

Mange afirma que é preciso responsabilizar os envolvidos nos ataques, mas sem desobedecer ao devido processo legal nos inquéritos. "É fundamental que os advogados tenham acesso aos autos para defender seja quem for", diz.

A AASP é a maior instituição do tipo na América Latina, com mais de 80 mil filiados, e completou 80 anos no dia 30 de janeiro.

Neto e filho de ex-presidentes da associação, Mange esteve à frente no último ano de um projeto de incubadora de startups. Para ele, a inteligência artificial pode auxiliar o trabalho do profissional, mas não o substitui.

O advogado Eduardo Mange, presidente da AASP - Bruno Santos/Folhapress

Qual é o papel da advocacia após os ataques contra os três Poderes? Defender o Estado democrático de Direito e as instituições que o representam. O direito de manifestação é livre, mas não pode ferir ou atentar contra o Estado democrático de Direito. Os responsáveis têm que ser punidos, na forma da lei e respeitado o devido processo legal.

As ações das instituições antes dos atos foram suficientes? Pelo que aconteceu em Brasília, as ações se mostraram insuficientes. Nós tivemos a posse do presidente democraticamente eleito, sem nenhum indício de fraude, e oito dias depois houve esse ataque. O que aconteceu com as forças de segurança? O que foi feito no dia 1º, que não teve problema nenhum, e no dia 8, em que ocorreu esse grande problema? É claro que houve falhas, aí e elas têm que ser apuradas.

E depois? Como avalia o papel das instituições desde então? Agora é apurar a conduta de cada um e responsabilizar todos que de alguma forma participaram, financiando ou depredando os prédios públicos. As condutas devem ser individualizadas e garantido a cada um o devido processo legal, mas eles devem ser responsabilizados na forma da lei. O papel da advocacia é cobrar isso.

O ministro Alexandre de Moraes autorizou a defesa do ex-secretário de Segurança do Distrito Federal Anderson Torres aos inquéritos sigilosos nos quais ele é investigado, algo que não havia sido feito antes. Como avalia a conduta do ministro? O devido processo legal deve ser sempre garantido. Sem o advogado não se faz Justiça. Os advogados dos vândalos têm que ter acesso aos autos do processo e isso tem que ser garantido pelo STF e pela Justiça como um todo.

É importante que seja sempre garantido o devido processo legal e respeitado o princípio da legalidade para quem quer que seja, não só para os vândalos que invadiram a capital federal, mas para qualquer acusado de qualquer crime. Não pode ser cerceado jamais o direito de defesa.

A forma como o ministro Moraes conduz esses inquéritos aumenta risco de punitivismo? Não diria do punitivismo, mas é preciso ser visto dentro da legalidade. Houve críticas ao inquérito das fake news, que ele se tornou muito amplo. Em alguns pontos ele foi necessário, mas o importante é acertar a medida que os Poderes legalmente constituídos vão adotar contra os manifestantes que atentaram contra a democracia. Você não pode combater isso com mais truculência. É preciso acertar isso e nem sempre é fácil.

O STF aprovou na última sessão do ano passado uma mudança no regimento restringindo decisões individuais da corte. Qual deve ser o impacto disso? O impacto é positivo. O STF é eminentemente um órgão colegiado e as decisões individuais, ainda mais num órgão que é a última instância do Judiciário brasileiro, devem ser usadas em casos muito específicos. Na medida do possível, as questões importantes têm que ser levadas ao colegiado.

O Supremo intensificou o uso do plenário virtual durante a pandemia. Como isso impacta o trabalho dos advogados? O plenário virtual tem que ser utilizado com parcimônia. Não pode julgar tudo no plenário virtual sob pena de uma perda muito grande da qualidade das decisões. Tem que ser sempre garantido o direito à sustentação oral, do advogado ser recebido pelo magistrado.

Como ficou esse acesso aos juízes na pandemia? Nós tivemos de tudo, como algumas reclamações de advogados que não conseguiram ter acesso a juízes. Também tivemos juízes que passaram a receber online, evitando deslocamento desnecessário de advogados. Isso facilita muito, mas não é para tudo. Se você tem uma audiência em um caso complexo criminal, de direito de família ou mesmo na área cível, no virtual você perde muito. Esse é o desafio do pós-pandemia, conseguir manter o que veio de positivo e retomar um contato presencial para casos importantes.

