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Santinho de morte de idosa é usado como sendo de senhora que orava em acampamento bolsonarista

Mulher que morreu, Ivanilda Maria da Silva, não era envolvida com política

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São Paulo

São enganosas as postagens e comentários nas redes sociais que associam erroneamente o santinho de falecimento de Ivanilda Maria da Silva a Ilda Ferreira dos Santos, apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As duas mulheres moravam a cerca de 2 mil quilômetros uma da outra e, segundo Ilda, não se conheciam.

Ilda ficou conhecida nas redes sociais por ter "rezado pela nação" em Brasília, sendo chamada de "irmã Ilda" e, aos 81 anos, continua viva. Ela também não foi presa a mando do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes quando o acampamento em frente ao Quartel do Exército em Brasília foi desmantelado no dia 9 de janeiro. Ilda, como verificado pelo Projeto Comprova, mora em Ceilândia, no Distrito Federal, enquanto que Ivanilda era moradora de Sirinhaém, em Pernambuco. Ivanilda enfrentava problemas de saúde e não caminhava mais há uma década. Sua morte ocorreu a poucos dias de completar 84 anos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Uma usuária que compartilhou no TikTok o santinho de falecimento original em 21 de março obteve até 4 de abril 386,8 mil visualizações, 4442 curtidas e mais 1000 comentários.

No Twitter, um usuário que compartilhou no dia 25 de março o santinho com a legenda falsa teve, até o momento, 120,8 mil visualizações na postagem e 1,5 mil retuítes. Em um grupo do Telegram, a imagem adulterada foi compartilhada no dia 27 de março e já foi vista 6,2 mil vezes. Ela circulou também no Facebook, Instagram e Whatsapp.

Como verificamos

A equipe fez uma busca no Google pelo termo "Ivanilda Maria da Silva". O primeiro link foi a checagem feita pelo Boatos.org que desmente a informação de que a "Irmã Ilda" teria falecido. Uma das evidências apresentadas pela matéria é um vídeo publicado pelo senador Magno Malta (PL) que mostra a própria irmã Ilda atestando estar viva.

A assessoria do senador confirmou ser falsa a informação sobre o falecimento da "irmã Ilda" e citou o vídeo postado por Malta. Foram analisadas os conteúdos da página do Facebook da Assembleia de Deus de Ceilândia do Norte, igreja frequentada pela missionária. Uma busca nas redes sociais por postagens sobre a "irmã Ilda" identificou pastores e uma bispa próximos a ela, com os quais entramos em contato para solicitar uma entrevista com a missionária. Ela conversou com Comprova pelo telefone.

Foi realizada uma pesquisa na lista dos presos durante os atos terroristas de janeiro deste ano em Brasília, fornecida pela SEAP-DF (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária), com a intenção de verificar se Ivanilda Maria da Silva esteve entre os relacionados. Também pesquisamos, pelo Google Lens, Pimeyes e TinEye, a imagem da mulher colocada no santinho de falecimento, na tentativa de identificá-la. Pesquisas em obituários, processos e reportagens sobre falecimento de "Ivanilda Maria da Silva" em março deste ano foram realizadas com o objetivo de verificar se alguma pessoa com essa nomeação teria falecido na mesma época.

A equipe ligou para cartórios de registro civil e informou os dados contidos no santinho de falecimento. Com isso, conseguimos confirmar a morte de Ivanilda Maria da Silva em Sirinhaém (PE). Buscamos no Facebook usuários que fossem dessa localidade e mandamos mensagem para alguns. Dessa forma, obtivemos o contato de familiares e conhecidos da senhora Ivanilda Maria da Silva, com quem também conversamos.

Ilda não é Ivanilda

"Meu nome é Ilda, estou passando aqui para dizer que eu estou viva", afirma Ilda Ferreira dos Santos em vídeo divulgado pelo senador Magno Malta. Mais adiante, ela agradece a preocupação das pessoas e lembra que esta é a segunda vez que é alvo de boato. Em janeiro deste ano, a AFP e o Aos Fatos mostraram que não era verdade que ela havia sido presa pela Polícia Federal, após os ataques a Brasília no dia 8 de janeiro, e muito menos que ela teria falecido na prisão.

