Descrição de chapéu Governo Lula

Falas de Lula para bolha confundem centro e agradam esquerda política

Declaração do presidente a favor de Maduro é minimizada por petistas, mas grupos veem potencial prejuízo político

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São Paulo

O conjunto de acenos do presidente Lula (PT) ao público de esquerda, reforçado nesta segunda-feira (29) com a declaração de que a ditadura na Venezuela seria uma narrativa, é defendido por líderes do PT, mas lido de diferentes formas por políticos de partidos mais próximos do centro.

Para petistas ouvidos pela reportagem, não há uma estratégia deliberada do presidente de concentrar sua comunicação na sua bolha de eleitores, mas partidos aliados fora da esquerda veem consequências —como acirramento da polarização e maior dificuldade do governo com um Congresso que é de direita em sua maioria.

Nos bastidores, mesmo aliados próximos de Lula afirmam que o presidente errou ao exaltar o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em vez de simplesmente recebê-lo para um encontro bilateral.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente Lula (PT) durante encontro em Brasília - Ueslei Marcelino - 29.mai.23/Reuters

A fala de apoio a Maduro, que viajou a Brasília para um encontro entre todos os presidentes da América do Sul, se soma a outras declarações de Lula que causaram estranhamento em setores que se uniram a ele na eleição para derrotar Jair Bolsonaro (PL).

Em janeiro, por exemplo, Lula chamou Michel Temer (MDB) de golpista, referindo-se ao impeachment, e o ex-presidente rebateu, recomendando ao petista que governasse "olhando para a frente".

Depois do imbróglio na Agrishow, feira do setor agropecuário, Lula disse que "fascistas e negacionistas" não quiseram que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), fosse ao local.

Lula também já afirmou que a Lava Jato foi orquestrada com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para destruir empreiteiras brasileiras e insinuou que um plano de ataque desvendado pela Polícia Federal seria uma armação do senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

A declaração de Lula sobre a Venezuela foi criticada por outros presidentes, como o centro-direitista Luis Alberto Lacalle Pou, do Uruguai, e o esquerdista Gabriel Boric, do Chile.

Nas redes sociais, uma série de bolsonaristas, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), exploraram o episódio para reforçar sua oposição ao presidente.

O apresentador Luciano Huck reagiu a Lula e publicou no Twitter que a situação no país vizinho "não é só uma narrativa". "É real e não tem nada a ver com democracia." Já o PCO (Partido da Causa Operária) foi às redes para defender o gesto do presidente.

Para representantes de partidos mais próximos do centro ouvidos pela reportagem, o governo do PT tenta dialogar com a esquerda e com a direita, sendo que Lula é o interlocutor do campo progressista, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), fica encarregado de construir pontes com o mercado financeiro e setores mais avessos ao partido.

A estratégia, no entanto, pode tanto angariar apoios nas duas frentes quanto indispor o presidente com um lado ou outro.

No PSB, principal aliado de Lula na eleição, não há dúvida de que a Venezuela é uma ditadura, como afirmou o presidente da sigla, Carlos Siqueira, à coluna Painel, da Folha. Ele ainda criticou o tratamento especial de Lula a Maduro: "Não precisava chegar a tanto".

Há, entre políticos de centro-direita, quem minimize os efeitos práticos das declarações de Lula, apontando que sua base no Congresso se move de forma pragmática e fisiológica –e não ideológica.

Membros do governo afirmam ainda que as falas de Lula para a esquerda são isoladas e que sua linha política é a de unificar o país e retomar o crescimento.

"É o jeito do Lula, de encarar as divergências, não escamotear. Ele está propondo o debate, as pessoas podem concordar ou não. Ele está dizendo que respeita a cultura que existe na Venezuela, como a dos EUA, como a da China", afirma Vagner Freitas, presidente do Conselho Nacional do Sesi e ex-presidente da CUT, um amigo do presidente.