Como o sr. avalia essa experiência da digitalização do Judiciário em São Paulo? A digitalização de processos é muito positiva. Essa é uma bandeira também nossa porque os processos digitais andam mais rápido do que os físicos. A AASP tem trabalhado para digitalizar o maior número de processos físicos possíveis.

Nós temos um centro para digitalização de processos na nossa sede e três vans que percorrem o estado de São Paulo inteiro com serviços e um dos principais é a digitalização. Isso facilita muito o dia a dia da advocacia, diminui o custo para o Judiciário, porque a movimentação de processos é algo caro. O processo eletrônico traz ganho de eficiência para o jurisdicionado, para o tribunal e para a advocacia.

Quais as principais dificuldades relatadas pelos advogados em relação à digitalização? Há muita dificuldade com os vários sistemas que existem, especialmente o PJe [Processo Judicial Eletrônico], do CNJ. Cada tribunal tem o seu sistema e isso é um problema, porque muitas vezes a máquina que opera um sistema gera uma incompatibilidade com outro. Há escritórios que deixam um computador para cada sistema. É algo que atrapalha o dia a dia do advogado.

Vocês têm algum pleito em relação a essa questão junto ao CNJ? Temos contato permanente com o tribunal de Justiça de São Paulo e com os outros tribunais, de forma permanente. Sempre que recebemos alguma reclamação dos associados, enviamos ofício para esses tribunais. Não é incomum marcar reunião para discutir melhorias no sistema.

Os advogados também relatam dificuldade de acesso à internet? Como temos o serviço de coworking, muitos acessam na própria AASP. Não sei dizer se é um público que não tem acesso à internet ou não tem acesso a um escritório. Especialmente no pós-pandemia, muitos advogados fecharam seus escritórios, passaram a trabalhar de casa e, quando necessário, vem trabalhar nos nossos coworkings. A demanda cresceu, aumentamos os coworkings na nossa sede e criamos mais esses dois espaços em Campinas e em Ribeirão Preto para atender a advocacia do interior paulista.

Isso é um sintoma do empobrecimento da advocacia? Existe em parte pela proliferação das faculdades de direito. Hoje o Brasil é o país que tem mais faculdade de direito no mundo. Só em São Paulo temos mais faculdades de direito do que nos Estados Unidos. É um problema e gera uma dificuldade maior para quem está começando na profissão.

Quando a inteligência artificial é bem-vinda no direito e quando se torna um problema? Como toda a tecnologia, ela tem que auxiliar o trabalho do ser humano, mas não substituir. O uso de inteligência artificial pode ajudar na triagem de processos, mas você vai ter que ter sempre um olho humano em cima disso.

Na AASP nós já utilizamos e em breve nosso sistema de intimações vai ser integrado ao de jurisprudência. Se você recebe uma publicação sobre determinado tema, você já vai receber em seguida a jurisprudência e isso se dá com o uso de inteligência artificial.

O que o sr. destaca como principal ganho pela advocacia nesses 80 anos da AASP e o que ainda falta? Hoje nós temos uma classe que tem um gigantismo. Por outro lado, nós temos novos campos: mediação, arbitragem, direito digital, LGPD. O advento do processo eletrônico também possibilitou que os advogados tenham uma atuação cada vez mais nacional.

A AASP foi presidida uma única vez por uma mulher. Há previsão de outras mulheres na presidência? Com certeza teremos, porque nós temos paridade no conselho e o presidente sempre sai do colegiado. Na diretoria hoje nós temos mais mulheres do que homens pela primeira vez na história AASP. Também colocamos no nosso estatuto que a partir de 2025 todas as chapas têm que ser compostas pelo menos por uma pessoa negra. Esse é outro ponto importante que estamos olhando.


Raio-X | Eduardo Foz Mange, 45

Graduado e especializado em recuperação judicial e falência pela PUC-SP, coordenou a incubadora de startups da AASP e a Revista do Advogado. É conselheiro efetivo da AASP desde de 2016. O avô, Roger de Carvalho Mange, e o pai, Renato Luiz de Macedo Mange, também presidiram a AASP.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.