Já Ivanilda Maria da Silva nasceu, segundo o santinho de falecimento divulgado nas redes sociais, em 10 de abril de 1939 e faleceu em 21 de março de 2023, portanto, faria 84 anos este mês. Uma usuária do TikTok publicou o santinho de falecimento no dia da morte de Ivanilda. Apesar de a imagem não ser falsa, a maioria das pessoas que comentaram a publicação acharam que Ivanilda Maria da Silva, a moradora de Sirinhaém (PE), era Ilda Ferreira dos Santos, a missionária evangélica do acampamento de Brasília. "Que triste, ela estava sempre nas manifestações, lutou pelo Brasil", escreveu uma senhora. Em caixa alta, uma mulher comentou, "PATRIOTA. MORREU NO DIA DO ANIVERSÁRIO DO NOSSO CAPITÃO", referindo-se a Bolsonaro, nascido em 21 de março de 1955.

Outros usuários compartilharam o santinho de falecimento adulterado. Na parte superior dele foi colocado o texto: "Morre a mais cruel fascista, terrorista. Ela portava uma Bíblia e por isso ela foi presa em 09 de janeiro de 2023 pelo cabeça de ovo demoníaco". A frase ligava o nome de Ivanilda à "Irmã Ilda".

Isso porque "Irmã Ilda" ficou conhecida durante os acampamentos de bolsonaristas em Brasília que ocorreram entre novembro de 2022 e janeiro deste ano, onde rezava junto aos presentes. Ela também esteve em uma unidade prisional do Distrito Federal, com uma Bíblia, para orar pelos presos da manifestação do dia 8 de janeiro. Na ocasião, Ilda foi alvo de outra mentira, a de que estaria sendo libertada da prisão. Dias antes desta notícia, outra informação falsa foi compartilhada nas redes sociais sobre o falecimento da "Irmã Ilda".

De toda forma, não há, na lista de presos pelos atos de janeiro deste ano em Brasília, qualquer pessoa identificada como Ilda ou Ivanilda. O único registro público sobre "Ivanilda Maria da Silva" nascida em 10 de abril de 1939 e falecida em 21 de março de 2023 remete à moradora de Sirinhaém (PE), que estava acamada em janeiro deste ano. Com relação à identificação da imagem colocada no santinho de falecimento, a pessoa que aparece na foto em preto e branco não se assemelha à Ilda e as buscas reversas e de reconhecimento facial não resultaram.

Ivanilda Maria da Silva iria completar 84 anos este mês. Viúva há mais de 40 anos, ela criou 9 filhos, segundo uma das filhas, Joelma Souza dos Santos, que trabalha com confecção e conserto de próteses dentárias no centro de Sirinhaém, uma "cidade pacata", como ela mesma definiu ao Comprova, localizada no litoral sul de Pernambuco, a 76 km de Recife.

"Essa dona Ivanilda é minha tia e minha mãe de criação, é uma pessoa evangélica, nunca se meteu em confusão, nunca foi presa. Se ela foi numa delegacia, foi pra tirar a identidade", explicou Joelma, desmentindo a informação que circula nas redes sociais de que Ivanilda teria sido presa em 9 de janeiro de 2023.

"Tudo que tá escrito nesse enunciado é mentira", afirma Valéria Norberta Marques de Lima ao Comprova a agente de saúde que cuidou de dona Ivanilda por 29 anos. Ela se referia à frase "morre a mais cruel fascista, terrorista. Ela portava uma Bíblia e por isso ela foi presa em 9 de janeiro pelo cabeça de ovo demoníaco" colocada no santinho de falecimento de dona Ivanilda. "Ela nunca esteve presa e em janeiro estava acamada", relembrou a agente de saúde.

Joelma conta que há mais de 10 anos a mãe não caminhava. "Ela tinha problema de pressão, glaucoma e reumatismo", relembra. Quando souberam que havia um boato circulando nas redes sociais a respeito da mãe, os filhos ficaram "super constrangidos", contou Joelma e explicou que uma das irmãs não quis dar entrevista porque estava muito nervosa com a situação.

"Isso é negócio de política, quem era Bolsonaro está tudo errado. Até porque a gente nem é desse meio, nem gosta dessas coisas", afirmou Joelma. Ao saber que a equipe do Comprova estava entrando em contato com ela para desmentir o boato sobre a mãe, ela fez um apelo: "Por favor, eu gostaria muito que você desfizesse isso aí, se você puder".

