Bancada das big techs apresenta texto alternativo ao PL das Fake News

Frente Digital, ligada às plataformas, propõe lei que protege parlamentares e dificulta punição de redes

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São Paulo

O líder do grupo conhecido como Frente Digital, deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), protocolou nesta segunda-feira (15) um substitutivo ao PL das Fake News que muda o regime de responsabilização das plataformas e ainda proíbe as empresas de removerem ou reduzirem o alcance das postagens e das contas institucionais de parlamentares em exercício.

O texto, obtido pela Folha, deve ser avaliado quando o PL das Fake News entrar na pauta, o que pode ocorrer nesta semana ou na próxima. Na proposta atual, os parlamentares têm uma proteção menor, dispondo apenas de uma via judicial preferencial para contestar remoções e outras ações das empresas.

O substitutivo retira do texto original, relatado pelo deputado Orlando Silva (PC do B-SP), o "dever de cuidado" e as "análises de riscos sistêmicos" propostas, inspiradas na legislação europeia, e atribui a uma entidade de autorregulação a função de impor multas e punições às empresas, além do sistema judiciário.

O deputado Lafayette de Andrada (Republianos-MG), em discurso na tribuna, no início do mês - Geraldo Magela - 3.mai.23/Agência Senado

Atualmente, vigora o Marco Civil da Internet, de 2014 –lei que estabelece que empresas só podem ser punidas civilmente por conteúdo de terceiros se não removerem após ordem judicial, a não ser nos casos de nudez não consentida ou violação de propriedade intelectual.

Com o PL 2630, que é conhecido como PL das Fake News, as plataformas poderiam ser punidas antes de ordem judicial, mas apenas se descumprirem de forma generalizada o dever de mitigar e combater conteúdo ilegal, e só após a adoção de um protocolo de segurança.

De acordo com o substitutivo proposto por Andrada, as empresas só poderiam ser punidas caso haja um "requerimento específico emitido por autoridade competente para fiscalização da aplicação da lei (Ministério Público ou entidade de autorregulação) ou pela investigação de seu descumprimento, que tenha efetivamente recebido" ou notificação de qualquer usuário sobre "conteúdo manifestamente ilegal".

O texto caracteriza como manifestamente ilegal "aquele cuja contrariedade à ordem jurídica brasileira pode ser atestada de pronto, por qualquer pessoa com habilidades medianas, sem conhecimento técnico-jurídico ou qualificação específica".

Isso deixaria as empresas expostas a punições por conteúdos individuais que escapassem dos sistemas de moderação —apenas no caso de eles não serem removidos e, posteriormente, considerados pela Justiça, de fato, ilegais.

Mas o texto aborda, por exemplo, situações em que há ambiguidade. Uma das principais queixas das plataformas era de que banir conteúdo que viola a Lei do Estado Democrático de Direito, como prevê o texto atual do PL, era muito vago e iria exigir que as empresas praticassem um autocensura. Segundo elas, depende muito do contexto determinar se uma postagem incita o golpe ou atenta contra a democracia.

Mas esse item é uma das principais reivindicações do governo, que transformou a responsabilização das plataformas por conteúdo golpista em uma de suas bandeiras após os ataques de 8 de janeiro em Brasília.

Segundo Andrada, a entidade de autorregulação, composta apenas pelos representantes das empresas, é que ficaria encarregada de impor multas e punições sobre as plataformas. Caso não desempenhe seu papel, haveria entrada de um comitê multissetorial. Mas as empresas continuariam sujeitas a punições do sistema judiciário.

Para críticos, isso enfraquece o regime de responsabilidade, que seria aplicado e analisado pelas próprias empresas.

Nas opções de órgão regulador em discussão, como a sugerida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a que defende a Anatel, entidades com representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário é que teriam o poder de avaliar o cumprimento da lei e impor sanções.

No texto da Frente Digital, haveria também a criação de um comitê de defesa da liberdade de expressão e integração no combate à prática de atos ilegais na internet (CDLE), órgão multissetorial ligado ao Conselho de Comunicação do Congresso. Mas ele teria o papel predominante de integrar várias instâncias e elaborar diretrizes e análises no desempenho das empresas, sem poder de sanção.

As justificativas dadas por Andrada no texto deixam clara a intenção de abordar o que as big techs e alguns parlamentares acusam como possibilidade de censura em decorrência da regulação do PL 2630.

"Do ponto de vista técnico, o texto do relatório [do deputado Orlando Silva] me parece inconstitucional, razão pela qual não deve prosperar. No mérito, entendo que a segurança nos ambientes da internet só será alcançada pela integração de ações públicas e privadas de combate à prática de atos ilegais, não só às tais 'fake news', mas sem prejudicar a liberdade de expressão que fundamenta nossa democracia."

A Frente Digital reúne cerca de 20 parlamentares e costuma se alinhar a interesses de grandes empresas de tecnologia no Congresso. O grupo é assessorado pelo instituto Cidadania Digital, que é financiado por associações do setor.

O PL 2630 foi aprovado no Senado em 2020 e entrou em regime de urgência na Câmara no fim de abril. No último dia 2, porém, sua votação no plenário foi adiada para evitar uma derrota do governo Lula.

Outra mudança no texto se refere à remuneração de conteúdo jornalístico.

No projeto relatado por Orlando Silva, está previsto um mecanismo de arbitragem caso as big techs e os veículos de mídia não cheguem a um acordo sobre o valor devido por remuneração de conteúdo. O modelo é semelhante ao adotado na Austrália desde 2021.

O substitutivo apresentado pela Frente Digital exclui essa arbitragem, que era uma demanda de grandes veículos de comunicação e uma das principais objeções das plataformas.

Na percepção das empresas de mídia, sem arbitragem, existe uma desigualdade de poder de negociação muito grande entre as big techs e os veículos, que sairiam prejudicados.

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