Bolsonaro simulou atrito com TCU para ganhar tempo e resgatar joias nos EUA

Defesa do ex-presidente, em março, atribuiu à corte de contas demora na entrega de presentes, hoje investigada pela PF

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Brasília

A defesa de Jair Bolsonaro (PL) atribuiu a uma alegada "burocracia" do TCU (Tribunal de Contas da União) a "delonga" na entrega de presentes recebidos pelo ex-presidente de autoridades estrangeiras. Isso ocorreu antes da recente operação da Polícia Federal sobre negociação de joias.

Segundo a investigação da PF, em 30 de março, ocasião em que representantes de Bolsonaro reclamaram de procedimentos do TCU, auxiliares do ex-presidente concluíam as providências para reaver todo o material evadido do país para, então, entregá-lo ao Estado brasileiro.

Na prática, Bolsonaro simulou um atrito burocrático com o TCU para ganhar tempo e resgatar as joias anteriormente levadas aos Estados Unidos.

O ex-presidente Jair Bolsonaro chega ao aeroporto de Brasília - Gabriela Biló - 29.jun.23/Folhapress

No final de março, a defesa de Bolsonaro disse em documento ao TCU: "Registre-se, aqui, que a delonga na entrega efetiva dos bens se deu, a despeito da forma como os veículos de imprensa optaram por noticiar, unicamente em razão da burocracia desta Corte".

Os advogados afirmaram que a deliberação do tribunal quanto a local apropriado para o depósito dos bens, bem como a expedição de ofícios e diligências para efetivar a "entrega segura e transparente dos bens", se arrastou mais do que o esperado.

"Descabido, portanto, o tratamento da questão como se houvesse por parte do peticionário [Bolsonaro] alguma tentativa maliciosa de escamotear determinados bens desta corte e de qualquer outro órgão", afirmou a defesa do ex-presidente na época.

A PF empregou justamente o termo "escamotear" ao se referir à operação montada por auxiliares de Bolsonaro para resgatar as joias que estavam no exterior.

"Cabe salientar, que toda a operação foi realizada de forma escamoteada, fato que permitiu os investigados devolverem os bens sem revelar que todo o material estava fora do país", diz trecho da representação policial reproduzido em sua decisão pelo ministro Alexandre de Moraes.

A investigação sobre as joias em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) sob a relatoria de Moraes mostra que, ao longo de março passado, enquanto o TCU analisava o caso, ocorreu o que a PF chamou de "operação resgate" para a recuperação dos bens.

Tão logo houve a instauração da tomada de contas pelo TCU, apesar da "operação resgate" em pleno curso, Bolsonaro colocou-se à disposição do tribunal para prestar os esclarecimentos pertinentes e entregar, de "forma espontânea", as joias, sem abordar o paradeiro das peças.

Na ocasião, o tribunal analisava a situação de um dos dois kit de presentes de joias enviados a Bolsonaro por representantes da Arábia Saudita. No dia 15 de março, a corte de contas determinou que o ex-mandatário deveria entregar o segundo pacote de joias remetido a ele.

Esse segundo kit é composto por relógio, caneta, anel, abotoaduras e um rosário (masbaha) e entrou no país em 2021, no mesmo dia em que a Receita Federal interceptou em Guarulhos (SP) outra caixa de joias com peças femininas.

Os dois pacotes foram trazidos ao Brasil por intermédio da missão chefiada pelo então ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) àquele país do Oriente Médio.

As investigações da PF apontaram que Bolsonaro e auxiliares retiraram do Brasil, no avião presidencial, pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado.

"No caso específico do Kit Rose [nome dado a um dos conjuntos de joias], a saída com os bens teria ocorrido ao final de dezembro", referência à viagem realizada pelo então mandatário na véspera do término do mandato, para assim evitar passar a faixa a seu sucessor eleito, o hoje presidente Lula (PT).

A polícia afirma que as tratativas para a venda dos bens iniciaram-se ainda em 19 de dezembro, segundo troca de mensagens entre aliados do ex-presidente.

Oferecidas para serem leiloadas, as joias não foram arrematadas, fato que permitiu que o ex-presidente "devolvesse os bens ao Estado brasileiro", diz trecho da decisão de Moraes, que autorizou os investigadores a fazer buscas contra os investigados.

Após o escândalo das joias vir à tona, em março, o entorno do presidente entrou em campo para reaver as peças, aponta a PF.

Na última sexta-feira (11), a polícia cumpriu mandados de busca e apreensão que miram o entorno de Bolsonaro. Entre os alvos está o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

Além dele, as buscas da PF incluem Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, tenente do Exército e que também atuou na ajudância de ordens da Presidência. As ações ocorrem dentro do inquérito policial das milícias digitais, em tramitação no STF.

Antes da decisão, o ministro do Supremo pediu uma manifestação da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a realização das buscas.

O órgão comandado por Augusto Aras pediu o envio do caso para a primeira instância da Justiça Federal em Guarulhos, onde tramita um inquérito policial. A Procuradoria não se manifestou sobre o mérito das suspeitas levantadas contra Bolsonaro e entorno.

Os investigados são suspeitos de utilizar a estrutura do governo brasileiro para "desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior", afirmou a polícia.

Bolsonaro afirmou na última sexta-feira que ele "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos" e colocou seu sigilo à disposição.

A reportagem não conseguiu localizar nesta segunda-feira (14) os advogados Paulo Bueno e Daniel Tesser, que assinaram a defesa do ex-mandatário junto ao TCU.

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