Quem é Ilda Ferreira dos Santos

Ilda Ferreira dos Santos nasceu em Formosa (GO) e se mudou para Ceilândia (DF) na década de 1960. Ela disse ao Comprova que virou evangélica aos 38 anos e frequenta a Assembleia de Deus de Ceilândia Norte, onde ocupa cargo de presidente de missões, função que a levou algumas vezes ao Senegal para trabalhos missionários. Ilda passou a frequentar o acampamento em frente ao Quartel General do Exército de Brasília em novembro de 2022 e ficou por lá até a madrugada de 9 de janeiro, instantes antes de ser deflagrada a ação policial que pôs fim ao acampamento.

Naquela mesma noite, passou a circular um primeiro boato de que ela teria morrido e depois que havia sido presa. Ela, na verdade, segundo conta, estava em segurança na igreja de uma amiga. Ilda diz não ter se incomodado com o boato que circulou em janeiro, nem com este mais recente, e contou que chegou a ver a imagem do santinho de falecimento que passou a circular como se fosse o seu e que não se achou parecida fisicamente com Ivanilda.

Para além da confusão, racismo

Ivanilda e Ilda são diferentes fisicamente, mas foram confundidas. A pesquisadora de estudos de relações etnico-raciais Etiene Martins avalia que os erros e equívocos cometidos pelos usuários nas redes sociais são uma forma de negar a individualidade e, consequentemente, a humanidade de uma pessoa em razão de sua raça. "É aquele famoso argumento racista: "preto é tudo igual"", explica.

Etiene alerta sobre os danos e transtornos que essa generalização causa na vida dos envolvidos. "A falta de empatia, que é uma das principais características do racismo, faz com que quem leia que uma pessoa negra falsamente foi anunciada como falecida não se atente ao fato que essa mentira atinja a família, amigos e outras pessoas que nutrem carinho por ela e sofrem diante de uma notícia como essa até ter acesso a verdade."

Ela dá um exemplo recorrente de como os ditos "equívocos" podem ter consequências drásticas. "São esses tipos de situações que fazem com que um jovem negro inocente seja preso em um reconhecimento por foto por um crime que não cometeu ou morto por agentes do estado de forma equivocada por que o fato de ser negro o faz parecer com um outro homem negro que é procurado pela polícia."

A pesquisadora explica que essas situações são mesmo complexas e de difícil entendimento para o senso comum, mas que são justamente elaboradas para parecer tudo, menos racismo. "É evidente que a raça é um fator fundamental porque vivemos em uma sociedade em que há negros, brancos, indígenas e amarelos e esses erros são recorrentes apenas com os negros."

O que diz o responsável pela publicação

A reportagem mandou mensagem no privado para usuários do Twitter, Instagram e Facebook que compartilharam o conteúdo, mas não obteve respostas até o momento. Também seguimos no TikTok a usuária que compartilhou o santinho de falecimento e comentamos a postagem na expectativa de que ela entrasse em contato conosco, mas ela não nos procurou.

O que podemos aprender com esta verificação

Desinformadores costumam utilizar termos sensacionalistas e de ironia para chamar a atenção do leitor. Além disso, é comum a utilização de informações truncadas e sem esclarecimentos. Neste caso, foi usado o santinho de falecimento de Ivanilda e uma correlação com o suposto falecimento de uma pessoa que se caracterizava pelo uso de uma Bíblia nos acampamentos bolsonaristas.

Desta forma, mesmo sem citar o nome da irmã Ilda, foi o suficiente para que as pessoas fizessem a alusão entre as duas mulheres. Sempre desconfie de publicações com termos sensacionalistas e sem informações claras. Também é preciso verificar os fatos na imprensa profissional, sobretudo em casos envolvendo falecimento de pessoas que se tornaram conhecidas.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

A mesma publicação foi checada pelo Boatos.org. O UOL Confere desmentiu que idosas detidas por causa dos atos terroristas em Brasília tivessem falecido no ginásio da Polícia Federal. O Comprova mostrou que é falso que FBI pediu extradição e prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes.

A investigação desse conteúdo foi feita por O Popular e Estadão e publicada em 4 de abril pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, UOL, AFP, SBT e SBT News.

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