Descrição de chapéu Datafolha

Datafolha faz 40 anos unindo rigor científico à agilidade do jornalismo

Referência histórica, pesquisas do instituto são acervo das transformações do Brasil democrático

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São Paulo

"Os astros não mentem jamais", dizia um texto na capa da Folha em 12 de novembro de 1985, anunciando que o jornal tinha consultado o mapa dos candidatos a prefeito de São Paulo.

O de Fernando Henrique Cardoso tinha Mercúrio em ângulo de 35 graus com o Sol; o de Jânio Quadros, Urano com abertura de 33 graus; e, no de Eduardo Suplicy, o número era de 18 graus.

Reprodução de capa de jornal em preto e branco, com imagem grande de um mapa astral
Capa da Folha em 1985, quando divulgação de pesquisas foi proibida na véspera da eleição, e jornal publicou números do Datafolha sobre a corrida pela prefeitura paulistana de forma cifrada, como um mapa astral - Folhapress

Era uma mensagem cifrada do Datafolha. A divulgação de pesquisas eleitorais tinha sido proibida na véspera do pleito, e aquela foi a forma de publicar os números. Jânio venceu.

Esse é um dos 7.837 levantamentos já realizados pelo Datafolha, que envolveram ao todo 12.034.339 entrevistas. O instituto completa 40 anos nesta segunda-feira (1º), realizando uma média de 196 sondagens por ano.

É um vasto acervo sobre o Brasil, que reúne, além das pesquisas eleitorais, dados sobre a opinião e o comportamento dos brasileiros quanto a diversos temas.

"O Datafolha virou o padrão-ouro das pesquisas no Brasil, tanto eleitorais como de mercado. Conquistou isso com trabalho árduo, engenhosidade e na recusa acertada em trabalhar para partidos e políticos, o que confere ao instituto independência e credibilidade", diz Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha.

Por dados recentes do instituto, por exemplo, é possível saber que Lula (PT) começou o governo com aprovação menor do que em seus mandatos anteriores (38%) e que 93% dos brasileiros repudiam os ataques de 8 de janeiro.

"O Datafolha mostra a transformação do Brasil nesses 40 anos", diz Luciana Chong, diretora do instituto, onde começou como pesquisadora, há mais de 30 anos.

O embrião do instituto foi o Departamento de Pesquisas e Informática do Grupo Folha, que publicou a primeira sondagem em 1º de maio de 1983.

A ideia de investir em pesquisas de opinião foi do então publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), o "seu" Frias.

O sociólogo Reginaldo Prandi apresentou ao empresário uma metodologia para aferir a opinião pública. Mais tarde, Prandi se juntou aos também sociólogos Antonio Manuel Teixeira Mendes e Antônio Flávio Pierucci para criar um sistema que cruza dados geográficos, sociais e de renda.

Tudo isso numa época em que o sistema telefônico era péssimo e muitos brasileiros sequer tinham aparelho em casa. Nesse contexto, os pesquisadores passaram a realizar as entrevistas em locais de grande circulação.

Em resumo: não era astrologia, era um método científico aliado ao jornalismo.

"O Datafolha ajudou o Brasil a se conhecer. Essa era essa a ideia do ‘seu’ Frias", diz Prandi.

Ele afirma que os grandes entusiastas do Datafolha foram o publisher e Otavio Frias Filho (1957-2018), que liderou o projeto de modernização deflagrado pelo jornal em 1984 e dirigiu a Redação até sua morte.

O sociólogo conta ainda que, antes, as empresas de pesquisa tratavam a metodologia como um segredo industrial. O Datafolha criou uma cultura de transparência ao romper esse sigilo, o que ajudou a popularizar conceitos estatísticos, como o de margem de erro.

"A Folha democratizou o acesso à informação de pesquisa. A transparência foi fundamental para a credibilidade do instituto", diz Antonio Manuel Teixeira Mendes, primeiro diretor do Datafolha e ex-superintendente do Grupo Folha.

Entre as pesquisas marcantes, está o levantamento sobre como o preconceito racial se manifesta no Brasil, depois lançada no livro "Racismo Cordial" (ed. Ática, 1995), e a série "DNA Paulistano", sobre a relação dos moradores da capital paulista com a cidade.

Já as sondagens eleitorais apontaram tendências em momentos históricos. Em 1989, por exemplo, o Datafolha foi o primeiro a anunciar que Lula, não Leonel Brizola, ia enfrentar Fernando Collor no segundo turno.

"A trajetória nesses momentos foi sempre marcada pelo rigor técnico associado à agilidade que o jornalismo exige", diz Mauro Paulino, que dirigiu o instituto de 1998 a 2022.

Nesse caminho, o Datafolha foi alvo de políticos, com iniciativas como CPIs, projetos de lei e ações judiciais para censurar pesquisas.

A pressão se acirrou no ano passado, com ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados dele aos institutos. Nas ruas, pesquisadores foram intimidados durante a campanha —e um profissional do Datafolha chegou a ser agredido.

"Nunca tinha visto nada assim. Mas conseguimos garantir o principal: a transparência, a independência e a confiabilidade do instituto. Isso foi maior do que todos esses ataques", diz Luciana Chong.

Sondagens viraram referência para o mercado

Além das sondagens eleitorais, o Datafolha também atua em pesquisas de mercado, mostrando a empresas o que pensam os consumidores. Uma das responsáveis pela criação dessa área foi Judith Brito, hoje superintendente do Grupo Folha. Ela entrou no Datafolha como gerente de projetos com essa missão.

"O Datafolha emprestou prestígio também à pesquisa de mercado", diz ela. "Isso deu fôlego financeiro para o instituto, que deixou de ser um braço da Redação para se tornar unidade de negócios."

Um cliente hoje, por exemplo, é a Anbima (Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), para quem o Datafolha faz pesquisa "Raio-X do Investidor Brasileiro" —que rendeu insights importantes para a entidade.

"Antes, fazíamos a pesquisa com as classes A, B e C. A partir de 2021, incluímos as classes D e E na pesquisa e encontramos uma parcela não desprezível que consegue poupar e investir [20% em 2022]", diz Marcelo Billi, superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Anbima.

A Fundação Lemann também relata insights a partir de pesquisas do Datafolha. Daniel Funcia de Bonis, diretor de Conhecimento, Dados e Pesquisa, lembra quando a instituição queria saber como estavam escolas e alunos na pandemia.

"Procuramos o Datafolha pensando numa pesquisa que pudesse ser feita ao longo de várias ondas", afirma. "Vimos como a situação estava desigual. Parte dos alunos, especialmente do Sul e do Sudeste, tinha acesso ao conteúdo das aulas, mas a maioria dos estudantes era privada disso."

Isso levou a fundação a recomendar o envio de material escolar impresso, em vez de digital, para a casa dos alunos.

"Os dados também mostraram como [o fechamento] era desgastante em termos de sociabilidade, saúde mental, perspectiva de vida. Isso foi essencial para que a gente antecipasse a abertura das escolas. Fechamos esse ciclo no ano passado, com dez ondas da pesquisa."

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