Descrição de chapéu Governo Lula

MST deixa área da Embrapa, foco de crise com Lula, e liga alerta para lista de promessas

Grupo diz que voltará à fazenda em Petrolina (PE) se governo não cumprir acordos; também neste fim de semana, três áreas foram invadidas na Bahia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Petrolina (PE)

A bandeira do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) já não está mais hasteada no terreno da Embrapa Semiárido, na zona rural de Petrolina (712 km do Recife), desde o fim da manhã deste sábado (22).

As famílias que invadiram a área federal há uma semana, em meio a ações do chamado Abril Vermelho, migraram para um acampamento provisório em uma área vizinha, onde aguardam pelo cumprimento da promessa de novos assentamentos pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A invasão da fazenda da Embrapa estremeceu a relação do MST com o governo Lula, que endureceu declarações contra o movimento após o episódio.

A onda de invasões irritou o presidente, que teme que as ações causem desgaste para o governo, principalmente com o agronegócio. Há receio também de que essa mobilização atrapalhe o andamento de pautas de interesse da gestão Lula no Congresso.

Foto mostra bandeira do MST e trabalhadores ao redor
Trabalhadores em-terra fazem assembleia em novo acampamento erguido em área nos arredores de fazenda da Embrapa em Petrolina (PE) - Adriano Alves/Folhapress

A retirada do grupo começou na última quinta-feira (20), logo após uma reunião de líderes do MST com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

O acordo firmado prevê o levantamento das famílias acampadas, a compra de cinco propriedades da região para o assentamento de todos e o envio de lonas e cestas básicas para atender o grupo enquanto espera as novas terras.

Os líderes do movimento dizem ter esperança no cumprimento da resolução. Mas estão prontos para voltar a ocupar a área da Embrapa Semiárido caso o governo federal não cumpra sua parte.

O novo acampamento está a cerca de 40 metros da fazenda, em uma localização estratégica se precisarem retornar.

A Justiça chegou a determinar a reintegração de posse do local, dando 48 horas para desocupação pacífica. A intimação foi entregue na quinta, e na manhã deste sábado (22) havia uma viatura da Polícia Federal na rodovia próxima à fazenda, mas os agentes não chegaram a intervir.

Líder da ocupação, Florisvaldo Araújo Neves diz que a saída dos sem-terra da fazenda não foi motivada pela determinação judicial.

"Se não houvesse a negociação [com o governo], a gente não ia sair assim fácil. É natural que toda empresa, sendo pública ou privada, entre com a reintegração de posse. Mas cabe à gente o processo de resistência."

Ele ressalta o alerta em relação ao cadastramento de famílias, primeiro passo do acordo com o governo. "Se não iniciar, já acende o nosso sinal vermelho", diz.

Homens, mulheres e até crianças ajudam a levantar o novo acampamento erguido em área cedida pelo Assentamento Josias e Samuel, também do MST.

Os barracos foram montados com estacas retiradas da área, lonas e palhas de coco. O acabamento é feito com pregos e até amarrações com restos de mangueiras de irrigação, recolhidos em áreas vizinhas.

São mais de 600 famílias no grupo, que passa de 2.000 pessoas. A maioria saiu da área urbana de Lagoa Grande (PE), cidade vizinha, e do próprio município de Petrolina.

Segundo os líderes do movimento, a maior parte é de trabalhadores rurais que não têm terra própria e estavam como funcionários das fazendas da região.

O lavrador Célio Costa, 45, foi um dos que saíram de Lagoa Grande. "Eu sou agricultor desde pequeno, e a gente tem essa necessidade de um pedaço de terra para que a gente possa plantar e criar pequenos animais", diz.

Ele deixou a esposa em casa e foi para o acampamento com mais quatro pessoas da família, entre cunhados e sobrinhos.

O grupo que forma o chamado Assentamento Embrapa se reúne há quatro anos. Membros contam que já monitoravam a área, segundo eles, sem uso pelo órgão federal.

A Embrapa, contudo, afirma que a terra é de preservação da caatinga e que sua invasão comprometeu a vida de animais ameaçados de extinção, além de pesquisas para conservação ambiental e de uso sustentável do bioma, realizadas no local.

A área pertence à antiga unidade de serviços, produtos e mercados, integrada agora na Embrapa Semiárido. Segundo o órgão, é utilizada para instalação de experimentos diversos e multiplicação genética de mudas e sementes.

O MST em Pernambuco afirmou, em nota, que nada foi danificado pelas famílias e que nenhum animal foi ameaçado.

Enquanto a reportagem da Folha esteve no acampamento, na manhã deste sábado, foi realizada uma assembleia dos sem-terra da ocupação.

Eles receberam orientações dos líderes reforçando o acordo com o governo federal, pediram que as famílias se mantivessem unidas e destacaram as regras de organização interna, como a limpeza do acampamento, a construção de banheiros públicos e o cuidado com fogo na área.

O consumo de bebidas alcoólicas é proibido entre os acampados.

O espaço onde o MST estava instalado deve ser usado, em agosto deste ano, para a 10ª edição do Semiárido Show. A feira apresenta novas tecnologias para os agricultores familiares da região e costuma receber mais de 20 mil pessoas oriundas de vários estados do Nordeste.

Essa era a maior área invadida pelo MST em Pernambuco no Abril Vermelho deste ano. No estado, foram oito áreas ocupadas por 2.280 famílias sem-terra. Por todo o país, foram invadidas fazendas e sedes do Incra. O movimento afirma que são terras improdutivas.

Também neste fim de semana, mais de 500 famílias invadiram outras três áreas consideradas improdutivas pelo MST em diferentes regiões da Bahia.

Cerca de 118 famílias reocuparam uma fazenda em Guaratinga, no sul do estado. No Vale do Jiquiriçá, no sudoeste da Bahia, outras 200 famílias ocuparam uma fazenda no município de Jaguaquara.

A terceira ocupação ocorreu em Juazeiro, no norte baiano, onde aproximadamente 200 famílias tomaram 4 mil hectares em terras.

O MST pressiona o governo Lula a apresentar um plano de ações de reforma agrária para os próximos quatro anos e atender à demanda das famílias acampadas e assentadas. Os sem-terra estão insatisfeitos com a lentidão da gestão federal com o tema.

A entidade estima que cerca de 100 mil famílias vivem em acampamentos no Brasil. Destas, 30 mil estão em áreas em processo de regularização não concluído pelo Incra.

Nas conversas com o governo, o MST argumenta que é papel do movimento pressionar para que a reforma seja uma prioridade de fato do Executivo.

Colaborou Aléxia Sousa, do Rio de Janeiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.