Lula enfrenta turbulência na política doméstica enquanto prioriza relações exteriores

Ênfase em viagens e cúpulas contrasta com fracasso, até agora, na montagem de base de apoio sólida no Congresso

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Brasília

O clima de desarticulação governista na Câmara dos Deputados reforçou uma reclamação recorrente de aliados sobre o que consideram um erro nas prioridades do presidente Lula (PT) neste início de mandato.

Enquanto seu governo sofria mais uma derrota na terça-feira (30) com a aprovação do projeto de marco temporal na questão indígena e tinha dificuldade em aprovar até a medida provisória que desenhou a nova configuração ministerial, o presidente chefiava encontro com representantes de todos os países da América do Sul, em Brasília, uma iniciativa sua na busca de um novo modelo de integração regional.

Lula e o presidente da Argentina, Alberto Fernández, dão risada durante reunião de presidentes de países da América do Sul - Gabriela Biló - 30.mai.23/Folhapress

Desde que tomou posse, Lula já viajou a Estados Unidos, Argentina, Uruguai, China, Portugal, Espanha, Reino Unido, Emirados Árabes e Japão, além de ter reservado parte de sua agenda para tratativas relacionadas à guerra entre Rússia e Ucrânia.

Em conversa por telefone com o papa Francisco, nesta quarta (31), acertou mais uma viagem para as próximas semanas, desta vez ao Vaticano.

A ênfase na diplomacia contrasta com o até agora fracasso na montagem de uma base de apoio sólida no Congresso.

Para alguns aliados, Lula deveria assumir diretamente a condução da articulação política no Congresso, de forma prioritária, intervindo pessoalmente para aparar arestas, atender demandas e firmar pactos, pelo menos até que uma base de fato consistente seja formada.

Os exemplos e as reclamações vêm se acumulando.

Lula foi eleito para seu terceiro mandato em um país polarizado eleitoralmente e viu o Congresso ser formado por uma ampla maioria conservadora —a esquerda elegeu apenas cerca de um quarto das cadeiras.

Com isso, o petista buscou formar uma coalizão com partidos de centro e de direita como MDB, PSD e União Brasil, distribuindo nove ministérios a essas legendas, além de descartar lançar um candidato contra a reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), até o ano passado um dos principais aliados de Jair Bolsonaro (PL).

O arranjo, porém, não tem resultado em uma base sólida. A articulação política do governo sofre uma saraivada de críticas, principalmente na Câmara, e assiste ao protagonismo do centrão, liderado por Lira, grupo que detêm hoje, de fato, uma base no Congresso.

Ao sabor dos interesses desse grupo, mais de 300 votos têm sido reunidos tanto a favor como contra o governo.

Os ministros da articulação política, Alexandre Padilha, da Casa Civil, Rui Costa, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), têm sido bombardeados por esse grupo nos bastidores e, em alguns casos, também de forma pública. Como ocorreu no início do mês, quando Lira afirmou que o principal problema do governo é a articulação política, formada por ministros que fazem diversas reuniões, mas tomam poucas decisões efetivas diante de cenários complexos.

A principal reclamação tem sido em relação à desorganização, à bateção de cabeça interna e à falta do cumprimento de promessas de distribuição e pagamento de emendas aos parlamentares, além de cargos na máquina federal.

Lira pleiteia retomar a gerência da distribuição dessas emendas e cargos, tarefa que exercia na gestão Bolsonaro.

Lula editou até agora, por exemplo, 21 medidas provisórias, mas passados cinco meses de governo nenhuma delas foi aprovada ainda pelo Congresso.

Seis delas vão perder a validade por não terem sido aprovadas no prazo máximo de 120 dias. Uma sétima, a que elevou o número de ministérios de 23 para 37, pode ter o mesmo destino caso o governo não consiga aprová-la na Câmara e no Senado até esta quinta-feira (1º).

O fato geraria a inédita situação de um presidente não conseguir fazer valer a sua configuração ministerial em um início de gestão.

As medidas provisórias são o principal instrumento que o governo tem para legislar. Uma falta de acordo entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a forma de tramitação, porém, tem praticamente inviabilizado esse mecanismo.

Até agora não houve empenho claro de Lula ou do governo para superar esse impasse entre Lira e Pacheco.

O presidente da Câmara também patrocina uma rivalidade regional com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula, o que tem resultado em efeitos colaterais para o Palácio do Planalto.

No Twitter, o senador chamou Lira de caloteiro, o acusou de desviar dinheiro público e também de ter batido na ex-mulher Julyenne Lins. O presidente da Câmara mandou recado ao Planalto de que considerava inadmissíveis as declarações do senador da base de Lula e, segundo governistas, ameaçou não colocar em votação a MP da reestruturação dos ministérios.

Outro sinal claro de fragilidade da base governista é o fato de que, contra sua vontade, Câmara e Senado instalaram quatro CPIs, uma mista (formada por deputados e senadores) e três na Câmara. Os quatro presidentes dessas comissões são integrantes do centrão que apoiaram Bolsonaro.

Lula também já viu parte de decretos na área do saneamento serem derrubados pela Câmara e tenta agora negociar no Senado, onde tem uma situação menos desconfortável.

O único êxito relevante do governo, a aprovação do novo arcabouço fiscal, ocorreu somente devido ao apoio do centrão e o comando de Lira, que tem encampado pautas do agrado do empresariado e do mercado.

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