Freitas diz que a presença de Maduro renderia ataques a Lula de qualquer forma e que as falas do petista não afastam o centro.

"São todas falas e pontos que estavam no programa de governo. O próprio [Geraldo] Alckmin esteve na feira do MST. A agenda de Lula é de esquerda, com valorização do salário-mínimo, redução da gasolina, incentivo ao carro popular", completa.

Vice-presidente da União Brasil, o ex-deputado Junior Bozzella vê, no entanto, um efeito negativo.

"Do ponto de vista prático, não tem um grande impacto ou abalo. Até porque, ao contrário de Bolsonaro, Lula fala para a esquerda, mas não desafia a democracia. No entanto, essa fala [da Venezuela] dá argumento e palanque para lacradores. Ele poderia tentar evitar, não é inteligente extremar o discurso para manter a polarização, que é algo que agride a democracia", diz.

Já parlamentares de direita afirmam de forma reservada que falar para a bolha atrapalha Lula tanto a governar quanto a se reeleger –ou emplacar um sucessor.

O deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), secretário de Comunicação do partido, diz não haver contradição entre os acenos de Lula à esquerda e sua agenda eleitoral de união e pacificação, que teve a adesão do centro.

"Lula esteve com Maduro, mas esteve na Fiesp semana passada. O que ele quer é que o Brasil dialogue com todos os países. A eleição acabou, Lula não tem essa preocupação de falar com a bolha", diz Tatto, ressaltando que a economia importa mais para o eleitor do que o discurso do presidente.

Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT) afirma que "na política valem mais as ações". "O que queremos é integrar a América Latina."

"O povo escolheu um candidato que tem opiniões, mas que não está desunindo o país", afirma o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), rechaçando a comparação entre o método de Bolsonaro de manter sua base radical sempre mobilizada e as falas de Lula à esquerda.

"Bolsonaro incentivava a briga e o conflito. Lula não está brigando com ninguém, está passando a opinião dele. O que isso muda no país? No Congresso? Nada", completa.

Professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a professora Flavia Loss Araujo afirma que, do ponto da política externa brasileira, tirar a Venezuela do isolamento é correto, embora a intensidade do gesto de Lula a Maduro possa ser questionada. Internamente, ela vê a possibilidade de implicações eleitorais negativas.

"A política externa tradicionalmente não é algo que move o eleitorado e nem a base no Congresso, mas é um assunto que está crescendo de importância. Poucos analistas e jornalistas elogiaram a fala de Lula. Pode ter efeitos eleitorais, porque a extrema direita vai usar essas fotos e vai falar da Venezuela, vista como grande inimiga, como era Cuba na ditadura", diz a professora.


Declarações de Lula que o afastam do centro

"Narrativas" na Venezuela
Na terça-feira (29), ao lado de Nicolás Maduro, Lula chamou de "narrativa" a visão de que a Venezuela virou um regime autoritário, acrescentando ainda que ele e Celso Amorim, seu assessor especial, buscam explicar ao mundo a real situação venezuelana

Ilação contra Moro
Em 23 de março, após a Polícia Federal deflagrar operação desarmando plano da facção criminosa PCC para atacar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), o presidente insinuou que a ameaça seria uma "armação" de Moro

Temer golpista, mais uma vez
Já no fim de janeiro, o petista chamou o ex-presidente Michel Temer (MDB) de golpista, referindo-se à ascensão do emedebista ao Planalto após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em discurso na Prefeitura de Montevidéu, capital uruguaia. Temer rebateu, recomendando a Lula que governasse "olhando para a frente"

Agro fascista
Em maio, o atual mandatário repercutiu o imbróglio envolvendo a Agrishow e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), desconvidado do evento para não cruzar eventualmente com o Jair Bolsonaro (PL). Disse que "Fascistas e negacionistas não quiseram que ele fosse", e afirmou ir a outra feira do agro, na Bahia, para "fazer inveja para os maus-caracteres de São Paulo"

Colaborou Matheus Tupina

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