Lula faz acenos a Marina, mas evita enfrentar Congresso diante de base frágil

Votações mostraram que força majoritária na Câmara está nas mãos de Arthur Lira e do centrão

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Brasília

Diante da evidente fragilidade em sua base de apoio na Câmara dos Deputados, o presidente Lula (PT) deu início a um movimento para aplacar a insatisfação da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e evitar a saída dela do cargo. Ao mesmo tempo, ele decidiu não enfrentar o Congresso Nacional.

Tanto a folgada vitória na aprovação do arcabouço fiscal como as derrotas em pautas no saneamento e na questão indígena mostraram que a maior força na Câmara está nas mãos do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), e do centrão, que ele comanda.

Ao sabor dos interesses desse grupo, mais de 300 votos têm sido reunidos tanto a favor como contra o governo.

Marina Silva e Lula se encontram em almoço no Itamaraty, um dia após Congresso impor derrota à ministra com aval do governo - Ricardo Stuckert

Embora a coordenação política do Palácio do Planalto tenha cedido ao Congresso na articulação pela retirada de atribuições na pasta de Marina, Lula convocou uma reunião com a ministra e com Sônia Guajajara (Povos Indígenas) para esta sexta-feira (26).

A reunião terá a presença de ministros da chamada coordenação política, que inclui Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), além de líderes do governo.

Segundo auxiliares palacianos, a intenção é mostrar que Lula ainda trata com prioridade as respectivas áreas e que tentará reverter ao menos parte do prejuízo no Senado. Nos bastidores, a posição é a de que não há, neste momento, como o governo confrontar a Câmara.

A comissão mista formada por deputados e senadores que analisou a MP (medida provisória) da reorganização da Esplanada dos Ministérios aprovou na quarta-feira (24) mudanças que fortalecem o centrão e retiram poder da pasta comandada por Marina. O Ministério dos Povos Indígenas também foi desidratado, ao ver a atribuição de demarcar terras indígenas ser transferida para a pasta da Justiça.

O próprio Lula afirmou nesta quinta-feira (25), em São Paulo, ver a situação como "normal". Ele minimizou a crise e disse que não se pode assustar com a política e que agora o governo tem que "jogar" e negociar com o Legislativo.

Lula venceu o pleito contra Jair Bolsonaro (PL) por estreita margem de votos ao mesmo tempo em que os eleitores escolheram um Congresso majoritariamente conservador.

A base da esquerda, liderada pelo PT, controla apenas cerca de 130 das 513 cadeiras na Câmara.

Lula tenta formar uma coalizão com siglas de centro e de direita, em especial MDB, União Brasil e PSD, mas as últimas votações mostraram que, por ora, o apoio só está garantido para projetos do agrado do centrão —comandado por Lira e formado pelas bancadas ruralista e evangélica, entre outras.

Esse foi o caso do arcabouço fiscal, aprovado por 372 votos contra 108, com apoio e liderança de Lira.

Logo após essa votação, finalizada na quarta, o centrão mostrou suas armas e aprovou por 324 a 131, dessa vez contra os interesses do governo, a urgência para a votação do marco temporal na questão da demarcação das terras indígenas —uma bandeira dos ruralistas.

O principal temor do governo no embate entre Marina e o Congresso é que, caso haja esforço efetivo do governo para que o Senado altere pontos, a Câmara decida retaliar o Planalto e deixe a MP da reorganização da Esplanada dos Ministérios perder validade. Na prática, isso implicaria na volta da estrutura administrativa de Bolsonaro.

A proposta ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado e ter sua tramitação concluída até 1º de junho.

Por isso, por enquanto não há previsão de que Lula vete as mudanças feitas pela Câmara nem recorra à Justiça para rever a decisão dos parlamentares. A ideia é atuar no próprio Congresso, especialmente no Senado, para tentar amenizar as mudanças.

Apesar da intenção de Lula, a judicialização foi tema tratado por Marina quando esteve na Câmara dos Deputados, na quarta. Em audiência com parlamentares, ela afirmou que previa que organizações do terceiro setor poderiam recorrer contra a mudança na Esplanada.

No caso da demarcação de terras indígenas —que, pelo texto do Congresso, deixa o ministério de Sonia Guajajara e vai para o da Justiça—, já há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo que questiona a alteração de tutela do tema.

Embora não demonstre por enquanto disposição de brigar contra a ala majoritária da Câmara, Lula e aliados próximos estão preocupados que a crise com Marina tenha uma repercussão internacional negativa.

Há cerca de uma semana, Lula disse no Japão que a "falsa dicotomia entre crescimento e proteção ao meio ambiente já deveria estar superada".

"Estamos diante de uma realidade de um Parlamento que não fizemos a maioria. O povo brasileiro elegeu um presidente com uma posição, e um Parlamento majoritariamente com outra. Temos que fazer as mediações e não podemos ganhar tudo aqui. Muitas vezes, perdemos, como foi o caso ontem na questão ambiental e indígena", afirmou o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (AP).

"Não está sendo uma situação fácil de manejar, porque o governo não tem maioria dentro do Congresso", disse Marina nesta quinta, durante a posse do novo presidente do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Mauro Pires. Mais tarde, ela publicou uma foto ao lado de Lula, tirada durante encontro dos dois no Palácio do Itamaraty.

Em outra frente, o Palácio do Planalto também pretende vetar um dispositivo de uma medida provisória que enfraqueceu a proteção à mata atlântica —a leitura é que, em eventual análise desse veto pelo Congresso, o Senado teria condições de assegurar a posição do Planalto (para um veto presidencial ser derrubado, é preciso o voto da maioria dos integrantes das duas Casas).

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