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Ataques a jornalistas sobem 23% e têm família Bolsonaro em 42% dos casos, aponta levantamento

Documento da Abraji mostra que cobertura eleitoral esteve ligada a 31% dos episódios em 2022; mulheres foram principais vítimas de violência de gênero

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São Paulo

Os ataques a jornalistas no Brasil cresceram 23% em 2022 na comparação com 2021, segundo levantamento da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). A entidade identificou o envolvimento de membros da família Bolsonaro em 41,6% dos casos e registrou aumento no número de episódios considerados graves.

O documento, divulgado na noite desta quarta-feira (29) durante debate em São Paulo sobre ameaças à liberdade de imprensa, contabiliza agressões verbais e físicas feitas diretamente a profissionais e também os chamados discursos estigmatizantes, que buscam descredibilizar e perseguir o jornalismo de modo geral.

Profissionais da imprensa em corredor da Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira - 30.mar.2022/Folhapress

Em 2022, ano marcado pela dura disputa presidencial entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ocorreram 557 ataques a jornalistas, meios de comunicação e imprensa em geral, de acordo com a Abraji. No ano anterior, foram 453.

Em 2019, primeiro ano do levantamento, foram computados 130 episódios. A organização diz que 2022 foi o ano mais violento para jornalistas e comunicadores brasileiros desde o início do monitoramento.

Os episódios mais frequentes no ano passado (61,2% do total) foram os de discursos estigmatizantes. A média foi de um ataque por dia com o intuito de desmoralizar jornalistas e a imprensa. Em 75,7% das situações, os agressores eram agentes estatais, como políticos e funcionários públicos.

A segunda categoria com mais casos (31,2%) foi a de agressões e ataques, que inclui violações físicas, destruição de equipamentos, ameaças e hostilizações. A Abraji considerou preocupante o aumento de 102,3% nesse tipo de ocorrência em relação a 2021.

As ações de maior gravidade tiveram um pico depois do segundo turno das eleições, coincidindo com as manifestações de apoiadores de Bolsonaro contra a vitória de Lula e a organização de acampamentos golpistas questionando o resultado do pleito.

Nessa mesma época, houve queda no número de casos mais leves, reunidos sob a classificação de discursos estigmatizantes. A associação avaliou que, com o resultado do pleito, a violência que era verbal se tornou física. A cobertura eleitoral esteve ligada a 31,6% do total de ataques no ano.

O monitoramento apontou também que 41,6% de todos os ataques em 2022 foram protagonizados pelo então presidente Jair Bolsonaro e por seus três filhos com mandatos eletivos —Flávio, senador (PL-RJ), Eduardo, deputado federal (PL-SP), e Carlos, vereador (Republicanos-RJ).

A reportagem ainda não conseguiu contato com a defesa dos Bolsonaro para se manifestar sobre os dados do relatório.

A maioria das ações praticadas pela família envolveu discursos intimidatórios e ocorreu nas redes sociais, com pregações de boicote à imprensa e insinuações de que veículos difundiram fake news.

Jair Bolsonaro liderou ainda o ranking de ataques perpetrados por candidatos à Presidência. Dos 51 casos registrados, o então mandatário esteve envolvido em 50,1%. Na sequência vêm os então postulantes Sofia Manzano (PCB), aparecendo em 15,7% dos episódios, e Padre Kelmon (PTB), em 9,8%.

De acordo com a Abraji, não foram identificados discursos estigmatizantes publicados durante o período de campanha nos perfis de Lula, Simone Tebet (MDB) e José Maria Eymael (DC).

O perfil dos alvos mostra que homens foram 62,6% das vítimas e mulheres, 43,5%. Contra elas, a ofensiva mais frequentemente inclui críticas baseadas em aparência e sexualidade.

O monitoramento também faz uma análise específica sobre violência de gênero sofrida por jornalistas. Foram 145 episódios do tipo, um aumento de 13,1% em relação a 2021. Profissionais mulheres foram 97% das vítimas nesse recorte, na maior parte das vezes por causa da cobertura política.

As jornalistas Miriam Leitão, da GloboNews (8 casos), Vera Magalhães, da TV Cultura (8), Daniela Lima, da CNN Brasil (6), e Juliana Dal Piva, do UOL (5), foram as profissionais mais atacadas, segundo o relatório. Vera, por exemplo, durante um debate foi chamada por Bolsonaro de "vergonha para o jornalismo".

Para os responsáveis pelo levantamento, os dados mostram a tendência de mulheres serem alvos de ameaças e constrangimentos, com o uso de ofensas pessoais e misóginas.

A entidade que compilou os dados afirma que a liberdade de imprensa no Brasil foi constantemente ameaçada por atos e discursos antidemocráticos ao longo do ano passado e que o cenário político e social polarizado torna mais perigoso o trabalho de jornalistas no país.

O Brasil ocupa a 110ª posição entre 180 nações no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras divulgado em 2022.

Na visão da Abraji, o ano passado marcou a consolidação de um ambiente desfavorável para o jornalismo, que foi aprofundado nos anos anteriores, com a tentativa de desenhar a imprensa como inimiga no imaginário popular, usando narrativas mal-intencionadas sobre fake news e parcialidade.

"Atores políticos e seus apoiadores criam e propagam discursos antimídia que dificultam a atividade jornalística e colocam seus profissionais em risco constante", afirma o relatório.

A associação cobrou providências das grandes plataformas de redes sociais para os casos de violência contra a imprensa, lembrando que 63,4% dos ataques têm conexão com o ambiente virtual. A pressão é para que as empresas estabeleçam ações para lidar com os agressores e responsabilizá-los.

Os autores do estudo fazem a ressalva de que a compilação pode ter divergências com os números de outros levantamentos, já que outras organizações adotam diferentes metodologias.

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