Descrição de chapéu Folhajus Governo Bolsonaro

Regra atípica que permitiu indulto a Luiz Estevão surgiu após ato de Anderson Torres

Ex-ministro da Justiça determinou reunião em que regras foram incluídas em decreto do então presidente Jair Bolsonaro

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Brasília

Os artigos usados pelo empresário Luiz Estevão para conseguir o indulto da sua pena entraram no último decreto natalino de Jair Bolsonaro (PL) após uma reunião interna determinada pelo então ministro da Justiça, Anderson Torres.

O ex-senador, que em 2016 começou a cumprir 26 anos de prisão pelo desvio de verbas públicas destinadas à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, pediu e conseguiu o perdão com base no decreto de Bolsonaro.

A Folha obteve por meio da Lei de Acesso à Informação as 141 páginas do processo interno de elaboração do decreto pelo Ministério da Justiça.

O ex-senador Luiz Estevão chegando na Policia Federal de São Paulo em 2014 - Danilo Verpa/Folhapress

A proposta inicial, feita pelo CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), não continha o artigo 4º, que estabeleceu o indulto natalino às pessoas maiores de 70 anos, desde que cumprido um terço da pena, além de outro trecho que exclui idosos da vedação da concessão do perdão a condenados por corrupção ativa e peculato, entre outros crimes.

Estevão, que é proprietário do portal de notícias Metrópoles, tem 73 anos de idade e foi condenado por corrupção ativa, peculato e estelionato.

Esses trechos só passaram a constar na minuta após uma reunião entre a Assessoria Especial de Assuntos Legislativos, a Assessoria Especial do Ministro e a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça.

"Por ordem do ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, foi determinada a realização de reuniões entre esta Assessoria Especial de Assuntos Legislativos, a Assessoria Especial do Ministro e a Consultoria Jurídica, no intuito de ser debatido o tema. Dessa forma, com base na minuta apresentada nos autos, foram sugeridas alterações, devidamente aprovadas pelo ministro de Estado", diz trecho do processo de elaboração do decreto.

Os trechos usados para obtenção de indulto por Estevão são atípicos em relação aos três decretos natalinos editados por Bolsonaro nos anos anteriores, que tinham uma redação relativamente condizente com seu discurso público punitivista em relação à segurança pública, reduzindo o alcance do perdão —exceção feita quase sempre a presos oriundos das forças policiais ou das Forças Armadas.

Nas gestões anteriores a Bolsonaro, o indulto natalino para presos idosos era comum, mas com condicionantes e mais restritivos a depender dos crimes cometidos.

Em determinado ponto do processo interno de elaboração do decreto de 2022, áreas técnicas chegam a opinar ser "imperativo que eventual benefício não contemple condenados por crimes contra a administração pública, em especial aqueles condenados por peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa e tráfico de influência".

Essa recomendação foi ignorada no caso de presos com mais de 70 anos.

O decreto foi publicado em 23 de dezembro. A defesa de Estevão entrou com pedido de indulto três dias depois. No último dia 7, a Justiça do DF concedeu o perdão ao empresário.

A inclusão dos artigos atípicos no último decreto natalino de Bolsonaro ocorreu em meio à coincidência da atuação de um mesmo grupo de advogados para o ex-presidente, o empresário e o ex-ministro da Justiça, que hoje está preso por suposta omissão nos ataques golpistas de 8 de janeiro.

Até poucos dias atrás, os advogados Eustáquio Silveira e Vera Carla Silveira, que atuam desde 2005 para Estevão em mais de 100 ações, também compunham o time de defesa de Torres.

De acordo com os advogados, o motivo da saída da defesa de Torres não pode ser revelado porque "insere-se em cláusula de confidencialidade". Eles dizem que foram escolhidos para a equipe pela "atuação exitosa em ação civil pública proposta contra Anderson Gustavo Torres" em 2011.

Já o advogado Marcelo Bessa, que também representa Estevão, advoga para o PL e assumiu recentemente vários casos relativos a Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal.

Foi Bessa quem assinou a petição bancada pela sigla de Bolsonaro questionando o funcionamento das urnas eletrônicas nas eleições de 2022.

Nada de inovador, diz Estevão sobre indulto

Luiz Estevão disse à Folha que "os indultos concedidos desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso até o primeiro ano do ex-presidente Michel Temer eram muito mais abrangentes".

"Não vejo nada de inovador, está repetindo parcialmente o que constou nos indultos durante 20 anos no Brasil", afirmou, acrescentando não considerar haver diferença, no seu caso. "A única diferença do indulto é que não preciso chegar em casa meia-noite e esperar 6h para sair. Como não sou disso, não muda nada."

Em 2019, o empresário passou para o regime semiaberto e, em 2021, para o aberto, em prisão domiciliar.

A defesa de Torres não se manifestou.

Marcelo Bessa disse que desconhece os trâmites que resultaram na edição do decreto por Bolsonaro e que jamais tratou desse assunto com qualquer pessoa do governo ou fora dele.

O indulto —perdão da pena, ou "clemência"— significa que os condenados por esses crimes não vão precisar cumprir as punições pelas quais foram sentenciados, embora a condenação continue na ficha do réu.

Previstos tanto na Constituição quanto na legislação penal, eles geralmente são coletivos e beneficiam diversos condenados que cumpram requisitos objetivos, como tempo de prisão.

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